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segunda-feira, 25 de maio de 2009

As Redes Sociais e o Mercado Consumidor Global

OPINIÃO / ARTIGO

As redes sociais e o mercado consumidor global

POSTADO ÀS 10:01 EM 25 DE MAIO DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Uma pesquisa de mercado recente da Nielsen revelou que as redes sociais na internet foram “o fenômeno do mercado consumidor global de 2008”. Dois terços da população da internet mundial visitam uma rede social ou portal de blog e o setor agora representa quase 10% de todo o tempo de internet. A categoria das ‘comunidades de membros inscritos’, que inclui as redes sociais, ultrapassou e-mail pessoal para se tornar o quarto setor mais popular online no mundo, depois de busca, portais e aplicações de software de PC.

Mais importante, a pesquisa revela também que o crescimento em popularidade das redes sociais – e a audiência resultante – é apenas metade da estória. O crescimento assustador na quantidade de tempo que as pessoas estão passando nesses portais está mudando a maneira como as pessoas passam o tempo online e tem ramificações no que diz respeito a como as pessoas se comportam, compartilham e interagem nas suas vidas cotidianas normais. Afinal, o que são essas redes sociais, e qual é seu alcance hoje?

Um serviço de rede social online é um portal da internet que se presta para permitir a convivência à distância, por meio desse ‘espaço virtual’, de pessoas que compartilham interesses e/ou atividades, ou que estão interessadas em explorar os interesses e atividades de outros. O fato concreto é que tais serviços de rede social têm estimulado novas formas de comunicação, convivência e compartilhamento de informações. Além de correio eletrônico, essas redes oferecem serviços de mensagem instantânea, arquivamento e compartilhamento de fotos, músicas e filmes, formação de grupos de interesse e/ou mobilização, etc.

Os principais tipos de serviços de rede social são aqueles que contêm divisões por categoria (tais como ex-colegas de escola), meios para se conectar com amigos (normalmente com o auxílio de páginas auto-descritivas, i.e., perfis), e um sistema de recomendação associado à confiança. Os métodos mais populares hoje combinam muitas dessas funcionalidades, com Facebook amplamente usada em todo o mundo; MySpace, Twitter e LinkedIn sendo mais utilizadas na América do Norte; Nexopia no Canadá; Bebo, Hi5, MySpace, dol2day (sobretudo na Alemanha), Tagged, XING, e Skyrock em partes da Europa; Orkut e Hi5 na América do Sul e América Central; e Friendster, Multiply, Orkut, Wretch, Xiaonei e Cyworld na Ásia e nas Ilhas do Pacífico.

A idéia de que computadores eletronicamente interligados pudessem formar a base de uma interação social mediada por computador já havia sido sugerida no final dos anos 1970 no livro “The Network Nation” de S. Roxanne Hiltz e Murray Turoff (Addison-Wesley, 1978). O prefácio, escrito por Suzanne Keller, começava assim: “Após ter por tanto tempo ouvido sobre a frieza e a impersonalidade do computador, aqui está um livro que propõe exatamente a tese oposta, a saber, que computadores podem se tornar a fonte de uma nova e especial forma de comunidade humana.”

Muitas foram as tentativas de levar a idéia a bom termo, desde a Usenet, a ARPANET, a LISTSERV, até os chamados “bulletin board services” (BBS). Os primeiros portais de redes sociais começaram sob a forma de comunidades online tais como “The WELL” (1985), Theglobe.com (1994), Geocities (1994) e Tripod (1995). Há quem diga que um dos primeiros portais preparados especificamente para o relacionamento entre pessoas no plano internacional foi o Classmates.com, que iniciou suas operações em 1995. Seguiram outros como SixDegrees, BlackPlanet, e Youthstream.

À época, o foco se concentrava em prover salas de bate-papo (“chat”), e o compartilhamento de informações pessoais se dava através de ferramentas de publicação de páginas pessoais que vieram a se transformar em precursoras do fenômeno do blog (abreviação de “web log”). O advento do formato MP3 a partir de 1994, e do ‘streaming’ de video, além do aumento do acesso à banda larga, permitiu que o computador se tornasse uma mídia mais fácil de usar, com uma capacidade quase total de manipulação: música, correio, telefone, informação, tudo passou a aparecer num mesmo local – a tela do computador.

Porém foi somente entre 2002 e 2004 que apareceram os grandes atores nesse cenário, e que fincaram de vez o conceito de rede social no ciberespaço: primeiramente a Friendster (que a Google tentou adquirir em 2003), depois a MySpace, a Bebo, e a Facebook, esta última somente abrindo amplamente a participação (que até então se restringia a estudantes universitários americanos) a partir de 2006, ocasião em que também abriu a possibilidade de incorporar aplicativos desenvolvidos por terceiros (os chamados “add-on”s). Alguns desses aplicativos permitiram a montagem do grafo de relações da rede social do próprio usuário, dessa forma ligando redes sociais ao chamado “networking” social.

A partir de Março de 2005 quando a Yahoo! lançou o “Yahoo! 360°”, as redes sociais começaram a florescer como um componente de estratégia de negócios na internet . Em Julho do mesmo ano a News Corporation adquiriu a MySpace, e em Dezembro a ITV (rede de TV comercial do Reino Unido) comprou a Friends Reunited. Estima-se que o número de serviços de redes sociais no mundo já tenha ultrapassado 200, sem contar as chamadas “redes sociais verticais” que se tornaram possíveis devido a ferramentas como a Ning (uma rede social de redes sociais).

Recentemente, o Twitter tomou conta de todas as atenções, e, mesmo sem algumas das funcionalidades essenciais de um serviço de rede social, tem permitido que serviços de “add-on” (ferramentas de terceiros) se conectem e forneçam algumas dessas funcionalidades através de API’s (interface de programação de aplicações) públicas. Com cerca de 10 milhões de visitantes únicos mensais em Fevereiro último, o Twitter cresceu para 19 milhões em Março, e os últimos números da comScore dão conta de 32 milhões em Abril, ultrapassando Digg (23 milhões), LinkedIn (16 milhões), e o portal do New York Times (17,5 milhões).

O fato é que essas redes estão mudando a configuração dos negócios, da política, e da vida em sociedade. Em recente relatório intitulado “Business, politics and the new social media” (Fevereiro 2009), a Deloitte chama a atenção para o “terremoto” que está acontecendo na mídia em escala global: “você sabe que algo está mudando sob seus pés. Você pode até não entender a natureza dessa mudança ou como se ajustar à paisagem que rapidamente se reorganiza. Você só sabe que, por alguma razão, você pode estar correndo o risco de perder o contato com intervenientes principais.

No epicentro dessa mudança está a emergência de redes de mídia social. Diferente de tecnologias anteriores de telecomunicações, elas não apenas conectam comunidades. Elas as criam. Elas permitem que as pessoas formem e reformem equipes espontâneas baseadas em torno de interesses comuns. Não é exagero o caso de que a mídia social está transformando corporações e outras organizações.”

Um artigo recente na revista Mundo Corporativo (Deloitte, Abril-Junho 2009) intitulado “Redes de um mundo mais complexo” analisa alguns dos resultados de uma pesquisa recente da Deloitte em parceria com o Harrison Group sobre “O Futuro da Mídia”. Uma das conclusões revela o que já se dizia ainda que sem tamanha confirmação estatística: o consumidor de mídia está no comando, isto é, não mais pretende se submeter à oferta dos produtos de mídia, mas, ao contrário, busca por si próprio o que lhe interessa. A partir de 8.824 entrevistas online com cidadãos entre 14 e 75 nos de idade dos Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Inglaterra, e Japão, realizadas no período de 17 de Setembro a 20 de Outubro de 2008, os resultados do estudo foram classificados em quatro grupos conforme a faixa etária: a “Geração Y”, de 14 a 25 anos; a “Geração X”, de 26 a 42 anos; a “Geração Baby Boomers”, de 43 a 61 anos (população nascida nos anos pós-Segunda Guerra, quando houve uma explosão demográfica nos EUA e Europa); e a “Geração Madura”, de 62 a 75 anos.

Os números indicam que os jovens-adultos (da Geração X) são os mais envolvidos com atividades interativas online, e a produção de conteúdo próprio online é mais comum entre os mais jovens. No Brasil, ouvidos 1.022 consumidores, chegou-se à conclusão de que aqui é o país, dentre os países envolvidos no estudo, onde há a menor concentração no consumo de uma mídia tradicional específica (TV), e onde há mais envolvimento com atividades online. A TV, que já foi a fonte de entretenimento preferida, perdeu o lugar para “assistir filmes em casa” (55%) e “navegar na internet” (53%), e foi mencionada como preferida por apenas 46% dos entrevistados. Nada menos que 81% dos brasileiros entrevistados disse que o computador superou a televisão como fonte de entretenimento.

Segundo uma pesquisa recente da Nielsen (“The Global Online Media Landscape”, Abril 2009), o crescimento meteórico da mídia social é, de longe, o evento mais significativo do espaço de mídia online nos dias de hoje. Os números falam por si só: no último ano, enquanto que 18% foi o aumento do tempo gasto na internet pelo consumidor global, o aumento do tempo dedicado às “comunidades de membros inscritos” chegou a 63%.

Redes sociais representam metade da população online na Suíca e na Alemanha (crescimentos de 207% e 140%, respectivamente), e 80% da população online no Brasil. A Facebook se tornou a maior rede do mundo, ultrapassando a marca dos 200 milhões de membros na segunda semana de Abril de 2009. Por sua vez, o aumento no tempo dedicado à Facebook de Dez/2007 a Dez/2008 foi de 566%: de 3,1 bilhões de minutos para 20,5 bilhões, levando essa rede social ao posto de 11º portal mais popular nos EUA, logo atrás do portal da Disney. O maior crescimento veio de pessoas entre 35 e 49 anos (+24,1 milhões), enquanto que na faixa etária entre 50 e 64 anos o aumento foi de 100% (+13,6 milhões).

Apesar da revolução no grau de atenção dedicado à internet, e cada vez mais à mídia social, as mídias tradicionais mantêm sua influência. A pesquisa da Deloitte/Harrison revela que a publicidade na TV continua sendo a mais influente para todos os públicos, tendo recebido a preferência de 75% dos entrevistados, enquanto que a internet recebeu 45%, atrás também das revistas (57%).

Mesmo assim, as receitas provenientes de anúncios online continuam a bater recorde: segundo a Nielsen, o total de receita de anúncio na internet nos EUA totalizaram US$6,1 bilhões no 4º trimestre de 2008, um aumento de 4,5% em relação ao 3º trimestre de 2008 (US$5,8 bi), e um aumento de 2,6% em relação ao 4º trimestre de 2007 (US$5,9 bi). Em um ano (2008), o total de receita com anúncio online foi de US$23,4 bi, 10,6% a mais que os US$21,2 bi de 2007. Observe-se o contraste: na soma de todas as mídias, as receitas com anúncios caíram 2,6% em 2008.

Todos esses números falam por si só, e não há como ignorar o fenômeno da mídia social e das redes sociais. O crescimento da audiência e o quociente de engajamento do video online, por exemplo, está forçando os marqueteiros a reavaliar positivamente o valor da experiência online. Além disso, a adoção das redes sociais, tanto por consumidores quanto por corporações, agita o mercado, e, na era do Twitter, as barreiras do “feedback” quase desapareceram, criando um ambiente quase ideal para a reavaliação em tempo real da experiência de marcas, reações de campanha, ou eventos de marca.

A convivência cibernética vai se tornando uma realidade global, e um número crescente de estudiosos e acadêmicos têm procurado estudar a Facebook e outras redes sociais como ferramentas para a pesquisa sobre as novas formas de interação social e seus impactos na sociedade. Entre os tópicos mais investigados aparecem Identidade, Privacidade, Aprendizado, Capital Social, e os Nativos Digitais. Um livro recentemente publicado com o apoio da Forrester Research Inc., intitulado “Groundswell : Winning in a World Transformed by Social Technologies”, por Charlene Li & Josh Bernoff (Harvard Business School Press, Abril 2008), evoluiu a partir de um Relatório de 2006 da Forrester sobre computação social.

Segundo o portal dedicado ao livro, o termo “groundswell” se refere a “um movimento espontâneo de pessoas usando ferramentas online para se conectar, assumir o controle de suas próprias experiências, e conseguir o que elas precisam – informação, apoio, idéias, produtos, e poder de barganha – umas das outras."

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 25/05/2009, 10:01hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/05/25/as_redes_sociais_e_o_mercado_consumidor_global_46969.php

Gazeta Mercantil (São Paulo), 25/05/2009, 06:40hs, http://gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2510903,408,100,3


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Cyberbullying: o Ciber-Assédio Moral de Jovens contra Jovens

Cyberbullying: o ciber-assédio moral de jovens contra jovens

Artigo do leitor Ruy de Queiroz

Um projeto de lei bem intencionado tem causado polêmica na Câmara dos Representantes do Congresso Americano: trata-se do "Ato de prevenção ao cyberbullying", proposto por Linda Sanchez (Democratas, Califórnia), trazendo no seu título a lembrança do caso trágico da menina Megan Meier, que aos 13 anos e 11 meses de idade se suicidou por enforcamento após ser moralmente assediada na rede social MySpace em 2006.

O assédio implacável foi perpetrado por um suposto rapaz de 16 anos de nome "Josh", que na verdade era um pseudônimo utilizado por Lori Drew, mãe de uma vizinha de Megan. As investigações revelaram que os atos premeditados de causar constrangimento e humilhação a Megan foram motivados pelo desejo de retaliação por uma suposta fofoca que ela teria promovido em detrimento da filha de Drew. Em maio de 2008, um júri federal concluiu pelo indiciamento de Lori Drew, mas se deparou com um problema: não havia legislação para punir o assédio online, e a condenação foi imposta com base apenas em três delitos (menores) de acesso não autorizado a computadores para obter informações com o propósito de provocar aflição emocional, e um delito de conspiração criminal.

Segundo a especialista americana Parry Aftab, autora e mantenedora do portal "StopCyberbullying.org", o "cyberbullying" acontece quando uma criança, pré-adolescente ou adolescente é atormentada, ameaçada, assediada, humilhada, embaraçada ou alvejada de outra forma por uma outra criança, pré-adolescente ou adolescente usando a internet, tecnologias digitais ou telefones celulares. É preciso que haja um menor em ambos os lados, ou pelo menos tenha sido instigado por um menor contra outro menor. Uma vez que um adulto esteja envolvido, o ato passa a ser caracterizado como "cyber-harassment" (ciber-assédio) ou "cyberstalking".

Os métodos usados são limitados apenas pela imaginação do menor, e pelo grau de acesso à tecnologia. E o agente perpetrador do cyberbullying de um dado momento pode vir a ser a vítima num outro momento. A bem da verdade, o ato de "bullying", embora reprovável, não é incomum nas escolas: através de um apelido, uma denominação jocosa, uma atitude às vezes preconceituosa, uma criança ou um adolescente se vê alvo de gozação, de importúnio, e até de humilhação perante seus pares.

Com o alcance, o fator amplificador, e a sensação de anonimidade (e consequente impunidade) que a internet proporciona, o cyberbullying pode ter efeitos extremamente traumáticos sobre a vítima, sem falar no fato de que não cessa no momento em que a vítima deixa a escola. Além disso, há que se levar em conta o fato de que, em geral, o jovem não se sente completamente à vontade para dialogar com os pais sobre um problema que enfrenta na sua vida cibernética. Em decorrência do choque de gerações ("nativos digitais" versus "imigrantes", ou ignorantes, "digitais") a tendência é que o jovem se feche no "seu mundo", sobre o qual os pais "pouco ou nada entendem".

Normalmente, cyberbullying não é uma comunicação que acontece apenas uma vez, a menos que envolva uma ameaça de morte ou de danos físicos sérios. Em geral, o jovem reconhece quando o caso é sério, enquanto que os pais tendem a se assustar mais com a linguagem muitas vezes bastante chula com que os ataques são perpetrados.

Atualmente, nos EUA o cyberbullying pode chegar ao nível de um indiciamento por delito de ciber-assédio, ou, se a criança for suficientemente jovem, pode resultar no indiciamento por delinquência juvenil. A maior parte do tempo o cyberbullying não chega a esse ponto, embora os pais da vítima normalmente procurem forçar uma condenação criminal do perpetrador. Tipicamente, o resultado é a perda da conta no provedor de serviços de internet ou de mensagem instantânea, com base na violação dos termos de serviço. Em alguns casos, se for comprovado algum tipo de roubo de identidade ou violação de senhas, a condenação pode ser bem mais séria, inclusive com base em lei federal.

Quando as escolas tentam se engajar punindo os envolvidos em atos de cyberbullying que aconteceram fora dos seus limites e dos horários escolares, frequentemente são processadas por excesso de autoridade e violação dos direitos de liberdade de expressão do aluno, e geralmente perdem uma eventual disputa judicial. Ao que tudo indica, o melhor caminho é mesmo a parceria com os pais em programas de educação e esclarecimento dos jovens sobre a convivência no ciberespaço.

Em função de sua possível violação da chamada Primeira Emenda da Constituição americana (que garante a liberdade de expressão), o "Megan Meier Cyberbullying Prevention Act" de Linda Sanchez, que caracteriza como crime punível com multa e até dois anos de prisão transmitir por meios eletrônicos "com a intenção de coagir, intimidar, assediar, ou causar estresse emocional substancial a uma pessoa (.) apoiar comportamento severo, repetido, e hostil," está sendo avaliado por especialistas como inconstitucional: Eugene Volokh, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e coordenador do blog "Volokh Conspiracy," diz que, se a lei passar no Congresso, deverá ser derrubada nas cortes.

Inconstitucionalidade à parte, a proposta de lei enumera alguns dados preocupantes:

1) Oitenta por cento de crianças e jovens de 2 a 17 anos vivem numa casa onde elas próprias ou seus pais têm acesso à internet;

2) Jovens que criam conteúdo na internet e usam redes sociais são alvos mais prováveis do cyberbullying;

3) A comunicação eletrônica dá a sensação de anonimidade ao perpetrador e dá chance a uma distribuição pública ampla, com potencial para torná-la severamente perigosa e cruel com o jovem;

4) Vitimizações online estão associadas a estresse emocional e outros problemas psicológicos, incluindo depressão;

5) O cyberbullying pode causar danos psicológicos, incluindo depressão, impactar negativamente o desempenho acadêmico, a segurança, e o bem-estar de crianças na escola; forçar crianças a mudar de escola; e em alguns casos levar a comportamento violento extremo, incluindo assassinato e suicídio;

6) Sessenta por cento dos profissionais de saúde mental que responderam ao levantamento 'Survey of Internet Mental Health Issues' relatam ter tratado pelo menos um paciente com uma experiência problemática na internet nos últimos cinco anos; 54% desses clientes tinham 18 anos de idade ou menos.

O esforço para minimizar os percalços decorrentes do aprendizado necessário a essa nova convivência (cibernética) devem vir de todos os que têm contribuição a dar: legisladores, educadores, família, meios de comunicação etc. Cada um faça sua parte!

Ruy de Queiroz é professor associado do Centro de Informática da UFPE

O Globo Online, 15/05/2009, 12h49m, http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/05/15/cyberbullying-ciber-assedio-moral-de-jovens-contra-jovens-755879256.asp


segunda-feira, 11 de maio de 2009

A Busca em Livros da Google, os Títulos Órfãos e a Privacidade da Leitura

ARTIGO / OPINIÃO

A busca em livros da Google, os títulos órfãos e a privacidade da leitura

POSTADO ÀS 09:04 EM 11 DE MAIO DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Iniciado em 2004, o projeto da Google de digitalização e indexação de livros e criação de uma biblioteca universal digital, conhecido como “Google Book Search”, já conta com mais de 7 milhões de obras no seu acervo, e o objetivo é chegar a algo em torno dos 15 milhões de livros. Para viabilizar e operacinalizar o projeto, a gigante da busca na internet fez um acordo com algumas bibliotecas de universidades americanas que a permite digitalizar seus respectivos acervos, e em contrapartida a biblioteca recebe uma cópia digital de seu próprio acervo.  

Ao digitalizar um livro, a Google disponibiliza seu conteúdo ao cidadão da rede, que poderá baixá-lo em toda a sua totalidade se a obra já estiver no domínio público (atualmente são cerca de 1 milhão), mas somente trechos (em inglês, “snippets”) de partes relevantes do livro que ainda esteja protegido por direitos autorais, a menos que o detentor de tais direitos tenha concordado em permitir uma maior disponibilização.

Conforme descreve Pamela Samuelson (“Richard M. Sherman Distinguished Professor of Law and Information” na Universidade da Califórnia, Berkeley, assim como Diretora do Berkeley Center for Law & Technology) em um artigo reproduzido em vários portais, incluindo o O’Reilly Radar (“Legally Speaking: The Dead Souls of the Google Booksearch Settlement”, 17/04/09), no outono de 2005, o “The Authors Guild, Inc.” (associação de escritores sediada nos EUA que à época tinha cerca de 8000 membros) entrou com um processo contra a Google por violação de direitos autorais. (À mesma época, porém em separado, cinco editoras moveram ação semelhante contra a Google.) 

Em sua defesa, a Google contestou a representatividade do Authors Guild, e argumentou que o trabalho de digitalização, indexação e disponibilização de trechos das obras se caracterizava como uso razoável e não-infrator porque promovia acesso público mais amplo aos livros e porque a Google havia se comprometido a remover do corpus quaisquer obras cujos detentores dos direitos autorais se manifestassem contra a sua inclusão. Muitos profissionais dos direitos autorais esperavam que o caso “Authors Guild versus Google” viesse a se tornar o caso mais importante de “uso razoável” (em inglês, “fair use”) do século XXI.

Em 28/10/08 a Google anunciou um acordo com autores e editoras nos processos coletivos que daria o sinal verde à empresa para a continuação do ambicioso projeto. Autores e editoras teriam que concordar com os termos do Acordo até o prazo final estabelecido pela Justiça americana. Com prazo final de fechamento do Acordo originalmente marcado para 05/05/09, em 28/04/09 foi anunciado que o juiz federal Denny Chin concedeu aos autores mais quatro meses para decidir se participam ou não do Acordo. O último prazo passa a ser 04/09/09.

Nesse ponto surge a questão de como a Google poderia estar obtendo uma licença para tornar disponíveis online milhões de livros ainda protegidos por direitos autorais simplesmente chegando a um acordo com uma pequena fração de autores e editoras? Samuelson explica que a lei nos EUA permite a submissão de processos judiciais do tipo “ação de classe” (em inglês, “class action”) nos quais os reclamantes reivindicam que representam uma classe de pessoas que sofreram o mesmo tipo de danos pela ação errônea do reclamado, desde que existam questões em comum de fato e de direito de modo que torna-se desejável adjudicar as queixas num único processo ao invés de muitos. 

O fato é que o “Authors Guild” e alguns de seus membros moveram uma ação contra a Google, reivindicando representar uma classe de autores similarmente situados cujos livros a Google estava digitalizando, e cujos direitos autorais a Google estava infringindo. Ao entrar com uma “ação de classe”, o Authors Guild pôs considerável pressão financeira sobre a Google pois quem ganha uma ação de classe tem direito a uma compensação que equivale a tudo que é devido à classe, que pode ser exponencialmente mais alta que indenizações a reclamantes individuais.

O Acordo prevê que a Google: (i) pague aos autores e às editoras US$125 milhões, parte dos quais será usada para criar um “Book Rights Registry” (uma espécie de entidade controladora da arrecadação dos direitos autorais), permitindo aos detentores dos direitos autorais registrar suas obras e receber uma parcela das assinaturas, vendas de livros e receitas de propaganda; (ii) permita aos usuários comprar livros em sua totalidade, e gravá-los uma “prateleira eletrônica”; (iii) oferecerá assinaturas institucionais, incluindo um portal online gratuito para bibliotecas públicas; (iv) direcionará os usuários a localizações onde comprar ou tomar emprestado o livro pesquisado. 

O Acordo também diz que os autores e as editoras serão capazes de ativar modos de “visualizar” e “comprar” para livros que estejam ainda em catálogo e protegidos por direitos autorais, assim como monetizar livros fora de catálogo (i.e., esgotados) que forem digitalizados pela Google. Estima-se que 70% dos livros no repositório do projeto da Google ainda estão protegidos por direitos autorais, mas estão esgotados. A maioria deles, na prática, estão “órfãos”: tudo indica que é praticamente impossível localizar os detentores dos direitos para lhes solicitar permissão para digitalizá-los. 

Parece haver um consenso em torno do benefício trazido pela digitalização dessas obras órfãs, mas, obviamente, sem a devida proteção legal qualquer projeto de digitalização estaria correndo risco de processo contra violação de direitos autorais. O Congresso americano está inclusive considerando a introdução de leis que diminuam os riscos de se utilizar obras órfãs sem a permissão dos detentores dos direitos autorais. O Acordo concede à Google, entre outras coisas, uma licença para exibir até 20% do conteúdo de livros esgotados mas ainda sob proteção, inserir anúncios ao lado dessas imagens digitalizadas, e vender acesso aos textos integrais desses livros a assinantes institucionais e indivíduos.

Logo após ser anunciado, começaram a aparecer as manifestações de oposição ao Acordo, incluindo a do Departamento de Justiça e a da organização para defesa do consumidor “Consumer Watchdog”. Talvez uma das mais significativas tenha vindo do “The Internet Archive”, uma organização sem fins lucrativos fundada por Brewster Kahle (o mesmo que fundou a “Open Content Alliance”) dedicada à construção e à manutenção de uma biblioteca digital online livre e “abertamente acessível”, incluindo um repositório da Web. Baseado em San Francisco, Califórnia, o repositório inclui “imagens da World Wide Web” (i.e., cópias de páginas tiradas em vários pontos no tempo), software, filmes, livros, e gravações em áudio. Para garantir a estabilidade e a durabilidade do repositório, sua coleção mantém um espelho (i.e., cópia) na Bibliotheca Alexandrina do Egipto, até agora a única biblioteca no mundo com um espelho. (Em 2001 o “The Internet Archive” fez uma doação à Bibliotheca Alexandrina da ordem de US$ 5 milhões, que incluiu, além de cerca de 10 bilhões de páginas web do período 1996-2001, um laboratório de digitalização de livros.)

Em carta ao Juiz Federal Denny Chin que está à frente do processo o representante legal do “The Internet Archive” solicita intervenção no caso argumentando que o Acordo dá à Google (e somente a ela) imunidade contra a responsabilização por infringir direitos autorais através da digitalização e disponibilização de títulos órfãos. Sem imunidade semelhante, “o Archive seria incapaz de prover alguns dos mesmos serviços devido a algumas questões legais incertas em torno de títulos órfãos.”

Numa palestra intitulada “Reflections on the Google Book Search Settlement”, proferida em 14/04/09 na Universidade da Carolina do Norte, Samuelson examina diversas questões fundamentais que têm sido levantadas por diversos profissionais e entidades envolvidas ou interessadas no caso: Por que a Google foi processada e até que ponto sua defesa de uso razoável foi boa? O que motivou o Acordo sobre os processos? Que benefícios o Acordo deverá trazer? Quais são os riscos, as desvantagens ou problemas com o Acordo? Que mais poderia acontecer para que se “resolva” os problemas que o Acordo tem?

Entre as motivações para o Acordo, Samuelson cita o fato de que além do litígio ser custoso e possivelmente demorado, seria difícil prever o resultado devido à dificuldade inerente ao chamado “uso razoável”. Também, se por um lado a Google corria riscos quanto aos danos à imagem, juntamente com a possibilidade de longa disputa e perda da licença sobre obras órfãs, por outro lado nenhuma outra entidade está, no momento, mais capacitada não apenas para levar o projeto a bom termo mas também para criar novos mercados para livros no mundo digital inclusive para os títulos esgotados. O Acordo parece ter criado uma oportunidade para uma situação do tipo “ganha-ganha” tendo em vista a disposição da Google de compartilhar as receitas com o Authors Guild. 

De modo geral, há que se reconhecer entre os benefícios do Acordo não apenas a remoção de cima das cabeças da Google e bibliotecas parceiras da nuvem negra da responsabilização por infração, mas sobretudo a disponibilização pública de mais livros do que se a Google não encampasse o projeto ou mesmo se restringisse a livros no domínio público. Nem tudo são flores, e há pontos negativos no Acordo. Primeiramente, os críticos não se conformam com a concessão do que pode significar direitos exclusivos sobre títulos órfãos. Também, além de estar possivelmente inviabilizando outros projetos de digitalização, o Acordo cria 2 “monopólios” complementares, segundo Samuelson: Google Book Search e o Book Rights Registry podem estar assumindo o controle de estabelecer preços e outros termos de acesso aos títulos digitalizados.

Mais preocupante entre todos os problemas do Acordo está a ausência de garantias sobre a privacidade do leitor dos livros digitalizados. A “Electronic Frontier Foundation”, uma organização sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos civis na internet, declarou recentemente que planeja solicitar à justiça americana garantias de que a Google não irá monitorar os hábitos de leitura dos usuários do serviço de Book Search. 

Adicionalmente, em documento submetido em 04/05/09 ao Juiz Chin, três grupos representando bibliotecas, a American Library Association, a Association of College and Research Libraries (ACRL) e a Association of Research Libraries (ARL), identificados como “The Library Associations”, embora declarando que não se opõem ao Acordo, solicitaram especial atenção da corte de modo a garantir que a privacidade dos leitores de livros disponibilizados online pela Google seja minimamente protegida. Segundo o documento, “a privacidade é um dos valores mais fundamentais das bibliotecas; bibliotecas não monitoram os hábitos de leitura de seus usuários.” 

Com efeito, todos os 48 estados americanos e o Distrito de Columbia têm normas que protegem os registros de bibliotecas contra intrusão indevida em prejuízo da privacidade, requerendo em geral uma intimação antes que uma biblioteca mantida com verbas públicas possa revelar os registros com informações pessoais identificáveis. Ao invés disso, o Acordo não especifica como a Google e o Book Rights Registry vão proteger a privacidade do usuário. Visto que a Google fornecerá aos consumidores que comprarem um livro o acesso online perpétuo ao título, ela tem que guardar os registros para garantir que o acesso do consumidor persiste no tempo, particularmente à medida que o consumidor usa computadores diferentes para acessar o livro. Mas o Acordo é omisso no que concerne a que tipo de informação a Google deverá reter relativa ao consumidor, como usará essa informação, e que medidas tomará para proteger a segurança da informação. 

O Acordo também contém poucos detalhes sobre as informações do usuário no contexto da assinatura institucional: como apenas usuários autorizados poderão acessar o repositório, a Google deverá ter elementos para determinar qual usuário está acessando qual livro no repositório. Além disso, o Acordo diz que quando um usuário imprime páginas de um livro, a Google vai incluir uma marca d’água visível com informações identificadoras criptografadas da sessão, que poderia ser utilizada para identificar o usuário autorizado que imprimiu o material ou o ponto de acesso a partir do qual o material foi impresso. Não fica claro no Acordo quais dessas informações serão retidas pela Google, nem como serão usadas, tampouco que medidas serão tomadas para protegê-las. 

Conforme o documento da The Library Associations, o silêncio do Acordo quanto à preservação da privacidade da leitura está em franco contraste com seus detalhes com respeito às medidas que as bibliotecas parceiras do projeto devem levar em conta para proteger a segurança de suas cópias digitais dos títulos. São dezessete páginas de descrição detalhada de protocolos e requisitos a serem atendidos por quaisquer bibliotecas que desejem participar do Acordo. Está inclusive previsto um plano de socorro monetário de até US$5 milhões à entidade que venha a sofrer algum tipo de invasão ou ato de vandalismo, dependendo dos danos causados, mas não há uma preocupação explícita com a proteção da privacidade do usuário.

A se confirmar o cenário de monopólio da Google, é preciso haver normas explícitas que venham a oferecer um mínimo de salvaguardas para que a privacidade de leitura seja garantida.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog às segundas.

Blog de Jamildo, (Jornal do Commercio Online, Recife), 11/05/2009, 09:04hs,

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/05/11/a_busca_em_livros_da_google_os_titulos_orfaos_e_a_privacidade_da_leitura_46127.php


segunda-feira, 4 de maio de 2009

Direcionamento Comportamental e o Direito ao Não-Rastreamento

OPINIÃO / ARTIGO

Direcionamento comportamental e o direito ao não-rastreamento

POSTADO ÀS 08:13 EM 04 DE MAIO DE 2009

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Em relatório recente da Nielsen sobre o cenário global da mídia online e as oportunidades num mercado de alta competitividade (“The Global Online Media Landscape: Identifying Opportunities in a Challenging Market”, Abril/09), é possível verificar o quão fragmentado é o mercado da propaganda na internet: enquanto que nos países escandinavos, na Austrália, e na China, o ritmo é veloz, no Reino Unido, França, Espanha e Japão o passo é de segundo pelotão, na Alemanha, Suíca e Itália a aceleração é quase nula, e nos países Benelux o ritmo é negativo. 

Fica claro que a recessão econômica mundial está realmente influenciando todos os mercados, e, se por um lado os volumes de anúncio online demonstram certa vitalidade em alguns períodos, por outro lado os preços de anúncio online continuam sob pressão a ponto de sinalizar para os anunciantes que as taxas cobradas pelos veículos são essencialmente as mesmas que eles recebem das redes de anunciantes. Entretanto, conforme o resumo executivo da Nielsen, mesmo que 2009 não vá se tornar um ano marcante para as receitas de anúncio online, a internet deverá superar todas as outras mídias mais uma vez. 

Apesar do modesto crescimento nos EUA e no Japão, deverá haver nichos de crescimento significativo  (mais de 25%), embora que limitados a países com pequeno e médio mercado de anúncio online como o próprio Brasil, Europa Oriental e Sudeste Asiático. As perspectivas de longo prazo para a mídia online global continuam muito boas. Liderada por mídia social, busca, e video online, sua parcela do total dos gastos com anúncios vai continuar sua escalada consistente à medida que a recessão vai se dissolvendo. 

E a expectativa é de que o comércio eletrônico veja sua participação aumentar numa escala global. E, naturalmente, com o crescimento explosivo da propaganda online, as empresas e seus conselhos precisam estar cientes das novas tecnologias, de suas implicações legais, e, sobretudo, dos riscos legais a que estão sujeitas.

Em recente artigo no SEOmozBlog (“The Law and Business of Online Advertising Conference Recap”, 22/04/09) sobre a “Law and Business of Online Advertising” (“Direito e Negócios do Anúncio Online”), uma conferência co-tutelada pelo Berkeley Center for Law & Technology e pelo High Tech Law Institute da Universidade de Santa Clara, realizada em 18/04/09 em Berkeley, Califórnia, Sarah Bird revela que o tópico mais quente naquele encontro foi o chamado “direcionamento comportamental” (em inglês, “behavioral targeting”) e seu impacto na privacidade do consumidor. Conforme a Wikipedia, “behavioral targeting” é uma técnica usada por anunciantes online e portais para aumentar a eficácia de suas campanhas publicitárias. 

A técnica faz uso de informações coletadas sobre o comportamento de um indivíduo no que diz respeito aos seus hábitos de navegação na internet, tais como as páginas que visitou ou as buscas que efetuou, para selecionar quais anúncios exibir àquele indivíduo. A técnica é descrita pelos entusiastas como “ganha-ganha-ganha”: quem deseja comprar recebe sugestões de consumo nas áreas correspondentes a suas atividades de navegação na rede; quem deseja vender maximiza o retorno no investimento pois a mensagem chega precisamente ao seu público alvo; e quem publica tem maior valor agregado ao seu serviço, dada a eficácia esperada.

Segundo o relato de Bird, a audiência da conferência se mostrou bastante hostil ao direcionamento comportamental, embora todos os panelistas tenham concordado que a técnica era algo útil e bem-vindo, desde que aos consumidores fosse dada uma escolha consciente de participar ou não. 

Para piorar o sentimento de rejeição da audiência, parece ter havido um rumor generalizado sobre a possibilidade de que a história de visitas a portais e de compras pela internet poderia estar sendo ligada às chamadas “informações identificadoras pessoais” (em inglês “personal identifying information”, abrev. “PII”, que se refere a informações que podem ser usadas para univocamente identificar, contactar, ou localizar uma única pessoa, ou podem ser usadas em conjunto com outras fontes para univocamente identificar um indivíduo, e também serem disponibilizadas para o governo ou qualquer um de posse de uma intimação).  

Houve muito interesse em se conhecer melhor o funcionamento do chamado “cookie”, mecanismo utilizado pelos programas navegadores para permitir a um portal “lembrar” que o usuário já o visitou, e que informações solicitou e/ou depositou. Segundo o portal da “Network Advertising Initiative”(NAI), cookies são pequenos aglomerados de dados (usualmente, arquivos de texto) criados por um servidor web, fornecidos através de um navegador, e armazenados no computador do usuário. Sua função é prover meios para que os portais que o usuário visita possam memorizar seus padrões de comportamento e preferências online, assim como identificá-lo como um visitante reincidente. 

Conforme a NAI, os cookies tornam possível a personalização da experiência online do usuário, pois sem eles seria virtualmente impossível manter um portfolio online: a cada vez que o usuário visitasse um portal (por exemplo, Amazon.com) seria necessário re-entrar com todos os dados (nome de usuário, senha, etc.) como se fosse a primeira vez. Anunciantes usam os cookies para rastrear as preferências e caracterísiticas do usuário, e assim direcionar os anúncios com base em tais informações. 

Usualmente, a rede de anunciantes oferece ao usuário a opção de ficar de fora (em inglês, “opt out”) desse regime de rastreamento. (Em geral, o termo “opt-out” se refere a diversos métodos através dos quais indivíduos podem evitar receber informações de produto ou serviço não-solicitado. Essa capacidade está usualmente associada a campanhas de marketing direto, tais como telemarketing, marketing por e-mail, ou mala direta, mas no contexto das tecnologias de anúncio online, está associada à saída do regime supracitado.)

Conforme Bird, os participantes da conferência se declaravam surpresos e confusos ao saber que o programa de opt-out da NAI (uma das maiores redes mundiais de anunciantes online, e que adotou um código estrito de comportamento para todos os seus membros, numa tentativa de auto-regulação do setor) não evita que anunciantes recolham informações sobre o usuário: somente evita que anunciantes enviem anúncios aos usuários baseados no direcionamento comportamental. As empresas ainda assim continuam a se beneficiar das informações coletadas pelo usuário que tenha “optado sair do regime de rastreamento”, e os anúncios continuam a ser enviados porém sem o direcionamento decorrente da análise comportamental. 

Ao que tudo indica, a maioria dos usuários que utilizam o programa de opt-out da NAI não se dão conta disso, e possivelmente é o rastreamento em si que incomoda as pessoas sensíveis à violação de privacidade na internet, e não os anúncios propriamente ditos, conclui Bird. Em sua intervenção no blog de Bird, Ryan Calo (Center for Internet and Society, Stanford University) se declara interessado em conhecer melhor o programa de opt-out da NAI, e, citando o documento da própria NAI, adianta que a suposta capacidade de um consumidor de optar por sair do regime de rastreamento por redes de anúncios de terceiros parece fazer parte do cerne da alegação de auto-regulação. 

Bird, por seu turno, responde que primeiramente é importante entender que a rede NAI somente afeta o comportamento de direcionamento de suas empresas membro, e não tem qualquer efeito sobre as muitas empresas que dela não fazem parte. Depois, é preciso lembrar que cada indivíduo pode ter vários cookies diferentes, cada um com seu papel. Enquanto que um cookie pode coletar um certo tipo de informação, outro pode determinar qual anúncio oferecer ao usuário. E esses diferentes cookies são automaticamente carregados no navegador quando o usuário visita um portal utilizado pelo anunciante.  

O programa de opt-out da NAI não apaga os cookies, mas põe um novo cookie no navegador do usuário que então se comunica com os portais dos membros dizendo algo como "Não ponha o cookie de direcionamento aqui. Você pode colocar outros tipos de cookies de coleta de informação aqui, mas não ponha o cookie que direciona anúncios aqui." Dessa forma, relata Bird, o cookie de opt-out age como um filtro para os portais membro.

Parece estranho usar um cookie para bloquear outro cookie, mas há boas razões para isso, continua Bird. Primeiramente, os cookies trazem a solução mais escalável para se criar experiências de internet altamente funcionais e pessoais. Por exemplo, quando usamos a opção “1-Click” da Amazon.com estamos fazendo uso de cookies, e assim acontece com diversos outros cenários, por isso um cookie nem sempre é indesejado. O problema é que muitos consumidores têm se incomodado com o fato de que seus dados estão sendo rastreados e agregados, e alguns tentam minimizar o risco apagando todos os cookies. 

Obviamente isso apaga os cookies "bons", incluindo os cookies de opt-out, e por isso alguns usuários mais bem informados e mais preocupados com privacidade selecionam manualmente quais cookies a apagar. Alguns também procuram garantir que seus endereços IP sejam dinâmicos de forma a tornar mais difícil o rastreamento e a agregação de dados. Em concordância com Calo, Bird reconhece que o cookie de opt-out da NAI não atende aos verdadeiros clamores do consumidor. Por outro lado, há que se reconhecer o esforço na criação de um código de melhores práticas que levou os membros da rede NAI a se comprometerem a não coletar informações identificadoras pessoais. 

Embora constantemente preocupado com a privacidade do cidadão na era digital, em seu artigo no seu blog no CIS (Stanford) (“Does NAI’s Opt Out Tool Stop Consumer Tracking?”, 27/04/09) Calo demonstra sensatez ao reconhecer que o anúncio direcionado não parece ser uma prática tão perigosa quanto dizem alguns do ponto de vista da preservação da privacidade. Em geral os anunciantes não estão interessados em saber quem o usuário é, e o rastreamento é feito na sua maior parte de forma anônima. Mas é difícil aceitar que seja verdadeiro o rumor acerca da conivência dos anunciantes com a informação errônea passada ao consumidor de que optando por sair do direcionamento comportamental o usuário estaria parando com o rastreamento de suas informações (e não apenas parando com o envio de anúncios direcionados). 

Trata-se, de fato, de questão preocupante. Resta à indústria, sobretudo a rede NAI, restaurar a credibilidade num momento em que a desconfiança do consumidor é considerável em face de casos problemáticos recentes como a norte-americana NebuAd e a britânica Phorm.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo, Jornal do Commercio Online (Recife), 04/05/2009, 08:13

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