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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O Compartilhamento de Arquivos e a Produção de Conteúdo de Mídia

ARTIGOS ESPECIAIS

24/08 - 13:20

O Compartilhamento de Arquivos e a Produção de Conteúdo de Mídia

24 de agosto de 2009 - Um estudo recente publicado pela Harvard Business School, “File-Sharing and Copyright” (“Compartilhamento de Arquivos e Copyright”, por Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf, 15/05/2009) conclui que compartilhamento de arquivos e proteções mais brandas de direitos autorais redundaram, de um modo geral, em mais benefícios do que prejuízos à sociedade. Entre outras coisas, Oberholzer-Gee e Strumpf argumentam que o compartilhamento de arquivos nada fez para deter a produção de livros, música e filmes. A conclusão dos autores, economistas de Harvard e Kansas respectivamente, é a de que a proteção mais branda de direitos autorais é desejável, desde que “não diminua os incentivos aos artistas e às empresas de entretenimento para produzir novos trabalhos.”

O estudo começa lembrando que o advento da tecnologia de compartilhamento de arquivos tem permitido que os consumidores copiem música, livros, vídeo-games e outras obras protegidas por direitos autorais numa escala sem precedentes e a um custo mínimo. Nas palavras dos autores: “O copyright existe para incentivar a inovação e a criação de novos trabalhos; em outras palavras, para promover o bem-estar social. A pergunta a se fazer é portanto se a nova tecnologia tem enfraquecido os incentivos para criar, comercializar, e distribuir entretenimento. O deslocamento de vendas é uma condição necessária mas não suficiente para que danos ocorram. Precisamos saber se a receita dos produtos complementares superam o declínio na receita dos trabalhos protegidos por direitos autorais. E mesmo se a receita cai, o benefício social pode não sofrer se os artistas não responderem a incentivos monetários mais fracos.”

Com efeito, embora que a evidência empírica do efeito do compartilhamento de arquivos sobre as vendas seja diversa, há elementos suficientes para que se conclua que a pirataria de música na internet pode talvez explicar cerca de um quinto da queda recente nas vendas da indústria. No entanto, somente o declínio nas vendas não basta para concluir que os autores têm menos incentivos à criação, pois o compartilhamento de arquivos, por outro lado, influencia os mercados para concertos, e para a infraestrutura eletrônica e de comunicações. Por exemplo, a tecnologia fez aumentar os preços de concertos, levando os artistas a realizar tournées mais frequentemente, e, no final das contas, a aumentar suas receitas no total.

Referindo-se a um artigo seminal na análise econômica do copyright (“An Economic Analysis of Copyright Law”, por William Landes e Richard A. Posner, publicado no “Journal of Legal Studies”, 1989), Oberholzer-Gee e Strumpf recordam que, ao estabelecer os termos da proteção aos direitos autorais, legisladores procuram um equilíbrio entre aumentar os incentivos à criação de obras protegidas e permitir o aumento dos preços com os quais os consumidores se deparam quando livros, filmes, e gravações não podem ser copiados. Isso significa que a tarefa do legislador é um verdadeiro desafio, pois estabelecer os termos do copyright de uma maneira que beneficie a sociedade requer uma resposta a duas questões fundamentais: por um lado, é preciso saber quão mais fracos seriam os incentivos para a criação de novos trabalhos num regime com menores proteções, e, por outro lado, como os produtores responderiam a um enfraquecimento dos incentivos. O fato é que a música, a cultura, a ciência, assim como o próprio bem-estar econômico dependem de um equilíbrio delicado entre as idéias que são de acesso controlado e aquelas que são de livre acesso, conforme analisa James Boyle em seu mais recente livro “The Public Domain: Enclosing the Commons of the Mind” (“O Domínio Público: Delimitando os Comuns da Mente”, Yale University Press, Dezembro 2008). O domínio público é o universo de material—idéias, imagens, sons, descobertas, fatos, textos—que está desprotegido por direitos de propriedade intelectual e livre para todos usarem e construírem a partir dele. Tanto os incentivos fornecidos pela propriedade intelectual quanto a liberdade propiciada pelo domínio público são cruciais ao equilíbrio. Porém, atualmente a maior parte da atenção tem sido voltada para o universo protegido.

Nos Estados Unidos, assim como no resto do mundo, o grau de proteção de direitos autorais tem consistentemente aumentado, desde o modesto “Copyright Act” de 1790, que ofereceu 14 anos de proteção com um período de renovação de 14 anos, até a legislação aprovada em 1831 (28 anos), 1909 (renovação estendida a 28 anos), 1976 (50 anos após a morte do autor), 1992 (renovação automática), e 1998 (70 anos). Na União Européia, o termo de copyright para peças de música gravada tem 50 anos de duração, ao contrário dos 95 anos nos EUA. Uma proposta de extensão desse período para 70 anos foi aprovada pelo Parlamento Europeu em 23/04/09. Poucos meses antes em seu artigo “Book-burning, legal style” (“Queima de livros, estilo legal”, 08/12/09) no Financial Times, James Boyle já manifestava seu descontentamento com a proposta que havia sido submetida pela Comissão Européia. Segundo Boyle, o copyright fez sua tarefa e encorajou a criação, mas agora age como uma cerca, e, ainda pior, a marcha da extensão retroativa continua, cada extensão tão destrutiva de acesso quanto uma chacina de nossa herança cultural como se tivéssemos literalmente jogado tudo uma fogueira. Antes de ser uma política cultural, isso seria uma política anti-cultural, conclui Boyle.

Numa carta de apoio (“amici curiae”) aos réus no célebre processo que a MGM Studio Inc. (representando um consórcio de 28 empresas de entretenimento) moveu contra as empresas de compartilhamento de arquivos entre pares Grokster (uma outra marca do Kazaa) e Streamcast (fabricante do Morpheus) em 2005, Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf argumentavam que um dos pilares do argumento da MGM era que os downloads em redes de compartilhamento de arquivos tinham tido um impacto significativo e negativo em suas vendas de música gravada. Contudo, diziam os amici, não havia análise rigorosa dando suporte a tais alegações. O propósito da carta era dar ciência à corte da pesquisa empírica conduzida pelos amici quantificando as conseqüências econômicas do compartilhamento de arquivos. Baseados em extensa análise estatística de um grande número de downloads do último trimestre de 2002, os amici concluíam que o compartilhamento de arquivos tinha tido um impacto apenas modesto nas vendas de música. “Com alto nível de confiança, os amici podem rejeitar a alegação de que o compartilhamento de arquivos foi responsável pela maioria da redução em vendas durante o período de estudo. Ao mesmo tempo, os amici não podem rejeitar a hipótese de que o compartilhamento de arquivos não teve nenhum impacto sobre a venda de álbuns de música.”

Já no estudo divulgado em Maio último, Oberholzer-Gee e Strumpf declaram que, apesar de não haver dúvida de que o compartilhamento de arquivos enfraqueceu substancialmente a proteção de obras cobertas por copyright, o resultado do experimento está longe de nos dar uma certeza. Três condições precisam se verificar para que direitos menos-certos venham a minar os incentivos à produção artística: (1) as obras originais e as cópias em redes de compartilhamento de arquivos têm que ser substitutos razoavelmente próximos; (2) os artistas e a indústria do entretenimento não podem ser capazes de se deslocar de fontes anteriores de renda para a venda (igualmente rentável) de complementos; e, finalmente, (3) receitas em declínio têm que ser um motivador suficientemente importante para que os artistas reduzam a produção. Somente se todas as três condições se verificarem, o compartilhamento de arquivos estará causando reais danos ao bem-estar social.

Sobre o impacto do compartilhamento de arquivos na redução de vendas de material protegido por copyright, parece não haver dados suficientemente coerentes para que se chegue a conclusões inquestionáveis. Daí, em razão do fato de que os resultados teóricos se mostram inconclusivos, o efeito do compartilhamento de arquivos na rentabilidade da indústria se caracteriza, em grande medida, como uma questão essencialmente empírica. E para entender as razões desse caráter diverso, Oberholzer-Gee e Strumpf levam em consideração uma lista de desafios na literatura empírica: (i) escolha da amostra; (ii) medidas da pirataria; (iii) heterogeneidade não-observada. Apesar de seu foco não ser exatamente sobre se a indústria fonográfica está ou não perdendo dinheiro devido ao compartilhamento de arquivos, mas sim sobre se o compartilhamento de arquivos tem freado a produção de música, o fato é que o artigo encara de forma responsável mitos de longa data sobre os efeitos econômicos do compartilhamento de arquivos. Os autores argumentam com base em números, e de forma um tanto convincente, que muitos downloads não representam uma venda perdida, alegação utilizada por muitos representantes de gravadoras, inclusive no célebre caso recente do processo movido pela Capitol Records contra Jammie Thomas-Rasselt que acabou condenada a pagar exorbitantes 1,92 milhões de dólares em danos por ter baixado ilegalmente 24 músicas (80 mil dólares por música).

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 24/08/2009, 13:20hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2611547,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 24/08/2009, 08:00hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/08/24/o_compartilhamento_de_arquivos_e_a_producao_de_conteudo_de_midia_52751.php


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Internet de Coisas e o Efeito nos Consumidores

ARTIGOS ESPECIAIS

17/08 - 19:55

A Internet de Coisas e o Efeito nos Consumidores

17 de agosto de 2009 - A invasão da tecnologia na vida de todos nós é uma realidade, se por um lado é benéfica, inexorável e explícita, por outro lado tem seu aspecto sutil e extremamente invasivo. Em relatório recente intitulado “Web Squared: Web 2.0 Five Years On” (“A Web ao Quadrado: Web 2.0 Após Cinco Anos”), Tim O'Reilly, um dos mais influentes blogueiros e pensadores do Vale do Silício, em parceria com John Battelle, fundador e chairman da Federated Media Publishing, avaliam o atual momento em que vivenciamos a interseção entre as tecnologias da web e a emergente “internet de coisas” (objetos do mundo real conectados à internet). Exemplo inusitado é o caso do primeiro marcapasso Wi-Fi controlado à distância pela internet: conforme matéria da Reuters (“First Wi-Fi Pacemaker In US Gives Patient Freedom”, 10/08/09) após depender de um marcapasso por 20 anos, Carol Kasyjanski se tornou o primeiro paciente americano a receber um marcapasso sem-fio que permite que seu médico monitore sua saúde de longe. Quando Kasyjanski vai ao St. Francis Hospital em Roslyn, New York, para um check-up de rotina, cerca de 90% do trabalho já foi feito porque seu médico entrou no seu computador e tomou conhecimento do que ele precisava saber sobre sua paciente. Um outro registro da emergência de uma intrigante “internet de coisas” surgiu em Julho de 2008 a partir da divulgação de um acordo da IBM com a Matiq, a subsidiária de tecnologia da informação da Nortura, o maior produtor de alimentos da Noruega, para utilizar a tecnologia da identificação por radio-freqüência (RFID) no rastreamento de produtos derivados do frango e da carne bovina desde sua produção no campo, ao longo de toda a cadeia de suprimentos, até as prateleiras dos supermercados.

Do ponto de vista econômico, trata-se de uma oportunidade para o aumento de competitividade, conforme a análise de Jacques Bughin, Angela Hung Byers, e Michael Chui no artigo “Using technology to turbocharge innovation in a downturn” (“Usando a tecnologia para turbocarregar inovação num momento de declínio”, portal da McKinsey & Company, 06/08/09). Candidata a membro do seleto grupo de grandes inovações que podem varrer do mapa velhos modelos de negócios, criando os fundamentos para um crescimento verdadeiro, a internet de coisas emerge a partir de minúsculos sensores, computadores e outros microdispositivos que são embutidos em objetos físicos e conectados através de redes sem fio. Aí nascem os objetos mais “inteligentes” e mais interativos, com o potencial de transformar os modelos de negócios tradicionais, a começar pela maior eficiência e pelo oferecimento de fatias menores na venda de bens e serviços que dispõem de mecanismos de auto-monitoração. Ao invés de comprar um produto imediatamente, ou assinar um contrato de longo prazo, ao cliente passa ser oferecida a possibilidade de pagar somente pelo uso de fato, pois os sensores podem registrar a utilização. Conforme os autores, em alguns casos, o que era uma despesa de capital pesada é transformada numa despesa de operação mais leve à medida em que produtos são transformados em serviços. “A nova lógica de pagar por valor está criando uma variedade de novos modelos de negócios”, afirmam Bughin, Byers & Chui, tomando como exemplo a indústria de motores de aeronaves, onde os fabricantes estão vendendo o “empuxo” como um serviço, ao invés de motores como produtos, pois hoje são capazes de registrar eletronicamente o uso e o desempenho de seus motores. Ao mesmo tempo, os fabricantes de aeronaves estão oferecendo contratos que garantem o “tempo de disponibilidade” de seus produtos usando sensores embutidos em estruturas de aeronaves que são capazes de determinar quando a manutenção preventiva se faz necessária.

O fato é que a internet de coisas propicia o “encontro” da rede com o mundo físico. Como diz Richard MacManus no seu artigo “Web Squared: When Web 2.0 Meets Internet of Things” (“Web Elevada ao Quadrado: Quando a Web 2.0 Encontra a Internet de Coisas”) publicado em 05/08/09 no portal ReadWriteWeb.com, o termo ‘web elevada ao quadrado’ é uma tentativa de dar um novo rótulo e uma nova imagem à chamada internet interativa, conhecida também como “Web 2.0”. Lançada em Junho último por ocasião da sexta conferência anual sobre a internet e seu impacto no mundo real, a idéia, expressa pelos fundadores e coordenadores do evento como “Web 2.0 + World = W2”, surge a partir da percepção de que o paradigma “a rede como uma plataforma” significa mais que simplesmente oferecer velhas aplicações através da rede (conforme o paradigma “software como serviço”). “Significa construir aplicações que literalmente se tornem melhores à medida que mais pessoas as utilizam, aproveitando os efeitos em rede não apenas para adquirir usuários, mas também deles aprender e construir a partir de suas contribuições,” argumentam O’Reilly e Battelle, lembrando que já em 2004 chamavam a atenção para o fato de que a Web 2.0 tem tudo a ver com aproveitar a inteligência coletiva. Hoje os sensores estão propiciando uma nova fonte de dados para as técnicas da Web 2.0, pois as “aplicações de inteligência coletiva não estão mais sendo conduzidas unicamente por humanos através de teclados, porém a cada vez mais por sensores.” O fato é que a Web não é mais uma mera coleção de páginas estáticas de HTML que descrevem algo no mundo. Cada vez mais a Web é o próprio mundo: tudo e todos no mundo imprimem uma “sombra de informação”, que, segundo O’Reilly e Battelle, se refere a “uma aura de dados que, quando capturados e processados inteligentemente, oferece oportunidades extraordinárias e implicações de dobrar mentes.” Independente da fonte dos dados de sensores, após coletada a inteligência coletiva pode ser aplicada à própria fonte. Isso é o que os autores chamam de “laço de realimentação virtuoso”, através do qual as aplicações baseadas em sensores vão melhorando à medida que mais pessoas as utilizem.

Num artigo anterior (“Product Managers & Marketers: What The Internet of Things Means For You”, 11/08/09), MacManus considera que quando produtos comerciais estiverem conectados à internet, serão introduzidas diversas novas funcionalidades e possibilidades de marketing. Tudo isso porque ao possibilitar que seu produto esteja conectado à internet (como já o fazem boa parte dos grandes fabricantes de software para a devida atualização automática), ao menos em princípio o fabricante ou o distribuidor pode rastrear o uso do produto pelo consumidor. Por exemplo, ao implantar um chip RFID num aparelho telefônico que se conecta à internet, torna-se possível à empresa de telefonia a obtenção de dados como: com que freqüência o usuário utiliza o telefone; quanto tempo, em média, o usuário gasta em cada chamada; quais são as características do aparelho que o usuário utiliza com maior freqüência; onde o usuário mais usa o aparelho (em combinação com sensores de localização); quem mais usa o aparelho na residência do usuário, além dos tempos que cada um o utiliza.

É possível que as leis de proteção à privacidade do cidadão já terão evoluído bastante à época em que este cenário venha a ser o predominante. Porém, mesmo se esse for o caso, o produtor poderá facilmente ser capaz de negociar com muitos de seus consumidores: entregue-nos todos aqueles dados e lhe daremos um desconto!

Do ponto de vista do consumidor, a privacidade e a segurança parecem mais ameaçadas do que nunca, pois uma das características da internet de coisas é o enorme volume de dados que introduzirá na Web, a maior parte desses dados serão certamente de natureza bastante pessoal. MacManus retoma um dos exemplos frequentemente citados, qual seja o uso de RFID em supermercados. Se por um lado o processo de compra será mais eficiente e transparente, contando com a ajuda de chips RFID nos produtos, no celular (permitindo comparação de preços online e no local) e no cartão de crédito (dispensando a necessidade de espera para pagamento ao caixa), por outro lado mais de uma entidade estarão coletando dados sobre seus hábitos de compra: o próprio supermercado, a empresa de telefonia celular, e a administradora do cartão de crédito.

Num artigo publicado recentemente no portal da Wired do Reino Unido (“The new hidden persuaders”, 03/06/09), David Rowan resume assim os perigos de um cenário como esse:

“Quão desnudas estarão nossas preferências pessoais para os anunciantes quando todo o nosso histórico de clicks no controle remote de nossa TV digital estiver conjugado com nossa história de navegação na web, nossos dados de armazenamento e de e-mail, registros de todos os nossos movimentos através de câmeras de reconhecimento de face e etiquetas de identificação por radio-freqüência, e os mapas de nossos sinais do telefone celular? Mesmo que você esteja determinado a resistir a tal manipulação de seus desejos mais profundos alimentada por dados, como você sabe que esse vasto mar de informações não vazará ou não será utilizado contra seus próprios interesses, talvez por uma empresa de seguro-saúde ou um futuro empregador?” Por mais assustador que o cenário se apresente, não há como fugir. Há, sim, que endurecer com a reivindicação de legislação apropriada, mas sem perder a esperança no que a tecnologia trará de benefício para a vida do cidadão.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 17/08/2009, 19:55hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2603606,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 17/08/2009, 10:01hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/08/17/a_internet_de_coisas_e_o_efeito_nos_consumidores_52275.php

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Privacidade Localizacional e o Perigo de Perdê-la

ARTIGOS ESPECIAIS

10/08 - 09:30

A privacidade localizacional e o perigo de perdê-la

10 de agosto de 2009 - Muito em breve sistemas que criam e armazenam registros digitais dos movimentos das pessoas nos espaços públicos estarão fazendo parte da vida corriqueira. Alguns desses sistemas são verdadeiramente inovadores, e deverão trazer benefícios ao cidadão, desde maiores conveniências no dia a dia até novos e transformadores tipos de interação social. Infelizmente, tais sistemas representam uma grande ameaça à chamada privacidade localizacional. Privacidade localizacional (também conhecida como “privacidade de localização”) se refere à capacidade de um indivíduo de ir e vir em espaços públicos com uma expectativa razoável de que sua localização não será sistematicamente e secretamente registrada para uso posterior. Por exemplo, sistemas de cobrança eletrônica de pedágio, sobretaxa de congestionamento, e controle de tráfego automatizado (em grandes cidades, com o propósito de restringir o acesso a zonas centrais), todos violam a privacidade localizacional: sutilmente, tais sistemas criam uma infraestrutura de vigilância penetrante que, de forma silenciosa e a baixo custo, agrega tremendas quantidades de dados sobre as localizações de condutores de veículos. Obviamente, tais dados podem eventualmente ser usados para propósitos indesejáveis ao cidadão.

É inegável que serviços de coleta de informações sobre veículos serão de grande utilidade, por exemplo, na melhoria da eficiência da rede de transportes de uma dada localidade, trazendo assim benefício para o cidadão que deseja se locomover. A coleta eletrônica de pedágio reduz engarrafamentos nos pontos de coleta, e as formas mais sofisticadas de cobrança (como a de Londres, que cobra taxa ao condutor que entra numa determinada região mais propícia a engarrafamentos), reduzem os tempos de transporte em horas de pico e geram receita para melhorias no trânsito. Embora a eficácia da fiscalização eletrônica de trânsito (por exemplo, lombadas eletrônicas) seja controversa, há a possibilidade de se explorar essa tecnologia para a redução dos índices de infração e de acidentes. Mais ainda, a coleta e análise rápida de estatísticas de trânsito podem ajudar aos condutores a escolher as melhores rotas além de permitir a avaliação do retorno no investimento realizado em melhorias no trânsito de uma determinada localidade. Por último, mas não menos importante, há o benefício em potencial no que diz respeito ao setor de seguro de veículos. Nos Estados Unidos algumas seguradoras já adotam planos de seguro baseados em informações recebidas do equipamento GPS instalado nos veículos. Em princípio, essa ferramenta poderia levar a uma melhor eficiência dos serviços de seguro automotivo, levando eventualmente a preços mais baixos. Em todos esses casos, no tentao, há uma enorme ameaça à privacidade localizacional do cidadão.

Em artigo recente intitulado “Pay As You Drive ‘Black Boxes’ Threaten Driver Privacy” (” ‘Caixas Pretas’ do tipo Pague Conforme Você Roda Ameaçam a Privacidade do Condutor”, 15/07/09), Jennifer Granick, diretora de liberdades civis da Electronic Frontier Foundation (EFF), organização não-governamental sem fins lucrativos sediada em San Francisco dedicada à defesa dos direitos civis na internet, chama a atenção para um projeto de lei do estado da Califórnia que permitirá que o preço do prêmio do seguro automotivo dependa do número exato de kilômetros que o carro rode no período segurado. Ao implementar a regulamentação denominada “Pay As You Drive” (“Pague Conforme Você Roda”), o estado da Califórnia parece disposto a conferir poderes às seguradoras de exigir que os veículos dos segurados sejam equipados com dispositivos “caixa-preta” que poderiam transmitir para a seguradora toda sorte de dados sobre os movimentos do veículo (aceleração, frenagem, etc.), assim como o comportamento do condutor (hábitos de condução, uso do cinto, etc.). Segundo Granick, embora o órgão de trânsito da Califórnia tenha recuado de sua posição anterior de que esses dispositivos deveriam rastrear a localização do condutor – certamente uma evolução – ainda assim todo veículo contém um dispositivo confiável, resistente à adulteração, que verifica a kilometragem real: o odômetro.

Pior ainda, não parece haver qualquer restrição sobre o que as empresas seguradoras fariam com os dados. Considerando que as tais caixas-pretas podem coletar informações de forma penetrante, silenciosa, e a baixo custo para qualquer uso posterior pela seguradora, por entidades privadas ou mesmo pelo governo, há o perigo real de que tais informações possam não apenas ser usadas para revelar as afiliações políticas, religiosas, etc., do condutor, mas também vir a ser utilizadas para aumentar o valor do prêmio do seguro se o condutor roda e/ou estaciona em regiões com alto índice de roubo de veículos, ou até mesmo influenciar no valor do seguro-saúde ao revelar que o condutor frequentemente visita uma lanchonete do McDonald’s.

Serviços de busca baseada em localização disponibilizados em aparelhos de telefonia móvel se constituem num outro importante exemplo de tecnologia que pode ameaçar a privacidade localizacional. Os aparelhos celulares mais modernos já começam a ser capaz de se localizarem com base na força do sinal ou na visibilidade da torre mais próxima, ou até mesmo em dados do dispositivo de posicionamento por satélite (GPS) com os quais estão equipados alguns smartphones. Na verdade, a importância da tecnologia de celulares na vida cotidiana parece ter definitivamente decolado de uma forma que poucos teriam previsto. Conforme relata Sam Altman em entrevista recente a Charlie Rose (28/07/09), um adolescente americano tipicamente envia quase 2.000 mensagens de texto por celular a cada mês. (Sam Altman é co-fundador e CEO da Loopt, empresa fundada em 2005, baseada em Mountain View, Califórnia, que provê um sistema de compartilhamento de localização baseado em celulares equipados com GPS, permitindo que os usuários se localizem uns aos outros usando seus aparelhos celulares. Com mais de um milhão de usuários atualmente, a Loopt também permite que o usuário explore a vizinhança de onde se encontra conectando-o a provedores de conteúdo como o Yelp, uma espécie de “páginas amarelas online”.)

Nos dias de hoje é grande a dependência do aparelho celular, que parece estar cada dia mais inserido no cotidiano. E uma de suas peculiaridades é que eles (sobretudo os smartphones) são dispositivos que “sabem” onde estão, algo que não fazia parte do mundo dos PC’s e da internet. Isso permite que se utilize a chamada tecnologia da localização, de modo que um usuário possa, se assim o desejar, compartilhar sua localização com outras pessoas. Igualmente, ao usuário se apresenta a possibilidade de encontrar fácil e instantaneamente serviços na vizinhança, tais como restaurantes, bares, ou hospitais. Como diz Altman, todos esses são novos modos de comportamento que antes não existiam, mas que agora se tornaram possíveis devido aos tais serviços de localização. Por essa razão, Altman acredita que o celular deverá ser um dispositivo talvez mais revolucionário que o próprio computador pessoal. Na realidade, há mais celulares que PC’s no mundo hoje, e as métricas de uso de aparelhos móveis revelam índices nunca atingidos pelos computadores pessoais. Além do mais, o celular é um companheiro nas 24 horas, nos sete dias da semana.

De olho no potencial dos serviços de localização, a Google adquiriu, em 2005, a Dodgeball, uma empresa provedora de serviços de rede social para celular baseados em localização. Em Março deste ano a Dodgeball foi descontinuada e substituída pelo produto da Google conhecido como Latitude, lançado no mês anterior. Latitude propicia a um usuário de celular que permita a certas pessoas de sua lista de contatos do Gmail rastreá-lo onde estiver. Essas pessoas podem rastrear o usuário (isto é, seu telephone móvel) no Google Maps através de suas contas no iGoogle. O usuário pode controlar a precisão e os detalhes que cada um dos outros usuários podem ver – uma localização exata pode ser permitida, ou pode ser limitada a identificar apenas a cidade. Tal qual o serviço da Loopt, no Latitude o usuário pode desativar temporariamente tal permissão, ou até mesmo entrar manualmente com uma localização.

Em Março último, graças aos esforços da EFF (conforme o artigo “EXCLUSIVE: Google Takes a Stand for Location Privacy, Along with Loopt”, por Kevin Bankston, 04/03/09), tanto a Google quanto a Loopt decidiram assumir uma posição firme no que concerne as proteções legais da privacidade de seus usuários caso o governo venha a solicitar os dados coletados pelos respectivos sistemas. No âmago da política de proteção de ambas as empresas está a sinalização “venha com uma ordem judicial”. Além do mais, segundo o compromisso público assumido tanto pela Google quanto pela Loopt, enhum dos sistemas de localização mantém um histórico da localização de seus usuários: a cada vez que o sistema recebe uma informação sobre a localização de um usuário, essa informação sobrepõe a anterior. Que assim seja!

Afinal de contas, preservar a privacidade localizacional é manter a dignidade e a confiança na prerrogativa do ir e vir em espaços públicos. O benefício tecnológico é muito bem-vindo, desde que o cidadão mantenha o controle sobre com quem e quando compartilhar sua localização. No início deste mês de Agosto a EFF publicou um relatório intitulado “On Locational Privacy, and How to Avoid Losing it Forever” (“Sobre Privacidade Localizacional, e Como Evitar Perdê-la para Sempre”), por Andrew J. Blumberg e Peter Eckersley. Entre outras coisas, o relatório chama a atenção para um cenário não muito distante do possível: suponha que uma seguradora consegue obter um registro dos movimentos de Maria durante os últimos doze meses, e decide que um determinado aspecto desse histórico se constitui em razão suficiente para aumentar o valor do prêmio do seguro ou mesmo rejeitar sua cobertura. O problema com tal decisão é que ela é injusta, pois Maria não terá tido condições de contestá-la, assumindo que ela não está informada de que seu histórico de movimentos está nas mãos da companhia seguradora. Pior ainda, a empresa pode estar mal informada, e, nesse caso, como é que Maria vai ficar sabendo disso para então fazer uma contestação?

Conforme Blumberg & Eckersley, no mundo de hoje e no de amanhã, essas informações coletadas pelos sistemas de localização estão sendo obtidas de forma silenciosa por dispositivos ubíquos, e possivelmente estarão disponíveis para análise por parte de muitas entidades que poderão consultá-las, comprá-las ou mesmo solicitá-las através de intimação judicial. Ou até mesmo pagar a um hacker para roubar o histórico de movimentos de um ou vários cidadãos. É essa transformação para um regime no qual as informações sobre a localização são coletadas silenciosamente, e a baixo custo que mais preocupa.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 10/08/2009, 09:30hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2595128,408,100,2

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio, Recife), 10/08/2009, 09:30hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/08/10/a_privacidade_localizacional_e_o_perigo_de_perdela_51791.php