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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Contra o Cyberbullying - Educação ao invés de Regulação

ARTIGOS ESPECIAIS

05/07 - 09:45

Contra o Cyberbullying - Educação ao invés de Regulação

São Paulo, 5 de julho de 2009 - Segundo reporta o Los Angeles Times em 02/07/09, um juiz federal anunciou que havia decidido reverter uma sentença proferida contra Lori Drew, cidadã de 50 anos do estado de Missouri, que havia sido condenada em 2008 por cometer fraude por computador após ter se utilizado de uma falsa identidade na rede social MySpace personificando um fictício garoto adolescente de 16 anos, com o objetivo deliberado e vingativo de assediar moralmente uma vizinha e ex-colega de sua própria filha, a ponto de levar a vítima Megan Meier, de 13 anos de idade, ao suicídio em Outubro de 2006. Diversas fontes afirmam que Megan tomou a decisão de se suicidar após Drew, então sob o pseudônimo de Josh Evans, ter rompido o relacionamento eletrônico com Megan afirmando que “o mundo seria bem melhor sem ela”. O caso ganhou enorme notoriedade, sendo inclusive considerado o primeiro caso de “processo judicial contra o ‘cyberbullying’,” e chamou a atenção de vários estudiosos, juristas e grupos de defesa dos direitos civis não apenas pelo fato de que não havia (e nem há) legislação para lidar com o caso, mas pela dificuldade em caracterizar o delito sem ferir os direitos constitucionais à liberdade de expressão. (Embora admita variantes, o “cyberbullying” pode ser definido como “danos morais e/ou psicológicos deliberados e repetidos infligidos através do uso de computadores, celulares, e outros dispositivos eletrônicos.”) À época da denúncia, e com o inquérito devidamente instruído com evidências da participação direta e pré-meditada de Drew no assédio moral eletrônico (por meio de mensagens através do portal da MySpace) à menor, a justiça do estado de Missouri concluiu que Drew não havia violado nenhuma lei estadual, e o processo acabou sendo conduzido pelo gabinete do procurador federal de Los Angeles, cidade onde está sediada a empresa que proporciona os serviços da MySpace.

Mesmo rejeitando a condenação de Drew por crime grave, em Novembro de 2008 um júri federal a condenou por três delitos leves por acessar ilegalmente um computador protegido, violando os termos de serviço da rede social MySpace. A sentença deveria ser pronunciada em Maio, mas nessa audiência o juiz federal George H. Wu questionou intensamente o procurador assistente federal Mark Krause sobre se o governo havia processado Drew sob as leis apropriadas quando afirmou que violar os termos de serviço da MySpace significava delito. "Um delito é cometido pela conduta que é seguida todo dia por milhões e milhões de pessoas?" questionou Wu. "Se essas pessoas lêem [os termos de serviço] e ainda assim dizem que têm 40 anos quando na verdade têm 45, isso é um delito?" Por seu turno, o procurador Krause argumentou que os atos de Drew foram criminosos porque ela se cadastrou numa conta falsa com a intenção de causar danos a Megan humilhando-a. Drew tanto sabia que seus atos eram ilegais que resolveu apagar a conta logo após a morte de Megan, de modo a esconder seu crime, continuou Krause. Por ocasião da audiência, a promotoria havia solicitado a Wu que impusesse uma sentença de três anos, mas o juiz revelou que somente daria o veredito após levar em conta o pedido da defesa para desconsiderar o caso. A decisão anunciada no dia 2 de Julho não se torna definitiva até que o processo seja devolvido, o que deverá ocorrer na próxima semana, conforme indica a matéria do Los Angeles Times (“Judge tentatively dismisses case in MySpace hoax that led to teenage girl's suicide”, 02/07/09), mas Wu já disse que ficou preocupado com o fato de que se Drew fosse considerada culpada por violar os termos de serviço ao usar a MySpace, qualquer um que violasse os termos poderia ser condenado por ter cometido um crime.

Trata-se, sem dúvida, de caso emblemático, pois, se por um lado tipificar como crime o ato de assediar moralmente por meio de dispositivos eletrônicos pode levar a distorções e condenações absurdas, por outro lado é preciso reconhecer que o cyberbullying pode causar sérios danos, sobretudo a menores. Em uma matéria de 12/05/09 no portal do Wall Street Journal (“What to Do About Cyberbullying”), Andre LaVallee se pergunta “que deveria fazer a Lei quando as pessoas são atacadas anonimamente online, tal como no caso de Megan Meier?” , invocando o leitor a opinar. A matéria, na realidade, reporta sobre um debate público realizado em 11/05/09 no Paley Center for Media em Nova Iorque, entre três profissionais do Direito e um jornalista. Com a exceção da professora de Direito da American University e pesquisadora em Harvard, Wendy Seltzer, a opinião predominante era de que havia a necessidade de se legislar sobre o caso, mesmo que fosse sob forma de emenda à Seção 230 do “Communications and Decency Act” (1996) que, além de outras coisas, protege os provedores de serviço de internet da responsabilidade de restringir acesso a certo material ou dar a outros os meios técnicos para restringir acesso a esse material. Entre os comentários dos leitores a posição sobre a necessidade de legislação parece ser semelhante, mesmo que com diferentes nuances. Por exemplo, Parry Aftab, especialista em ciberdireito e Diretora Executiva dos portais WiredSafety.org e StopCyberbullying.org, afirma que os portais já fornecem as informações necessárias desde que haja uma intimação, ou se a política de privacidade do provedor assim o permitir, o que seria um risco para o público ou para o próprio portal, por isso não haveria necessidade de se fazer emenda à Seção 230. Há, sim, conforme Aftab, necessidade de leis mais duras contra o assédio em todos os estados americanos, e de se usar as atuais leis federais contra o “cyberstalking” (uma forma de assédio moral eletrônico ainda mais intensa que envolve inclusive ameaças à integridade física da vítima). Por sua vez, um leitor identificado como Ben Wright lembra que, à medida que leis anti-assédio são revisadas para cobrir cyberbullying, escolas e outras instituições se deparam com a possibilidade de serem processadas. Conforme o portal CyberPatrol.org, o cyberbullying poderia atrair um processo para uma escola ou instituição educacional, e até mesmo igrejas, bibliotecas e centros comunitários, desde que promovam o acesso à internet através de computadores compartilhados. Para se ter uma idéia, os estados do Arkansas, Iowa e Missouri já fizeram emendas às suas leis anti-assédio para incluir o cyberbullying.

O fato é que o cyberbullying, quando praticado por crianças contra outras crianças, é um problema sério, crescente e potencialmente mais danoso que suas contrapartidas “offline” (como, por exemplo, o ‘bullying’ presencial, tão comum nas escolas). Naturalmente, as pessoas são mais propensas a dizer coisas ofensivas online e atrás do véu da anonimidade que a internet traz. Concretamente, mais um caso trágico foi recentemente reportado em 01/07/09 no portal do “Chicago Tribune” (“Teen bullying: Tormented boy's short life ends in suicide”): Iain Steele, um garoto de 15 anos residente em um subúrbio de Chicago, se enforcou no subsolo de sua casa após ter sido vítima de bullying e cyberbullying. Em depoimento, os pais de Iain dizem que o assédio o perseguiu desde a escola primária até a secundária, desde os corredores até o ciberespaço, onde um colega disponibilizou um vídeo na rede social Facebook fazendo chacota de seu gosto por música “heavy metal”: a imagem mostrava alguém imitando Iain tocando guitarra de forma patética. Um amigo próximo disse que aquilo funcionou como uma humilhação pública. Os pais sabiam que Iain tinha problemas psicológicos, mas acreditam que o assédio contribuiu para o aprofundamento da depressão que o havia hospitalizado duas vezes esse ano. No dia 3 de Junho, enquanto que seus colegas de turma estavam fazendo prova, Iain foi ao subsolo de sua residência e se enforcou com um cinto.

Uma iniciativa recente de legislar contra o cyberbullying é o “Megan Meier Cyberbullying Prevention Act,” um projeto de lei elaborado pela parlamentar americana Linda Sanchez (Democratas, Califórnia). Em um artigo no portal HuffingtonPost.com (“Protecting Victims, Preserving Freedoms”, 06/05/09), Sánchez diz que as leis criminalizam comportamentos semelhantes quando se dão pessoalmente, mas não online. Mais ainda, há leis criminalizando o “stalking” (perseguição obsessiva), assédio sexual, e roubo de identidade, tanto na forma presencial quanto online, mas não há penalidade para o bullying no ciberespaço. Segundo Sánchez, há jurisprudência na Suprema Corte americana que reconhece que certas regulações razoáveis da liberdade de expressão são consistentes com a Primeira Emenda (“First Amendment”), como, por exemplo, as ameaças verbais, o discurso comercial, a calúnia e a difamação, todos podem ser restritos razoavelmente e de forma consistente com a constituição.

Não obstante, um relatório recente da Progress & Freedom Foundation intitulado “Cyberbullying Legislation: Why Education is Preferable to Regulation”, por Berin Szoka & Adam Thierer, sugere que, se por um lado o problema do cyberbullying é sério e preocupante, o melhor caminho para atacá-lo seria a educação e não a regulação. Os autores começam citando dados de pesquisas que indicam que o receio de predadores sexuais é exagerado: um artigo da University of New Hampshire relata que, se por um lado o número de prisões de predadores sexuais atuando na internet cresceram de 2000 a 2006, a maioria foram de criminosos que abordaram investigadores disfarçados, e não crianças. “Finalmente conseguimos que pais e responsáveis por políticas públicas se concentrem na ameaça mais séria que paira sobre as crianças hoje em dia, que é o bullying entre pares”, declara um dos autores ao repórter Andrew LaVallee (“Cyberbullying Report Opposes Regulation”, Wall Street Journal, 02/07/09). Numa das conclusões do estudo, Szoka & Thierer afirmam que o projeto de lei de Linda Sánchez cria um padrão diferente e preocupante para o bullying online. “Se as mensagens do caso de Lori Drew fossem feitas num playground de uma escola, o perpetrador poderia ter que encarar a direção para uma conversa séria e uma possível suspensão, mas se os mesmos comentários fossem enviados por email ou disponibilizados num portal de rede social, tal assédio estaria sujeito a um processo judicial federal sob a lei da Rep. Sánchez”, diz o relatório.

Ao invés de seguir o caminho da regulação, Szoka & Thierer sugerem que o Congresso americano concentre seus esforços na elaboração de leis que resultem em mais educação. Um exemplo concreto citado no artigo é o projeto de lei intitulado “School and Family Education About the Internet Act,” introduzido pelo Senador Robert Menendez (Democratas, New Hampshire) e pela parlamentar Debbie Wasserman Schultz (Democratas, Florida). Segundo o portal do Senador Menendez, o projeto cria um programa de bolsas para apoiar programas já existentes de educação sobre a segurança na internet, tanto para menores, quanto para os pais e os mestres, que atendam a padrões baseados em estratégias de cibersegurança que sejam comprovadamente eficazes. Especificamente, o projeto financiaria pesquisas para determinar as melhores práticas na educação sobre segurança na internet, e criaria critérios balizadores para o financiamento de projetos. O financiamento seria concedido a autoridades educacionais ou consórcios de escolas que atendessem aos requisitos estabelecidos no texto do projeto, com os seguintes propósitos: (1) identificar, desenvolver, e distribuir programas de educação sobre segurança na internet, incluindo, porém não limitado a: tecnologia educacional, aplicações em multimídia, recursos online, e planejamento de aula; (2) prover treinamento profissional em segurança na internet e alfabetização da mídia internet a professores, administradores e outros membros da administração da escola; (3) desenvolver programas de prevenção de riscos online; (4) treinar e dar apoio a iniciativas de educação sobre segurança na internet provenientes dos pares; (5) coordenar e financiar iniciativas de pesquisa que investiguem os riscos online que corre a juventude e a educação sobre segurança na internet; (6) educar os pais sobre como identificar e proteger seus filhos de riscos online.

Ao que tudo indica, o projeto de lei, além de bem elaborado, parece estar colecionando endossos os mais importantes para angariar o apoio da mídia e da sociedade civil organizada americana. Ao tomar o caminho da educação, a proposta desperta grande interesse de boa parte dos especialistas em segurança online para menores. Afinal de contas, como dizem Szoka & Thierer em seu relatório, pais e escolas têm que desempenhar um papel mais proativo no ensino de como usar a nova mídia de forma segura, independentemente dos esforços do governo. “Crianças precisam ser ensinadas a assumir que tudo que eles/elas fazem no mundo digital online, pode ser arquivado para sempre e estará disponível a seus futuros empregadores, interesses românticos, filhos e netos,” continuam os autores. O fato concreto é que, da mesma forma que temos recebido educação para conviver no mundo físico, estamos aprendendo a conviver no mundo virtual, e no desenrolar desse aprendizado, é preciso que os mais velhos e mais experientes com os meandros desse novo espaço de convivência envidem o máximo de esforços para minimizar os tropeços dos mais novos, que nem sempre enxergam os perigos e as conseqüências de determinado comportamento. Resultados de uma pesquisa recente da Cox Communications Teen Online & Wireless Safety, em parceria com o National Center for Missing & Exploited Children (NCMEC) e John Walsh, intitulada “Teen Online & Wireless Safety Survey - Cyberbullying, Sexting, and Parental Controls” (Maio de 2009), mostram que muitas crianças e adolescentes não apenas freqüentam esse novo espaço de convivência, mas estão ativos em cada nuance dessa convivência virtual. Além disso, muitos não têm controle sobre o que fazem e/ou com quem o fazem online. É preciso preencher esse vazio de liderança, e não há que se esperar que os governos o façam. É importante contar com a ascendência natural da escola e dos educadores para que, junto com os pais, possam contribuir para uma convivência moderna, que inclui o ciberespaço, mais segura e mais enriquecedora.

Para esse levantamento, a Cox Communications contratou a Harris Interactive para realizar uma pequisa entre os adolescentes americanos (de 13 a 18 anos), com os seguintes objetivos: (1) examinar o comportamento online e ao celular dos adolescentes, especificamente considerando o envio de mensagens de texto ou emails sexualmente sugestivos, e o assédio (bullying) de colegas online ou por mensagens de texto; (2) entender o relacionamento entre adolescentes e seus pais no que diz respeito a controles dos pais para o uso da internet; (3) descobrir como e por que adolescentes acessam a internet pelo celular. A pesquisa entrevistou 655 adolescentes entre 9 e 21 de Abril de 2009, e um dos resultados foi que o cyberbullying é muito comum entre os adolescentes de hoje, com cerca de um terço deles tendo experimentado, estado envolvido em, ou sabido de amigos que tiveram pelo uma dessas experiências.

Outros resultados apontam para uma diferença entre o que os adolescentes sabem e o que eles fazem – eles dizem que sabem que é inseguro disponibilizar fotos no portal de uma rede social ou em blogs públicos, e mesmo assim eles o fazem. Alguém precisa ajudar a conciliar esses dois lados. Além disso, enquanto que a mídia adora os casos de “sexting” (envio de fotos indiscretas ou sexuais através de celulares ou computadores), esse não é o maior problema – o cyberbullying sim, é o maior problema atualmente. O número de adolescentes que estiveram envolvidos em um dos lados do assédio online é maior do que aqueles envolvidos com sexting. Outra coisa: a figura usual de um menino assediando outros garotos não se aplica a cyberbullying – garotas tendem a se envolver mais com cyberbullying que garotos – o que significa que qualquer campanha direcionada a parar com essa prática precisa se inteirar da perspectiva de uma garota sobre o problema.

Por fim, o levantamento conclui que os pais podem achar que estão engajados no comportamento online de seus filhos, mas os adolescentes não vêem dessa maneira – um bom número deles dizem que os pais não sabem nada ou quase nada do que eles fazem online, e não impuseram quaisquer limites nas suas atividades online. É hora de conversar com e de educar os pais sobre o que eles têm que fazer com relação à segurança na internet.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 05/07/2009, 09:45hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2557566,408,100,1

Blog de Jamildo, (Jornal do Commercio Online, Recife), 06/07/2009, 10:34hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/07/06/contra_o_cyberbullying__educacao_ao_inves_de_regulacao_49659.php



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