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terça-feira, 24 de novembro de 2009

As Smart Grids e o Risco à Privacidade

As smart grids e o risco à privacidade

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23 de novembro de 2009 - Muito se comentou que o apagão elétrico recente não teria atingido as incômodas proporções a que chegou se a rede elétrica dispusesse de um certo grau de “inteligência”, pois aí um problema circunstancial num determinado setor não afetaria outros setores da rede.

A título de definição, uma “grade inteligente” (em inglês, “smart grid”) é aquela que fornece eletricidade aos consumidores usando tecnologia digital para controlar aparelhos elétricos nos lares dos consumidores com o fim de economizar energia, reduzir custos e aumentar a confiabilidade e a transparência dos serviços de fornecimento de energia elétrica. O fato é que as redes atuais não foram originalmente desenhadas para incorporar outros objetivos além do fornecimento da energia, tais como eficiência, redução de impactos ambientais, incorporação de fontes alternativas, serviços flexibilizados conforme a escolha do consumidor, e a cibersegurança do sistema como um todo. Esforços de modernização têm sido empreendidos de modo a tornar a rede mais inteligente, e a expectativa é de que a infraestrutura de apoio a uma smart grid deverá ser capaz de informar aos consumidores sobre seu consumo diário de energia, inclusive com o detalhamento a nível de cada aparelho instalado em sua residência. Se, por um lado, há o benefício de contribuir para os esforços de redução dos impactos ambientais assim como das contas de energia de cada consumidor, por outro lado surge a possibilidade de haver coleta de informações detalhadas sobre o uso e os padrões de consumo da energia no âmbito do recanto privado por excelência: nossas próprias casas.

A bem da verdade, o conceito de smart grid já faz parte das discussões sobre a crise do aquecimento global. Em palestra no encontro GreenBeat 2009, realizada em 19/11/09 em San Mateo (Califórnia), Al Gore defendeu que “a maior solução individual é eficiência, e a Super Grid, ou Smart Grid, desempenha um papel crucial em diversos aspectos de um plano abrangente para resolver a crise.” Segundo Gore, a Smart Grid terá muitas vantagens, pois, além de reduzir as emissões de carbono que aceleram o aquecimento global, vai nos propiciar maior acesso às fontes alternativas de energia (solar e eólica), e deverá nos equipar para lidar com a inconsistência dessas fontes. Como se não bastasse, a Smart Grid também deverá criar empregos, além de trazer uma melhor relação custo-benefício, a ponto de se pagar em pouco tempo ao propiciar ferramentas para prevenir ou minimizar falhas e apagões do sistema.

“A analogia com a internet é bem próxima à exata e muito relevante,” adicionou Gore. Tal qual a internet, a Smart Grid deverá nos levar de um modelo centralizado para um modelo amplamente distribuído de geração e armazenamento de energia, e isso deverá fustigar a criação de uma coleção inteiramente nova de dispositivos e de instrumentos que sequer foram inventados ainda – tal qual quando a internet surgiu. Assim, “quando os lares estiverem equipados com muitos desses aparelhos inteligentes e novos dispositivos que ainda têm que ser inventados, viveremos numa era em que o uso da internet por coisas excederá o uso da internet por pessoas.” Referindo-se à inteligência disponível nesses novos aparelhos, Al Gore prevê que ao lhes atribuir um endereço IP e conectá-los à smart grid simultaneamente ao emprego de estratégias para eliminar o desperdício de energia, estaríamos contribuindo decisivamente para uma redução de custos e do próprio aquecimento global.

Com uma proposta de se constituir numa conferência seminal sobre a Smart Grid, a GreenBeat 2009 reuniu empreendedores, investidores, empresas fornecedoras de energia, executivos do setor de tecnologia, e responsáveis por políticas públicas, com o objetivo de “acelerar o desenvolvimento de uma rede elétrica mais eficiente e mais enxuta”. Entre as questões mais provocativas discutidas no evento, aparecem: As iniciativas de medição inteligente da Smart Grid mudarão o comportamento do consumidor, e, em caso positivo, de que forma? Como os US$4 bilhões que o governo Obama pretende destinar para a Smart Grid farão a diferença? Onde acontecerá a maior revolução nesse negócio trilionário que não muda há décadas? De que forma gigantes corporativos e empresas de distribuição de energia tais como General Electric e Intel confirmarão sua dominação? Qual será o papel da cibersegurança e da interoperabilidade no desenho dessa nova rede elétrica?

É fato que a smart grid está rapidamente se transformando numa realidade nos EUA, na medida em que as empresas distribuidoras de energia elétrica têm intensificado a instalação de equipamentos de controle e monitoração em rede, tanto nas suas próprias plantas quanto nas residências dos consumidores. O ritmo dessas instalações deve acelerar devido a iniciativas recentes do Department of Energy e do governo do estado da Califórnia. (Em sua fala na GreenBeat 2009 Al Gore menciona que nas regiões de San Mateo e no norte da Califórnia mais de 10.000 medidores inteligentes estão sendo instalados a cada dia.)

Além da preocupação dos especialistas em segurança com a vulnerabilidade do sistema elétrico dos EUA a ataques cibernéticos em decorrência da conexão de sua rede elétrica à internet, especialistas em privacidade advertem que a smart grid podem trazer novas preocupações na medida em que as distribuidoras disponham de ferramentas para coletar informações detalhadas sobre os padrões de consumo de energia de seus clientes. A proliferação dessas informações, a ausência de controles rígidos e a supervisão insuficiente podem levar a invasões de privacidade sem precedentes.

“A modernização da grade elétrica aumentará o nível de detalhes de informações pessoais disponíveis assim como as instâncias de coleta, uso e divulgação de informações pessoais”, revela um relatório intitulado “SmartPrivacy for the Smart Grid: Embedding Privacy into the Design of Electricity Conservation” (“Privacidade Inteligente para a Smart Grid: Embutindo Privacidade no Desenho da Conservação de Eletricidade”), publicado pela Comissária de Informações e Privacidade do estado canadense de Ontario em parceria com a organização não-governamental Future of Privacy Forum. A intenção é reunir um amplo arsenal de proteções que deveriam ser implementadas como parte integrante das smart grids para encapsular tudo o que for necessário com vistas a assegurar que todas as informações pessoais que porventura estejam de posse de uma organização (como, por exemplo, uma distribuidora de energia) sejam administradas de forma apropriada. Desde o conceito de “privacidade por desenho”, passando por legislação, regulação e fiscalização independente, prestação de contas e transparência, forças de mercado, normas sociais, segurança de dados, e práticas honestas, tudo converge para um objetivo comum: garantir o direito à privacidade do cidadão dentro de sua própria casa. Argumentando que aqueles que deixam de vislumbrar os requisitos de privacidade no início do desenvolvimento da tecnologia, das práticas de negócio ou do espaço físico serão menos propensos a propiciar uma proteção abrangente, o relatório defende que, dado que a smart grid está em sua fase inicial de desenvolvimento, é hora de se levar em conta que a oferta ao consumidor do controle do seu consumo de eletricidade deve vir de mãos dadas com a oferta do controle de suas informações pessoais. Isso assegurará que a confiança do consumidor será conquistada, e que a participação na smart grid contribuirá para a visão de uma rede elétrica que seja não apenas mais amiga do meio ambiente e mais eficiente, mas também mais protetora da privacidade.

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Tome Conta de Suas Informações de Saúde

Tome Conta de Suas Informações de Saúde

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16 de novembro de 2009 - Esse é o convite da Google para usar seu produto Google Health, um serviço gratuito, baseado na web, para a administração do “prontuário eletrônico de saúde” do usuário: “Tome conta de suas informações de saúde.

É seguro e gratuito. (…) A Google armazena suas informações de forma segura e privada, mas você sempre controla como elas são utilizadas. Nunca venderemos seus dados. Você está no controle. Você escolhe o que você quer compartilhar e o que você quer manter privado.” Além de propiciar ao seu usuário ferramentas para o gerenciamento de todo o seu histórico de saúde, o serviço também conta com um sistema de monitoramento eletrônico que ajuda o usuário a identificar situações de risco tais como incompatibilidade do medicamento recomendado pelo profissional da área médica com outras medicações constantes do histórico, além de condições decorrentes de uma doença crônica.

É forte a tendência de crescimento do uso de tecnologia na indústria da saúde. Os custos da assistência médica continuam a crescer, não somente pelo crescimento da população em número e em longevidade, mas também devido ao fato de que a tecnologia empregada se torna cada vez mais sofisticada. Embora historicamente a indústria da saúde não tenha estado sempre à frente no que diz respeito ao uso da tecnologia da informação, todos os indicadores apontam para uma mudança dramática nessa tendência, não apenas nos EUA onde os esforços se redobram na busca por um equacionamento dos problemas no sistema de assistência à saúde, mas em todo o mundo. O fato é que a tecnologia da informação é vista como uma ferramenta de redução de custos assim como de melhoria da qualidade da assistência e da segurança do paciente em todo o ecossistema de assistência médica. Tal qual em diversos outros setores, o maior foco tem sido no investimento em tecnologia da informação interativa.
As fronteiras entre os agentes integrantes do ecossistema de assistência à saúde, a saber os setores das ciências da vida, os provedores e os pagantes, continuam a se tornar cada vez menos cristalinas à medida em que cada um é forçado a melhorar a qualidade e a segurança do paciente ao mesmo tempo em que reduz custos. A tendência é uma busca por maior automação da coleta de dados e da integração de informações em todo o ecossistema: surge a figura dos “registros eletrônicos de saúde” (em inglês, “electronic health records”). Conforme a Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS), organização sem fins lucrativos dedicada à promoção do melhor uso da tecnologia da informação e dos sistemas de gerenciamento nos cuidados com a saúde, “o EHR é um registro eletrônico longitudinal de informações de saúde do paciente gerado por um ou mais encontros em qualquer cenário de provimento de cuidados médicos. Incluídas nessas informações estão demografia do paciente, notas de progresso, problemas, medicações, sinais vitais, história médica passada, imunizações, dados laboratoriais, e relatórios radiológicos. O EHR automatiza e padroniza o fluxo de trabalho do clínico geral, e tem a capacidade de gerar um registro completo de um encontro clínico do paciente, assim como dar suporte a outras atividades relacionadas aos cuidados médicos direta ou indiretamente via interface—incluindo suporte à decisão baseada em evidência, gerenciamento da qualidade, e produção de relatório de resultados.”

O plano de Obama é investir um total de US$20 bilhões de fundos de estímulo em hospitais e consultórios médicos que possam provar até Outubro de 2010 que usam EHR certificado “de forma significativa”. Os hospitais e consultórios que se qualificarem se habilitam a receber incentivos do Medicare e do Medicaid (programas de assistência médica financiados com verba do governo americano) até 2014, o que especialistas dizem ser de, em média, US$7 milhões por ano por hospital. Os que não usam EHR até 2015 terão seus recursos do Medicare reduzidos. Em Julho passado, David Blumenthal, coordenador nacional para a tecnologia da informação na saúde do Department of Health, às vezes chamado de “o czar da tecnologia da informação para saúde”, que está encarregado de supervisionar o projeto de implantação do EHR em escala nacional, declarou que acreditava que “os EHRs se tornarão parte tão integrante da medicina quanto o estetoscópio”, e que “hoje em dia, os médicos estão buscando orientação para a integração de EHRs, e estamos trabalhando para ajudá-los.”

Considerado crucial para o sucesso da reforma radical e tecnológica no sistema de saúde dos EUA, para os analistas o projeto de implantação de EHRs na escala desejada é um grande desafio, no mínimo devido aos grandes obstáculos enfrentados pelos hospitais e clínicas: equipamentos caros, educação e treinamento dos profissionais de clínica médica, garantia da privacidade do paciente, interoperabilidade entre múltiplas plataformas, aderência a um padrão ainda-a-ser-determinado, e o curto espaço de tempo, dado o planejamento do governo americano no que concerne ao prazo para realização da reforma pretendida.

A bem da verdade, o uso de tecnologia da informação no gerenciamento de prontuários médicos nos EUA não é novidade. Segundo a Wikipedia, em 2005, 25% dos clínicos gerais se diziam utilizando sistemas de registros medicos eletrônicos (em inglês, “electronic medical records”, abrev. “EMR”), um crescimento de quase um terço em relação aos 18,2% reportados em 2001. A propósito, o EMR, segundo a National Alliance for Health Information Technology, é “o registro eletrônico de informações de saúde de um indivíduo que é criado, reunido, gerenciado, e consultado por clínicos e staff licenciados de uma única organização que estão envolvidos nos cuidados médicos ao indivíduo.” Por sua vez, o EHR é “o registro agregado de informações de saúde de um indivíduo que é criado e reunido cumulativamente por mais de uma organização de assistência médica e é gerenciado e consultado por clínicos e staff licenciados que estão envolvidos nos cuidados médicos ao indivíduo.”

Seguindo a tendência das chamadas tecnologias sociais, que, segundo Charlene Li e Josh Bernoff em seu livro recente (“Groundswell: Winning in a World Transformed by Social Technologies”, Harvard Business School Press, Abril 2008), é uma tendência social na qual as pessoas usam tecnologias para obter as coisas das quais necessitam umas das outras, ao invés de apelar para instituições tradicionais como corporações, surge o EHR de controle pessoal, denominado de “personal health record” (PHR). Segundo o portal myPHR.com, “o PHR é uma ferramenta que você pode usar para coletar, rastrear e compartilhar informações atuais e passadas sobre sua saúde ou a saúde de alguém a quem você quer bem.” Um PHR é normalmente um arquivo ou registro eletrônico de informações de saúde e serviços recentes referentes a um indivíduo, tais como as condições médicas, alergias, medicações, e visitas ao médico ou ao hospital, que podem ser armazenadas em um único lugar, e depois compartilhadas com outros, à escolha do próprio indivíduo. É ele quem decide como as informações em seu PHR são usadas e quem tem acesso a elas. O portal myPHR.com revela que no momento estão disponíveis 23 sistemas de PHR gratuitos que funcionam pela internet, entre os quais está o Google Health. Em depoimento como usuária e admiradora do Google Health, uma médica ginecologista chama à atenção para a transferência de poder sobre os registros médicos que o sistema propicia ao indivíduo. Segundo ela, passa a haver um maior engajamento, assim como uma maior responsabilidade com o gerenciamento da própria saúde.

Conforme a descrição da própria Google, seu produto é mais que um PHR, pois além de propiciar o gerenciamento das informações de saúde, é possível ao usuário escolher serviços online tais como a interação com farmácias para o registro e controle dos medicamentos adquiridos.

Não obstante a atribuição do controle total do gerenciamento de seus dados de saúde ao indivíduo, pairam, no entanto, questões sobre a propriedade das informações, sobretudo aquelas produzidas por profissionais de saúde (diagnósticos, pareceres, prescrições, etc.).

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 16/11/2009, 10:35hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/tome-conta-de-suas-informacoes-de-saude.html