Startups criam empregos
Por Ruy de Queiroz
Conforme a Wikipedia, uma “startup” (ou “start-up”) é uma empresa com uma história de operação limitada. Essas empresas, geralmente recém-criadas, estão numa fase de desenvolvimento e pesquisa por mercados, e por essa razão não têm acesso a crédito nos moldes tradicionais. É aí que entram os investidores de capital privado (investidor anjo, capitalista de aventura, etc.), que são atraídos pela relação entre risco e recompensa, além da escalabilidade de tais empresas: se, por um lado, os riscos são maiores, por outro lado, os custos de inicialização são mais baixos e o retorno no investimento é potencialmente recompensador. Startups bem sucedidas são frequentemente mais escaláveis que empresas já estabelecidas porque tipicamente crescem mais rapidamente mesmo com limitações de capital e de força de trabalho.
A empresa deixa de ser uma startup à medida que sobrevive às diversas fases de evolução, desde o período verdadeiramente inicial chamado “vale da morte” em função do altíssimo risco enfrentado, até se tornar rentável ou entrar no mercado de bolsa de valores através de um IPO (abreviação de “initial public offering”, oferta pública inicial), ou ainda deixar de existir como uma entidade independente através de uma fusão ou aquisição por empresa maior. O termo é usualmente associado a empresas de tecnologia com alto potencial de crescimento, e se tornou popular internacionalmente durante o período do estouro da bolha ponto-com quando um grande número de empresas de internet foram fundadas. A maior concentração da atividade de criação de startups está localizada no Vale do Silício, uma região no norte da Califórnia em torno da Stanford University.
Em meio a um recorde de desemprego, um estudo de Janeiro passado do US Census Bureau financiado pela Ewing Marion Kauffman Foundation já mostrava que empresas startups são um principal ator na criação de empregos. As “Estatísticas de Dinâmica de Negócios” (Business Dynamic Statistics) indicam que enquanto as startups de negócios diminuem levemente na maioria das baixas cíclicas, tais empresas permanecem robustas mesmo na mais severa recessão durante o mesmo período de amostragem (no início dos anos 1980s).
Os dados das BDS mostram que o emprego contabilizado ao setor de empresas privadas startups dos EUA durante o período 1980-2005 foi de cerca de 3% por ano. Embora ainda uma pequena fração do total de empregos, esses postos de startups refletem novos empregos, que é uma grande percentagem comparada com a média anual líquida de crescimento de empregos no setor privado nos EUA para o mesmo período (cerca de 1,8%). Tal padrão implica que, se forem excluídos os empregos das novas empresas, a taxa líquida de crescimento do emprego nos EUA é negativa na média. Em outras palavras, o relatório indica que, de 1980 a 2008, as startups, definidas nesse caso como empresas com menos de 5 anos, foram responsáveis por todo o crescimento líquido de empregos nos EUA.
Um relatório mais recente da Kauffman (“High Growth and Failure of Young Firms”, 07/04/09) mostra que empresas muito jovens (um ano de existência) apresentam uma taxa de crescimento do emprego de cerca de 15%, caso sobrevivam, mas cerca de 20% dos empregos são perdidos devido ao fechamento de negócios durante o primeiro ano. Empresas mais maduras (29 anos ou mais), por outro lado, criam empregos a uma taxa de cerca de 4%, e têm uma taxa semelhante de perda de empregos devido ao fechamento. Um dado interessante é que, entre as empresas sobreviventes, as taxas médias de crescimento do emprego diminuem com a idade da empresa.
Segundo Robert Litan, vice-presidente de Pesquisa e Política da Kauffman Foundation, “como empresas empreendedoras geralmente assumem riscos maiores e têm o potencial de criação de empregos que corresponde a crescimento rápido, os dados revelam a necessidade de que se assegure um ambiente que permita aos empreendedores acesso a financiamento, orientação e outros recursos que os ajudará a sobreviver e progredir.” E foi nesse espírito que, em palestra recente ao Programa de Empreendedorismo da Stanford University (“Emerging Opportunities in a Post IT Marketplace”, 11/02/09), Thomas Siebel lembrou que no perído de 1980 a 2000, a indústria da tecnologia da informação, impulsionada por uma lei tecnológica (“Lei de Moore”) e uma lei jurídica (“Bayh-Dole Act”), experimentou um crescimento anual sem precedentes de 17%. Naquele período vigoravam nos EUA políticas públicas extremamente favoráveis a investimentos de risco. “Risco era um problema dos negócios, não um anátema.”
A Lei de Moore (“o número de transistores que podem ser colocados a custo razoável num circuito integrado cresce exponencialmente, duplicando aproximadamente a cada dois anos”) levou a um ambiente em que as oportunidades de negócios pareciam não ter limite. Mudanças na tecnologia eram substituições totais, ao invés de incrementais, o que significava que todo cliente tinha que comprar e continuar comprando ou se ver ficando para trás na obsolescência.
A Lei Bayh-Dole de 1980 permitiu que as universidades poderiam escolher reter o título de invenções desenvolvidos sob programas com fundos federais, desde que (1) o produto resultante fosse substancialmente produzido nos EUA, (2) ao comercializar uma invenção, a universidade deveria dar preferência a empresas pequenas (menos de 500 empregados), (3) a universidade deveria compartilhar com o(s) inventor(es) uma parte da receita recebida do licenceamento. E o resultado foi incentivo à inovação, empreendedorismo, a absorção de conceitos amplos tais como propriedade do empregado de base ampla, e um ambiente regulatório largamente favorável aos negócios.
Mas, segundo aponta o relatório, e é repetido num artigo do Wall Street Journal (“Start-Ups Create - And Lose - The Most Jobs”, 07/04/09), em termos de crescimento e sobrevivência, empresas jovens estão melhores e piores que empresas mais maduras. E esse padrão “sobe e desce” enfatiza a natureza de tentativa e erro das empresas jovens que parece ser uma característica inerente à dinâmica de negócios nos EUA.
Em artigo recente no portal VentureBeat.com (“StartUpHire says venture-backed startups really do create Jobs”, 20/05/09), Anthony Ha revela alguns números representativos da oferta de empregos das startups: o portal StartUpHire diz que atualmente lista mais de 10.000 empregos em 2.500 empresas. Por sua vez, o portal Startuply lista 1.037 empregos em 957 startups. Geograficamente, 37% desses empregos estão na Califórnia, e em termos do tipo de indústria, 31% estão em software, sem falar nos 18% em “IT Services” (“serviços de tecnologia da informação”. Os números confirmam o papel do Vale do Silício e da Stanford University no espetacular desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, sobretudo na área da tecnologia da informação.
Conforme o portal do “Office for Technology Licensing” (OTL) de Stanford, o mundo pensa no Vale do Silício como o um dos maiores centros de atividade de start-up e que a comunidade de Stanford desempenha um papel importante, e isso é verdadeiro pois a mair parte das startups "Stanford" são criadas por ex-alunos de Stanford que se graduam e se tornam empreendedores. Embora a grande maioria dessas empresas sejam formadas sem o envolvimento de Stanford, muitas brotaram da Universidade pelas mãos de professores e estudantes, tomando por base tecnologias criadas no campus.
Desde a criação do OTL em 1970, Stanford registra um histórico invejável: 546 invenções renderam royalties; das 7500 revelações (“disclosures”) de invenção, 2814 estão ativas, e 36 delas renderam mais de US100 mil em royalties, das quais 3 ultrapassaram a marca dos US$1 milhão. No período 2007–2008, o OTL permitiu que Stanford recebesse mais de US$62,5 milhões em receita bruta de royalties de 344 tecnologias. Nesse mesmo período o OTL concluiu 107 novas licenças e avaliou 430 novas descrições de invenção em 2008.
O trecho de uma palestra de Larry Page (co-fundador da Google) proferida em 2002 no Programa de Empreendedorismo de Stanford traduz bem a relação entre conhecimento e empreendimento que predomina em Stanford: “A ciência como inspiração”. Page diz que “há tremendas oportunidades para se usar pesquisa básica e boas idéias que você ou outras pessoas tenham.” Em trecho de documentário sobre Stanford e o “Novo Renascimento” (“Silicon Valley: A 100 Year Renaissance”, 1998), o ex-reitor e hoje Editor da revista Science, Donald Kennedy, declara que “Stanford sempre teve afeição por aplicações assim como por teoria”.
Nesse espírito e em nota triste, porém emblemática, registre-se aqui que Rajeev Motwani, ex-orientador de doutorado de Larry Page e Sergey Brin (co-fundadores da Google), Professor de Ciência da Computação de Stanford, morreu em 05/06/2009 num acidente na piscina em sua casa na Califórnia. Motwani era muito conhecido por sua pesquisa em Computação Teórica, a ponto de em 2001 ter sido um dos agraciados com o prestigioso Prêmio Gödel, além do Okawa Foundation Research Award e da Arthur Sloan Research Fellowship.
Foi também um ávido investidor anjo, um dos primeiros investidores na Paypal, um consultor especial da Sequoia Captial, e tinha fundado ou ajudado a fundar várias startups bem-sucedidas que saíram de Stanford, incluindo Google, e outras ainda em fase de desenvolvimento como TokBox, Tapulous, Flowgram, Anchor Intelligence, Simply Hired, e Kaboodle. Atuava como membro do conselho de diretores de diversas startups, tais como Mimosa Systems, Adchemy, Baynote, Vuclip e Stanford Student Enterprises, além de ser membro ativo da Business Association of Stanford Engineering Students (BASES). Em seu blog, Sergey Brin declara que “desde que a Google emergiu de Stanford, Rajeev permaneceu um amigo e conselheiro da mesma forma que foi com muitas pessoas e startups desde então.”
Tudo indica que o equilíbrio entre a busca do conhecimento e a sua transformação em empreendimento é o grande segredo do sucesso de Stanford. Sem maniqueísmos do tipo “a academia é distanciada da realidade”, ou “o mercado não se interessa pela descoberta do conhecimento”, Stanford segue adiante sem sucumbir ao espírito do dono da galinha dos ovos de ouro. Oxalá exemplo tão nobre seja seguido por muitos!
PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.
Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 08/06/2009, 12:17hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/06/08/startups_criam_empregos_47967.php
Investimentos e Notícias (São Paulo), 08/06/2009, 07:30hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?parms=2528369,408,100,3
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