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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A Internet no Currículo Escolar

A Internet no Currículo Escolar

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15 de fevereiro de 2010 - A internet é cada vez mais popular entre as crianças e os jovens, e, inegavelmente, oferece uma enorme gama de oportunidades para o divertimento, o aprendizado e o desenvolvimento cognitivo e social. O fato é que a geração atual de jovens e adolescentes já nasceram e cresceram no mundo digital, levando-se em consideração que a partir da metade dos anos 1990’s, com o advento dos navegadores da internet, nasce verdadeiramente uma nova mídia, assim como um novo espaço de convivência comumente denominado “ciberespaço”. Segundo a Wikipedia, “o ciberespaço é um espaço de comunicação que descarta a necessidade do homem físico para constituir a comunicação como fonte de relacionamento, dando ênfase ao ato da imaginação, necessária para a criação de uma imagem anônima, que terá comunhão com os demais.”

Em relatório recente do “Pew Research Center’s Internet & American Life Project” intitulado “Estatísticas sobre internet, banda larga, e celular” relatando os números de uma pesquisa realizada entre 30/11 e 27/12/2009 verifica-se que: 74% dos americanos adultos (acima de 18 anos) usam a internet; 60% dos americanos adultos usam conexões de banda larga em casa; 55% dos adultos americanos se conectam à internet através de comunicação sem-fio, seja através de uma conexão WiFi ou WiMax em seus laptops ou através de um dispositivo de mão como um smartphone.

Estudo da Kaiser Family Foundation publicado em Janeiro de 2010, sob autoria de V. J. Rideout, U. G. Foehr, e D. F. Roberts, busca “entender o papel das mídias na vida dos jovens é essencial para aqueles preocupados em promover o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, incluindo pais, pediatras, responsáveis por políticas públicas, defensores da criança, educadores, e organizações de saúde pública.” Foram entrevistados mais de 2.000 estudantes americanos do 3o ao 12o ano, no período de Out/2008 a Mai/2009. Além do mais, dada a quantidade de tempo que eles passam usando mais que uma mídia ao mesmo tempo, os jovens de hoje acumulam um total de 10 horas e 45 minutos de conteúdo de mídias naquelas 7½ horas diárias—um aumento de quase 2¼ horas de exposição às mídias por dia nos últimos cinco anos. O fato é que as mídias estão entre as forças mais poderosas na vida dos jovens hoje em dia. Os da faixa etária 8-18 passam mais tempo com as mídias do que em qualquer outra atividade além (talvez) de dormir—uma média de mais de 7½ horas por dia, 7 dias por semana. Além do mais, dada a quantidade de tempo que eles passam usando mais que uma mídia ao mesmo tempo (o fenômeno “multi-tarefa”), os jovens de hoje acumulam um total de 10 horas e 45 minutos de conteúdo de mídias naquelas 7½ horas diárias—um aumento de quase 2¼ horas de exposição às mídias por dia nos últimos cinco anos. O fato é que as mídias estão entre as forças mais poderosas na vida dos jovens hoje em dia. Como diz Renée Hobbs, professora do Department of Broadcasting, Telecommunications and Mass Media da Temple University, em artigo no Journal Adult & Adolescent Literacy (Fev 2004) os jovens de hoje estão crescendo num mundo saturado com mensagens de mídia, e mesmo assim, eles, seus pais e seus mestres recebem pouco ou nenhum treinamento nas habilidades de analisar ou reavaliar essas mensagens, muitas das quais fazem uso de linguagem, imagens em movimento, música, efeitos de som. Seundo recomenda a organização não-governamental “Partnership for 21st Century Skills” (“Parceria para Habilidades do Século XXI”, 2002), os profissionais de hoje precisam ser pensadores críticos, solucionadores e comunicadores eficientes que sejam proficientes tanto em suas áreas de especialização quanto em novos conteúdos e habilidades do século XXI. Essas habilidades incluem aprendizado e capacidade de raciocínio, e habilidades de alfabetização em tecnologia da informação e de comunicações.

Alfabetização midiática é uma conceitualização expandida de alfabetização. Pode se definida como a capacidade de acessar, analisar, avaliar e comunicar mensagens em uma grande variedade de formas. Ajudar as pessoas de todas as idades, sobretudo os jovens, a desenvolver hábitos de questionamento e habilidades de expressão de que precisam de forma a se tornarem pensadores críticos, comunicadores eficazes, e cidadãos ativos no mundo de hoje, esse é o papel da alfabetização midiática.

A tendência de crescimento do número de pessoas que fazem uso da internet parece inarredável, principalmente nas gerações mais jovens. Trata-se de um novo meio não apenas de comunicação, mas também de socialização. Como dizem Whitfield Diffie & Susan Landau no prefácio de seu livro “Privacy on the Line” (MIT Press, 2001), “seria difícil encontrar um tema mais fundamental no mundo contemporâneo do que a migração da atividade humana do contato físico, face-a-face, para o mundo virtual das telecomunicações eletrônicas (e digitais)”. Segundo John Palfrey & Urs Gasser, pesquisadores da Harvard University e autores do livro “Born Digital: Understanding the First Generation of Digital Natives” (Basic Books, Agosto 2008), “a internet deverá fomentar cidadãos globais com um espírito de inovação, empreendedorismo e cuidado pela sociedade como um todo”.

Pesquisa realizada em Outubro de 2009 na Grã-Bretanha, com base em um universo de 994 adolescentes e jovens adultos na faixa de 16 a 24 anos, sobre a importância da internet na vida de cada um, revela que: 75% dizem que não poderiam viver sem ela; 45% dizem que se sentiam mais felizes quando estavam online; 32% concordam com a frase: ‘Posso acessar todas as informações de que preciso quando estou online, não há necessidade de falar com uma pessoa real sobre meus problemas’; 82% dizem que já usaram a internet para buscar conselho e informações sobre si mesmos, e 60% sobre outras pessoas; 37% dizem que usariam a internet para aconselhar outras pessoas sobre questões delicadas; 76% dizem que a internet significa disponibilidade de seus amigos sempre que precisa deles; 63% dizem que graças à internet eles se sentem parte de novos grupos e comunidades; 25% dizem que a internet seria sua primeira fonte de informações ou conselho sobre álcool, sexo drogas, finanças e saúde.

Também na Grã-Bretanha, alguns números indicam o crescimento do grau de importância que a internet assume na vida da juventude contemporânea: 99% de jovens de 8-17 anos têm acesso à internet, desses, 18% já se depararam com conteúdo impróprio; 67% dos pais estabelecem regras para uso da internet; 33% das crianças dizem que seus pais não sabem o que elas fazem na internet; 50% das que encontraram conteúdo impróprio dizem que tomaram alguma atitude. Por ocasião do lançamento do programa “Click Clever Click Safe” em Dezembro de 2009, sob a coordenação do “UK Council for Child Internet Safety”, que prevê a inclusão da internet no currículo escolar obrigatório desde os 5 anos de idade a partir de 2011, o Primeiro Ministro Gordon Brown afirmou que “hoje, quase todo adolescente tem acesso à internet. Tenho certeza de que muitos têm perfil numa rede social. Sítios como Facebook , MySpace e Bebo estão se tornando os maiores clubes da juventude na Grã-Bretanha.” Há, no entanto, preocupações quanto a material potencialmente impróprio, que vai desde conteúdo (por exemplo, violência) até o contato e a conduta de crianças no mundo digital. Não obstante, da mesma forma como no mundo físico, a preparação para a convivência nesse mundo virtual deve pressupor que, a partir de um certo momento, o jovem assumirá os riscos e as responsabilidades perante o mundo no qual está inserido. Dessa forma, crianças e jovens precisam adquirir o poder de se manterem seguros – não se pode pressupor que a educação sobre segurança na internet seja eficaz se for apenas constituída de uma abordagem de cima para baixo.

Ao que tudo indica, entre os temas para a constituição de um conteúdo básico sobre a internet a ser incluído no currículo escolar, parece razoável elencar no mínimo: (1) história da internet e da comunicação móvel; (2) terminologia da internet; (3) manipulação de mídia na internet; (4) ética e segurança online.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 15/02/2010, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/a-internet-no-curriculo-escolar.html

InstItuto Brasileiro de Direito da InformátIca (IBDI), 16/02/2010, http://www.ibdi.org.br/site/artigos.php?id=228

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Obscuridade Prática, Cidadãos Transparentes e o Estado de Direito

Obscuridade Prática, Cidadãos Transparentes e o Estado de Direito

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9 de fevereiro de 2010 - Enquanto a vida digital dispara num ritmo alucinante, o mundo real em todos os seus aspectos, desde a lei até os negócios, se esforça para acompanhar. Não apenas os estrategistas de negócios, mas sobretudo os advogados, os magistrados, os agentes reguladores, e até mesmo os cidadãos comuns parecem estar sendo atropelados na medida em que os avanços tecnológicos causam disrupção nas regras de convivência com as quais estão habituados. A bem da verdade, nem mesmo instituições consagradas como o Estado democrático de direito parecem estar livres do ritmo frenético com o qual a evolução tecnológica na era digital sacode alguns cânones da vida contemporânea. Em palestra recente no Berkman Center for Internet & Society (Harvard Univ) intitulada “Transparent Citizens and the Rule of Law” (“Cidadãos Transparentes e o Estado de Direito”, 01/02/2010), Joel Reidenberg explora a erosão das fronteiras entre a informação pública e a informação privada na internet. O argumento é de que a transparência de informações pessoais disponíveis online enfraquece o Estado de direito de três maneiras. Primeiro, a transparência de informações pessoais que são criadas por atividades do setor privado permite que o Estado recolha e use informações pessoais disponíveis em repositórios do setor privado de formas que acabam passando por cima de protocolos e normas legais e políticas. Em segundo lugar, a auto-ajuda técnica no desenvolvimento de infraestrutura de rede que busca assegurar anonimidade completa online pode vir a ser usada por indivíduos e grupos de modo a evadir a responsabilidade legal e o Estado de direito. E, finalmente, a transparência das informações pessoais põe em risco a segurança nacional e as instituições legais de forma que tende a minar a confiança no Estado democrático de direito.
Reidenberg começa lembrando que, numa democracia, a distinção entre o privado e o público é fundamental para seu bom funcionamento. Crítico para a prática democrática é o direito à privacidade e à intimidade, assim como a um certo grau de anonimidade. A noção de que um indivíduo tem uma autonomia na sociedade, um espaço próprio, existe em conformidade com a maneira pela qual a sociedade define as regras ou relacionamentos de privacidade. Por sua vez, as tecnologias da informação e comunicação nos propiciam um mundo fortemente interconectado no qual a distinção entre o público e o privado começa a se dissolver. Nesse ecossistema em rede existe a necessidade real de rastreamento de informações sobre indivíduos até mesmo para fazer cumprir funcionalidades da própria rede (como, por exemplo, a telefonia celular e a computação nas nuvens). A rede simplesmente não funciona sem que uma grande circulação de dados e um amplo rastreamento de indivíduos se realize.

Por outro lado, temos os dados públicos, o outro lado da moeda. Exemplos: dados da carteira de habilitação, da residência, de propriedades, de financiamentos imobiliários, de certos tipos de dívida. Com a expansão dos programas sociais do governo, que, de modo geral, necessitam da coleta de muitas informações sobre indivíduos, e a força da demanda por transparência na administração pública, a disponibilidade desses dados para o governo significa torná-los publicamente disponíveis.

Adicionalmente, é possível observar a pressão comercial cada vez maior para a coleta de informações pessoais para fins de marketing comportamental, e nesse caso as redes sociais aparecem como verdadeiros repositórios de informações pessoais. Em alguns casos há inclusive a pressão para rastreamento de geolocalização cada vez mais detalhada. Isso sem falar nos imperativos de segurança e prevenção de acidentes que conduzem a enormes coletas e disseminação de informações sobre indivíduos. Segundo Reidenberg, algumas dessas informações têm historicamente permanecido transparentes no sentido técnico, tais como os registros concernentes a empréstimos financiados por programas governamentais (crédito imobiliário, por exemplo), mas, do ponto de vista prático, eram obscuras pois para obtê-las era preciso ir a um tribunal. Hoje, para todos os efeitos, a maior parte dessas informações pode ser obtida com apenas um clique. É barato e fácil acessá-las. “Perdemos a obscuridade prática,” afirma Reidenberg. Engenhos de busca permitem o acesso a informações pessoais que, para todos os fins e propósitos eram privadas, a rigor não mais o são. Resultado: temos um cidadão bastante transparente na sociedade. E mais: ainda que alguns dados tenham passado por um processo de desassociação com os respectivos indivíduos, a reidentificação tem se tornado extremamente fácil com o uso de técnicas de mineração de dados.

Enfim, no ecossistema em rede começamos a fundir o eu público e o eu privado, e a distinção desaparece. O cidadão se depara com um verdadeiro complexo de monitoração de informações, e isso, acrescenta Reidenberg, se apresenta como um enorme desafio ao Estado de direito proveniente de várias direções. Aqui a referência ao Estado de direito se dá em termos bem gerais: limites que são estabelecidos por lei que são aplicáveis igualmente ao Estado e ao cidadão. “Tradicionalmente em democracias o Estado de direito impõe limitações à intrusão do Estado na privacidade do indivíduo. Porém, em função de toda essa transparência do cidadão, o Estado essencialmente dispõe de acesso a dossiês e ao rastreamento como nunca se viu antes,” acrescenta Reidenberg. Para o cidadão comum é espantoso tomar ciência de que governos como o dos EUA, por exemplo, principalmente após o ataque às torres gêmeas, têm utilizado o setor privado como fonte de informações sobre indivíduos, através de acordos de cooperação, sem que isso tenha ocorrido dentro dos protocolos e normas regidas pelo Estado de direito. Segundo Reidenberg, as fontes de informações para o programa de “Total Information Awareness” foram em grande parte adquiridas do setor privado. No passado, para que o Estado fosse capaz de perpetrar uma vigilância detalhada sobre o cidadão, seriam necessárias as devidas autorizações judiciais baseadas em causa provável, ou seria preciso que o Estado empregasse recursos financeiros vultosos para contratar um grande contingente de policiais que fariam o monitoramento intensivo, o que seria rejeitado pela sociedade. Hoje o cenário é bem diferente.

Diante desse contexto, Reidenberg defende que é preciso buscar uma forma de instanciar o Estado de direito nesse ecossistema em rede no qual a informação tem que fluir para que a rede funcione. Sua proposta passa pelo estabelecimento de uma norma para o mau uso de dados, e pela definição da noção de “conhecimento de propósito limitado”: quando uma informação é gerada no ecossistema em rede para um dado tipo de uso, ela é gerada para alguma espécie de propósito, e o conhecimento da informação para aquele propósito é apropriado enquanto que para outros propósitos é considerado mau uso. Na prática, a noção de conhecimento de propósito limitado se traduziria em trazer de volta para a rede a obscuridade prática. E o critério para se determinar se uma dada informação seria transparente para um certo propósito X seria baseado no conceito de “integridade contextual”, definido por Helen Nissenbaum, professora da New York University.

Segundo Nissenbaum, as práticas de vigilância pública estão entre os desafios mais controvertidos e menos entendidos no que diz respeito a privacidade na era das tecnologias da informação. A natureza fragmentária das políticas de privacidade nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, reflete não apenas o embate de forças diametralmente opostas de interesses os mais diversos, mas também a ambivalência de intuições e analogias nem sempre felizes sobre fenômenos mundanos como TV de circuito-fechado e biométrica. Em seu livro “Privacy in Context: Technology, Policy, and the Integrity of Social Life” (Stanford University Press, Dezembro 2009), Nissenbaum explica por que algumas das mais promissoras abordagens teóricas à privacidade, desenvolvidas ao longo do tempo como resposta aos desafios tradicionais à privacidade, levam a conclusões insatisfatórias no caso da vigilância (surveillance) pública. A autora propõe o conceito de “integridade contextual” como um referencial alternativo para as questões relativas à privacidade, para capturar a natureza dos desafios postos pelas tecnologias da informação. A integridade contextual agrega proteção adequada para a privacidade a normas de contextos específicos, demandando que a obtenção e a disseminação da informação sejam apropriadas àquele contexto e obedeçam às normas vigentes de distribuição no seu âmbito.

Resta saber se a proposta de Reidenberg é viável, porém vale lembrar seu conhecimento de causa e seu pioneirismo em questões de fronteira entre a tecnologia e o Direito, em destaque o paralelo entre o código enquanto programa executável e o código enquanto norma legal, analogia também elaborada independentemente por Lawrence Lessig.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 09/02/2010, 11:06hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/obscuridade-pratica-cidadaos-transparentes-e-o-estado-de-direito.html