Páginas

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Dia da Consciência da Privacidade de Dados

OPINIÃO / ARTIGO

Dia da Consciência da Privacidade de Dados

POSTADO ÀS 10:41 EM 10 DE FEVEREIRO DE 2009

Por Ruy J.G.B. de Queiroz*

Saiu em 05/01/08 uma matéria publicada no portal da Reuters relatando que mais da metade dos adolescentes americanos mencionam comportamentos arriscados tais como sexo e drogas em suas contas na rede social MySpace. A pesquisa conclui também que muitos dos jovens que usam redes sociais (Orkut, MySpace, Facebook, Bebo,  etc.) não se dão conta de quão públicos seus dados estão e que podem estar se expondo a riscos, mas que as redes sociais podem oferecer ferramentas para identificar e ajudar adolescentes envolvidos com problemas decorrentes de sua convivência cibernética. Tudo isso faz parte dos resultados de uma pesquisa do Children's Research Institute (CRI) de Seattle, publicados na revista Archives of Pediatric & Adolescent Medicine, que conclui que muitos adolescentes de fato não têm consciência do quão públicas e permanentes as informações da internet podem ser, enquanto que os pais, em geral, sequer tomam conhecimento da “vida cibernética” de seus filhos. A tendência é que o jovem assuma uma posição do tipo “esse é o ‘meu’ espaço”, e o resultado é que não há ninguém que possa dizer "Ei! Por que você está disponibilizando isso aí?".

A matéria relata também os resultados de um experimento relevante no que concerne ao papel das administradoras das redes sociais: foram identificados 190 indivíduos de 18 a 20 anos de idade cujas contas na rede MySpace mostravam múltiplos comportamentos arriscados. Foi então enviada uma mensagem a metade deles a partir do perfil de "Dr. Meg", uma conta de um médico fictício criada por Megan Moreno (professora e pesquisadora da Univ. de Wisconsin) na MySpace, advertindo sobre os riscos de se revelar detalhes pessoais online e oferecendo um apontador para um portal com informações sobre testes de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. Três meses após essa única mensagem, muitos dos jovens haviam retirado as referências a sexo e a abuso de substâncias, além de terem reforçado os controles de segurança. A mensagem foi mais eficaz com relação às referências a sexo, com 13,7% de perfis no grupo que recebeu a advertência tendo removido todas as tais referências, comparados com 5,3% daqueles que não receberam a mensagem. Conforme Dimitri Christakis, pesquisador do CRI, disponibilizar informação sexual online pode expor um adolescente aos chamados “predadores sexuais”, e que tanto empresas quanto universidades podem se servir de tais informações para decidir contratar ou aceitar como aluno.

Em 28 de Janeiro passado, pelo segundo ano consecutivo, Estados Unidos, Canadá e 27 países europeus estiveram celebrando o “Dia da Privacidade de Dados”. Contando com uma impressionante equipe de instituições participantes, liderada pela gigante da microeletrônica Intel, um dos principais objetivos do Data Privacy Day 2009 é promover a consciência e a educação sobre privacidade entre adolescentes americanos. Este ano governos estaduais e federal dos Estados Unidos, Canadá e Europa estão fazendo sua parte: por exemplo, os congressistas David Price e Cliff Stearns introduziram a chamada Resolução 31 na House of Representatives buscando apoio para a declaração de 28 de Janeiro como o Dia Nacional da Privacidade de Dados. O Governador Mike Easley, da Carolina do Norte, declarou Janeiro de 2009 como o “mês da privacidade”em seu estado.

Segundo David Hoffman (Diretor de Políticas de Segurança e Chefe de Privacidade Global da Intel), os adolescentes estão entre os usuários mais criativos, inovadores e freqüentes da internet.  Redes sociais, portais de compras pela internet, video games, pesquisa, e uma enorme variedade de ferramentas de comunicação na internet oferecem oportunidades para que adolescentes forneçam informações pessoais online. Com efeito, a maioria dos adolescentes americanos usam a internet, e a maior parte desses têm perfis em portais de redes sociais. Estima-se, por exemplo, que 55% dos adolescentes de 12 a 17 anos que são usuários da internet participam de redes sociais, e para os de faixas etárias superiores as chances são ainda maiores de que disponham de perfis contendo informações pessoais. Um dos objetivos mais importantes do Dia da Privacidade de Dados é fazer com que adolescentes falem e pensem criticamente sobre privacidade. Como usuários inovadores e criativos da tecnologia, esses jovens podem se tornar os primeiros e os melhores protetores de sua própria privacidade online.

Na maior parte dos contextos online, acrescenta Hoffman, é vital manter a privacidade e a segurança das informações pessoais, incluindo aí sobrenome, endereço, telefone, além de outros dados identificadores como o nome da escola, o número do cartão de crédito ou conta bancária, e, obviamente, senhas. É importante que o adolescente aprenda a considerar o tipo de audiência que pode estar interessada em seus dados pessoais que compartilha online – empresas de marketing e anunciantes, possíveis empregadores, universidades, pais, amigos e, potencialmente, os chamados “predadores”.  É crucial que os jovens entendam que nunca devem concordar em se encontrar com alguém pessoalmente que “conheceram” online. A propósito, uma série de programas da rede americana de televisão NBC dedicada ao tema tem deixado muitos pais preocupados, e tem tido um alcance que pode ser avaliado por uma audiência impressionante no YouTube: “To Catch a Predator” (“Pegar um Predador”) é uma espécie de reality show que traz uma série de investigações com câmeras escondidas como parte do programa de notícias Dateline NBC  dedicado ao tema da identificação e detenção daqueles que contactam menores (ou indivíduos que eles acreditam que o sejam) pela  internet para encontros sexuais. Homens são atraídos à casa de uma suposta vítima que conheceram online, e lá acabam se deparando com o correspondente do Dateline (Chris Hansen) e sua equipe (câmeras, operadores de som, etc.). Após uma embaraçosa e inesperada “entrevista” e aparição na TV, o predador é surpreendido na saída por um grupo de policiais que fazem o “flagrante”. Numa entrevista a um outro programa, Chris Hansen enfatiza que os sujeitos do programa  To Catch a Predator  devem ser rotulados como ‘predadores sexuais’:  "Não chamamos esses caras de pedófilos. Pedófilos têm uma definição muito específica: pessoas que estão interessadas em sexo pré-pubescente. Aqui, os caras dos quais estamos falando são predadores potenciais.”

Um outro programa que despertou muita atenção da sociedade americana para os perigos e as ameaças da vida online foi ao ar pela primeira vez em Março de 2008: “Growing Up Online” (“Crescendo Online”), episódio da conceituada série de documentários Frontline da rede PBS de TV pública. Dirigido por Rachel Dretzin, o programa mergulha no mundo dessa geração “ciber-esperta” (em inglês, “cyber-savvy”) através dos olhos de adolescentes e seus pais, que freqüentemente se encontram em lados opostos dessa “divisão digital”. Conforme a sinopse, “uma geração com uma noção radicalmente diferente de privacidade e espaço pessoal, os adolescentes de hoje estão se deparando com questões com as quais seus pais nunca tiveram de lidar: desde ‘cyber bullying’ (termo utilizado para o assédio moral pela internet) até a ameaça dos predadores sexuais, passando por ‘fama pela internet’. Frontline investiga os riscos, realidades, e mal-entendidos da auto-expressão adolescente na internet.”

Com objetivo de entender essa tal “divisão digital de gerações”,  John Palfrey (professor de Harvard, e diretor do Berkman Center for Internet and Society daquela renomada universidade) e Urs Gasser (da Univ. de St. Gallen, Suíça) publicaram recentemente Born Digital: Understanding the First Generation of Digital Natives (Basic Books, Agosto 2008). Na verdade, o livro surge de uma iniciativa do projeto Digital Natives, uma colaboração interdisciplinar do Berkman Center e do Research Center for Information Law da Univ. de St. Gallen. Segundo o portal do projeto, a primeira geração dos “Nativos Digitais” – crianças que nasceram e cresceram no mundo digital – está amadurecendo, e em breve nosso mundo será remodelado à sua imagem, seja a economia, a política, ou a cultura, até quem sabe o próprio formato da vida em família, será transformado para sempre. Mas quem seriam esses Nativos Digitais? Quão diferentes são das gerações mais velhas – ou “Imigrantes Digitais” – e como será o mundo que eles estão criando? No livro os autores exploram uma variedade de questões, desde as mais filosóficas até as mais práticas: O que é que ‘identidade’ significa para jovens que têm dezenas de perfis e avatares online? Deveríamos nos preocupar com privacidade – ou privacidade não é sequer uma preocupação relevante para os Nativos Digitais? Como é que o conceito de segurança se traduz num mundo cada vez mais virtual? Até que ponto os jogos online viciam, e o quanto deveríamos nos preocupar sobre os video games violentos? Qual é o impacto da internet sobre a criatividade e o aprendizado? 

Segundo a Publishers Weekly, os autores trazem uma perspectiva crítica porém otimista sobre as ramificações legais e sociais da internet com respeito à geração de Nativos Digitais nascidos após 1980. Além de chamar a atenção para as oportunidades futuras e os desafios associados à internet como espaço social (“a internet deverá fomentar ‘cidadãos globais’ com um ‘espírito de inovação, empreendedorismo e cuidado pela sociedade como um todo’ ”), Palfrey e Gasser ao revelar o quanto a juventude deixa de reconhecer a vulnerabilidade de seus dados, e de que o que se disponibiliza online nunca é de fato privado, convocam a participação de pais e escola para nunca abandonar o papel de guia e protetor. Como cidadãos, os autores trazem sua preocupação com a ausência de regulamentação governamental americana sobre a mineração de dados por parte dos mecanismos de busca que detêm o potencial de criar dossiês ‘do-berço-à-cova’ sobre indivíduos, incluindo dados financeiros e de saúde.

Nos últimos 3 anos, à medida que jovens e crianças têm feito mais uso das redes sociais, uma série de casos de assédio moral e de predadores sexuais tem aparecido na mídia, despertando a atenção da justiça americana que já vinha admoestando a MySpace em vários estados por não implementar os devidos cuidados. Em 2007, oito estados já haviam instado aquela rede social a garantir requisitos mínimos de proteção, e em 2008 os 49 procuradores-ger ais de estado, liderados por Richard Blumenthal (Connecticut) e Roy Cooper (Carolina do Norte), ordenaram a MySpace a juntar forças com pesquisadores e outras empresas de internet para determinar o quanto a tecnologia poderia ajudar no enfrentamento aos riscos à segurança online.  Em Fevereiro de 2008 o Berkman Center anunciou a formação de uma “Força Tarefa para a Segurança na Internet” com o objetivo de identificar e desenvolver ferramentas de segurança para proteção de menores online. Cerca de 29 organizações se juntaram ao grupo, incluindo AOL, AT&T, Comcast, Facebook, Google, Microsoft, MySpace, NCMEC, Symantec, Verizon and Yahoo!, cujos princípios norteadores foram descritos no documento intitulado “Joint Statement on Key Principles of Social Networking Safety”.

Em 14/01/08 foi disponibilizado o relatório final da Força Tarefa: o documento intitulado “Enchancing Child Safety and Online Technologies” de 278 páginas caiu como uma bênção para as empresas de internet, que já vinham de há muito argumentando que a tecnologia não pode ser a única solução para os perigos que crianças e adolescentes correm online. A Força Tarefa reconheceu que não se poderia determinar como tecnologias podem ajudar a promover a segurança online para menores, sem primeiro se estabelecer um entendimento claro dos verdadeiros riscos enfrentados pelos menores, baseado no exame criterioso de uma pesquisa rigorosamente conduzida. Trata-se de um “balde de água fria” sobre aqueles em favor de controles tecnológicos mais rigorosos, tais como verificação de idade e ferramentas de filtragem.

Na conclusão de seu “sumário executivo”, a Força Tarefa se diz otimista com respeito ao desenvolvimento de tecnologias para melhorar as proteções a menores online e para dar apoio a instituições e indivíduos envolvidos na proteção de menores, porém pede cautela com relação à demasiada expectativa que se deposita na tecnologia por si só ou numa única abordagem tecnológica.  Mais especificamente, o documento afirma que a tecnologia pode desempenhar um papel muito útil, mas que não há uma única solução tecnológica ou combinação específica de soluções tecnológicas para o problema da segurança online de menores.  Ao invés disso, uma combinação de tecnologias, em conjunto com a supervisão dos pais, a educação, os serviços sociais, as ações policiais, e as políticas corretas para as redes sociais e provedores de serviços de internet podem ajudar no enfrentamento de problemas específicos com que os menores possam se defrontar online. Todos os responsáveis têm que continuar a trabalhar de modo cooperativo e colaborativo, compartilhando informações e idéias para a obtenção do objetivo comum de tornar a internet tão segura quanto possível para menores.
 
Conforme diz John Palfrey numa entrevista ao portal Digital Media da CNET News, temos uma escolha entre abraçar de vez a tecnologia de forma responsável e reconhecer seu crescente papel na vida cotidiana, ou ceder ao medo e limitar o crescimento e a criatividade que a tecnologia pode fomentar.

*Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve, a partir de hoje, semanalmente para o Blog de Jamildo.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio, Recife), 10/02/2009, http://jc.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/02/10/dia_da_consciencia_da_privacidade_de_dados_40823.php

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Doutor.

É uma satisfação poder fazer este comentário depois de ler seu artigo com esmero e especial clareza.

Ele trás uma contribiução ímpar para o entendimento destas vulnerabilidades que a sociedade deixa de enfrentar muitas vezes por puro comodismo ou por aquela idéia de que isso nunca vai acontecer comigo e depois, sem que menos esperasse, acontece.

Parabéns pelo texto.

Ainda no contexto da segurança e privacidade de dados, esta semana li um artigo sobre a mega fraude sofrida pelo Citi Bank que está tendo de trocar cartões de crédito de mais de 50 milhões de clientes que tiveram seus dados cadastrais "roubados" eletronicamente de uma empresa prestadora de serviços do Citi.

Predadores financeiros também estão em pleta atividade...

Um forte abraço.

Eduardo Falcão