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domingo, 8 de abril de 2012

Os Projetos de Lei Antipirataria na Internet e a Ameaça à Inovação e à Liberdade de Expressão


Os Projetos de Lei Antipirataria na Internet e a Ameaça à Inovação e à Liberdade de Expressão

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Em janeiro de 2012, um grande movimento nas redes sociais surgiu, em resposta a dois projetos de lei que tramitam no Congresso norte-americano visando combater a pirataria na internet: o SOPA, abreviação para “Stop Online Piracy Act” (ou, em tradução livre, “Lei para parar a pirataria online”) e o PIPA, Protect IP Act (lei para proteção da propriedade intelectual). Ambos preveem severas restrições ao uso de bens protegidos por direito autoral na internet, tanto para usuários domésticos quanto para grandes sites, que podem ser fechados apenas por “facilitar” o acesso dos usuários a esse tipo de bem. Tamanha restrição gerou protestos por todo o mundo e chamou a atenção para um problema até pouco tempo ignorado pela sociedade.
O surgimento desses dois projetos também acabou por despertar a atenção para o ACTA, ou “Anti-Counterfeiting Trade Agreement”, que, diferentemente dos anteriores, não se trata de apenas mais um projeto de lei norte-¬americano, mas sim de um tratado internacional, escrito em 2006 por Estados Unidos e Japão, e que vem sendo negociado em segredo por diversos países desde então. O objetivo do tratado é criar padrões internacionais de combate à violação de direitos de propriedade intelectual. Casos como pirataria de artigos de moda, infração ao copyright na internet, e medicamentos genéricos são os principais focos do texto.
Além do conteúdo excessivamente repressivo, o grande problema do ACTA e sua negociação secreta, a exclusão da sociedade civil, a parte mais interessada e atingida, dos debates em torno do assunto.
Nos últimos meses, os amplos debates a respeito do ACTA na União Europeia vêm sendo noticiados. Diversas reuniões têm sido feitas e estudos foram encomendados com a finalidade de verificar a compatibilidade dos dispositivos do ACTA com as leis e os princípios europeus ora em vigor. O resultado de um grande estudo conduzido pelo Diretório-Geral para Política Externa do Parlamento Europeu, publicado em junho de 2011, concluiu que o consenso incondicional ao ACTA seria uma resposta inapropriada, dados os problemas que foram identificados no tratado como ele está escrito atualmente.
Já os dois projetos norte-americanos, PIPA e SOPA, contam com o apoio das emissoras de televisão, dos grandes estúdios de cinema, das gravadoras e das editoras de livros. Do outro lado estão grandes corporações do Vale do Silício, ícones da inovação tecnológica, tais como Google, Facebook, Wikipedia, Wordpress, entre outras. Bem se percebe, por este cenário, que os grandes defensores dessas leis são os detentores de direitos autorais que alegam tomar prejuízos com as práticas atuais de compartilhamento na internet. Ou seja, como num ato de resistência quase quixotesca aos novos tempos, há uma busca insana pela manutenção de velhos modelos de negócio aliada a uma insistência na mera mercantilização do direito autoral, e, naturalmente, grandes interesses econômicos se posicionam em favor dos dois projetos de lei. Livre do compromisso com tais interesses, até mesmo quem se posicionava em defesa desses projetos, acaba reconhecendo que uma solução técnica meramente imposta não é compatível com a saúde da internet, conforme declarou recentemente o ex-“chief tecnology policy officer” da MPAA (entidade representante dos estúdios de Hollywood) e agora presidente da Internet Society, Paul Brigner (“MPAA's former tech policy chief turns SOPA foe”, Declan McCullagh, CNET, 06/04/12). "Acredito firmemente que não deveríamos estar legislando mandatos tecnológicos para proteger copyright - incluindo SOPA e Protect IP”, declarou Brigner.
O fato é que a aprovação dessas leis trará consequências desastrosas tanto para o ecossistema de inovação tecnológica quanto aos usuários da internet. E, apesar de serem leis internas dos Estados Unidos, seus efeitos serão sentidos em escala global. Senão, veja-se.
Os provedores de acesso à internet serão obrigados a bloquear o acesso a nomes de domínio infratores. As grandes corporações poderão, inclusive, bloquear qualquer site, local ou estrangeiro, apenas por exibir um link infrator. Sites como Twitter, Facebook e You tube teriam que censurar seus usuários ou seriam derrubados, pois se tornariam responsáveis por todo o conteúdo publicado pelos usuários. Além disso, o mais grave: usuários poderiam ser condenados a até cinco anos de prisão por postarem qualquer trabalho protegido por direito autoral.
O fato de tais projetos de lei afetarem cidadãos fora dos Estados Unidos traz à tona uma discussão jurídica importante: a questão da territorialidade da lei. Como podem cidadãos de outros países serem afetados por uma lei interna norte-americana? O princípio básico da territorialidade não pode ser deixado de lado por ambições comerciais.
O segundo é que tais projetos interferirão diretamente no funcionamento interno da rede. Especialistas afirmam que mexer no registro da web trará menos segurança e menos estabilidade.
Até mesmo a Casa Branca se manifestou contra a aprovação dos dois projetos, ao afirmar que podem trazer limitações à liberdade de expressão na internet.
Diante de tal posicionamento, a esperança é de que, mesmo que sejam aprovados pelo Congresso, os projetos sejam vetados pelo presidente Barack Obama. Diante de todas essas questões, a empresa  CMetrics, uma agência de consultoria em mídia  social,em  parceria com a eCGlobal Solutions, detentora de uma das maiores comunidades de opinião online da América Latina, fez uma pesquisa com latino-americanos sobre os dois projetos norte-americanos, bem como sobre o ACTA.
De acordo com a pesquisa, mais de 60% das pessoas que responderam são contrárias a essas regras; em alguns países, como Argentina e México, esse número ultrapassa os 90%.
Ainda de acordo com o estudo, uma das conseqüências das leis antipirataria na internet será o desaparecimento de sites.
Além disso, 60% dos participantes acreditam que tais leis podem eliminar completamente as redes sociais. Esse percentual foi ainda maior entre os homens e no grupo de 18 a 24 anos.
Ou seja, os cidadãos latino-americanos se revelam claramente contrários a tais iniciativas.
Atualmente, cidadãos de toda a América Latina utilizam a internet como fórum de expressão e comunicação com uma freqüência sem precedentes. Nenhum país da região possui qualquer tipo de lei que restrinja acesso a conteúdo na internet, sob o pretexto de o mesmo estar protegido por direito autoral. Pelo contrário, o Chile, por exemplo, foi o primeiro país do mundo a sancionar, em agosto de 2010, uma lei sobre a neutralidade da rede, a fim de que os provedores de internet não possam discriminar qualquer conteúdo transmitido a seus cidadãos.
No Brasil, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), publicou a Resolução CGI.br/RES/2012/003/P, em 05 de março de 2012, posicionando-se contrário a projetos como o SOPA. Segundo o documento, “a implementação das medidas previstas no SOPA violaria diversos dos princípios enunciados no Decálogo de Conceitos do CGI.br”. Ao final o CGI.br “refuta enfaticamente todo e qualquer projeto de lei que, tal como o SOPA, viole os princípios enunciados para a internet no Brasil, e solidariza-se com a Comunidade Internet em sua justa luta pela preservação dos conceitos fundamentais da rede”.
Houve ainda uma tentativa de elaboração de um projeto de lei no mesmo sentido no Brasil. O deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP) apresentou, em 06/03/2012, projeto de lei que dispunha sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual e dos direitos autorais na internet. O projeto, apelidado de “SOPA brasileira”, foi duramente criticado, principalmente pelos ativistas da internet, que o acusavam de querer censurar a grande rede. Diante da enorme campanha negativa, o deputado retirou o projeto da Câmara dos Deputados em 20/03/2012.
Diversos são os indicadores de que os usuários de internet em todo o mundo não estão dispostos a aceitar qualquer interferência no funcionamento da rede. Afinal, a rede não foi feita para ter controle centralizado. E não o teve, até hoje. Como diria John Perry Barlow, em sua “Declaração de Independência do Ciberespaço”, dirigindo-se aos Governos, “o espaço cibernético não se limita a suas fronteiras”. Por mais que se tente, a Comunidade Internet não se mostra propensa a permitir que o funcionamento da rede seja afetado por interesses comerciais e financeiros.
A grande questão é: até quando os governos e as grandes corporações vão insistir em ir de encontro à comunidade online, em vez de usar os recursos da rede em seu favor?

Raquel Lima Saraiva, Mestranda, Centro de Informática da UFPE
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE