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segunda-feira, 4 de maio de 2009

Direcionamento Comportamental e o Direito ao Não-Rastreamento

OPINIÃO / ARTIGO

Direcionamento comportamental e o direito ao não-rastreamento

POSTADO ÀS 08:13 EM 04 DE MAIO DE 2009

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Em relatório recente da Nielsen sobre o cenário global da mídia online e as oportunidades num mercado de alta competitividade (“The Global Online Media Landscape: Identifying Opportunities in a Challenging Market”, Abril/09), é possível verificar o quão fragmentado é o mercado da propaganda na internet: enquanto que nos países escandinavos, na Austrália, e na China, o ritmo é veloz, no Reino Unido, França, Espanha e Japão o passo é de segundo pelotão, na Alemanha, Suíca e Itália a aceleração é quase nula, e nos países Benelux o ritmo é negativo. 

Fica claro que a recessão econômica mundial está realmente influenciando todos os mercados, e, se por um lado os volumes de anúncio online demonstram certa vitalidade em alguns períodos, por outro lado os preços de anúncio online continuam sob pressão a ponto de sinalizar para os anunciantes que as taxas cobradas pelos veículos são essencialmente as mesmas que eles recebem das redes de anunciantes. Entretanto, conforme o resumo executivo da Nielsen, mesmo que 2009 não vá se tornar um ano marcante para as receitas de anúncio online, a internet deverá superar todas as outras mídias mais uma vez. 

Apesar do modesto crescimento nos EUA e no Japão, deverá haver nichos de crescimento significativo  (mais de 25%), embora que limitados a países com pequeno e médio mercado de anúncio online como o próprio Brasil, Europa Oriental e Sudeste Asiático. As perspectivas de longo prazo para a mídia online global continuam muito boas. Liderada por mídia social, busca, e video online, sua parcela do total dos gastos com anúncios vai continuar sua escalada consistente à medida que a recessão vai se dissolvendo. 

E a expectativa é de que o comércio eletrônico veja sua participação aumentar numa escala global. E, naturalmente, com o crescimento explosivo da propaganda online, as empresas e seus conselhos precisam estar cientes das novas tecnologias, de suas implicações legais, e, sobretudo, dos riscos legais a que estão sujeitas.

Em recente artigo no SEOmozBlog (“The Law and Business of Online Advertising Conference Recap”, 22/04/09) sobre a “Law and Business of Online Advertising” (“Direito e Negócios do Anúncio Online”), uma conferência co-tutelada pelo Berkeley Center for Law & Technology e pelo High Tech Law Institute da Universidade de Santa Clara, realizada em 18/04/09 em Berkeley, Califórnia, Sarah Bird revela que o tópico mais quente naquele encontro foi o chamado “direcionamento comportamental” (em inglês, “behavioral targeting”) e seu impacto na privacidade do consumidor. Conforme a Wikipedia, “behavioral targeting” é uma técnica usada por anunciantes online e portais para aumentar a eficácia de suas campanhas publicitárias. 

A técnica faz uso de informações coletadas sobre o comportamento de um indivíduo no que diz respeito aos seus hábitos de navegação na internet, tais como as páginas que visitou ou as buscas que efetuou, para selecionar quais anúncios exibir àquele indivíduo. A técnica é descrita pelos entusiastas como “ganha-ganha-ganha”: quem deseja comprar recebe sugestões de consumo nas áreas correspondentes a suas atividades de navegação na rede; quem deseja vender maximiza o retorno no investimento pois a mensagem chega precisamente ao seu público alvo; e quem publica tem maior valor agregado ao seu serviço, dada a eficácia esperada.

Segundo o relato de Bird, a audiência da conferência se mostrou bastante hostil ao direcionamento comportamental, embora todos os panelistas tenham concordado que a técnica era algo útil e bem-vindo, desde que aos consumidores fosse dada uma escolha consciente de participar ou não. 

Para piorar o sentimento de rejeição da audiência, parece ter havido um rumor generalizado sobre a possibilidade de que a história de visitas a portais e de compras pela internet poderia estar sendo ligada às chamadas “informações identificadoras pessoais” (em inglês “personal identifying information”, abrev. “PII”, que se refere a informações que podem ser usadas para univocamente identificar, contactar, ou localizar uma única pessoa, ou podem ser usadas em conjunto com outras fontes para univocamente identificar um indivíduo, e também serem disponibilizadas para o governo ou qualquer um de posse de uma intimação).  

Houve muito interesse em se conhecer melhor o funcionamento do chamado “cookie”, mecanismo utilizado pelos programas navegadores para permitir a um portal “lembrar” que o usuário já o visitou, e que informações solicitou e/ou depositou. Segundo o portal da “Network Advertising Initiative”(NAI), cookies são pequenos aglomerados de dados (usualmente, arquivos de texto) criados por um servidor web, fornecidos através de um navegador, e armazenados no computador do usuário. Sua função é prover meios para que os portais que o usuário visita possam memorizar seus padrões de comportamento e preferências online, assim como identificá-lo como um visitante reincidente. 

Conforme a NAI, os cookies tornam possível a personalização da experiência online do usuário, pois sem eles seria virtualmente impossível manter um portfolio online: a cada vez que o usuário visitasse um portal (por exemplo, Amazon.com) seria necessário re-entrar com todos os dados (nome de usuário, senha, etc.) como se fosse a primeira vez. Anunciantes usam os cookies para rastrear as preferências e caracterísiticas do usuário, e assim direcionar os anúncios com base em tais informações. 

Usualmente, a rede de anunciantes oferece ao usuário a opção de ficar de fora (em inglês, “opt out”) desse regime de rastreamento. (Em geral, o termo “opt-out” se refere a diversos métodos através dos quais indivíduos podem evitar receber informações de produto ou serviço não-solicitado. Essa capacidade está usualmente associada a campanhas de marketing direto, tais como telemarketing, marketing por e-mail, ou mala direta, mas no contexto das tecnologias de anúncio online, está associada à saída do regime supracitado.)

Conforme Bird, os participantes da conferência se declaravam surpresos e confusos ao saber que o programa de opt-out da NAI (uma das maiores redes mundiais de anunciantes online, e que adotou um código estrito de comportamento para todos os seus membros, numa tentativa de auto-regulação do setor) não evita que anunciantes recolham informações sobre o usuário: somente evita que anunciantes enviem anúncios aos usuários baseados no direcionamento comportamental. As empresas ainda assim continuam a se beneficiar das informações coletadas pelo usuário que tenha “optado sair do regime de rastreamento”, e os anúncios continuam a ser enviados porém sem o direcionamento decorrente da análise comportamental. 

Ao que tudo indica, a maioria dos usuários que utilizam o programa de opt-out da NAI não se dão conta disso, e possivelmente é o rastreamento em si que incomoda as pessoas sensíveis à violação de privacidade na internet, e não os anúncios propriamente ditos, conclui Bird. Em sua intervenção no blog de Bird, Ryan Calo (Center for Internet and Society, Stanford University) se declara interessado em conhecer melhor o programa de opt-out da NAI, e, citando o documento da própria NAI, adianta que a suposta capacidade de um consumidor de optar por sair do regime de rastreamento por redes de anúncios de terceiros parece fazer parte do cerne da alegação de auto-regulação. 

Bird, por seu turno, responde que primeiramente é importante entender que a rede NAI somente afeta o comportamento de direcionamento de suas empresas membro, e não tem qualquer efeito sobre as muitas empresas que dela não fazem parte. Depois, é preciso lembrar que cada indivíduo pode ter vários cookies diferentes, cada um com seu papel. Enquanto que um cookie pode coletar um certo tipo de informação, outro pode determinar qual anúncio oferecer ao usuário. E esses diferentes cookies são automaticamente carregados no navegador quando o usuário visita um portal utilizado pelo anunciante.  

O programa de opt-out da NAI não apaga os cookies, mas põe um novo cookie no navegador do usuário que então se comunica com os portais dos membros dizendo algo como "Não ponha o cookie de direcionamento aqui. Você pode colocar outros tipos de cookies de coleta de informação aqui, mas não ponha o cookie que direciona anúncios aqui." Dessa forma, relata Bird, o cookie de opt-out age como um filtro para os portais membro.

Parece estranho usar um cookie para bloquear outro cookie, mas há boas razões para isso, continua Bird. Primeiramente, os cookies trazem a solução mais escalável para se criar experiências de internet altamente funcionais e pessoais. Por exemplo, quando usamos a opção “1-Click” da Amazon.com estamos fazendo uso de cookies, e assim acontece com diversos outros cenários, por isso um cookie nem sempre é indesejado. O problema é que muitos consumidores têm se incomodado com o fato de que seus dados estão sendo rastreados e agregados, e alguns tentam minimizar o risco apagando todos os cookies. 

Obviamente isso apaga os cookies "bons", incluindo os cookies de opt-out, e por isso alguns usuários mais bem informados e mais preocupados com privacidade selecionam manualmente quais cookies a apagar. Alguns também procuram garantir que seus endereços IP sejam dinâmicos de forma a tornar mais difícil o rastreamento e a agregação de dados. Em concordância com Calo, Bird reconhece que o cookie de opt-out da NAI não atende aos verdadeiros clamores do consumidor. Por outro lado, há que se reconhecer o esforço na criação de um código de melhores práticas que levou os membros da rede NAI a se comprometerem a não coletar informações identificadoras pessoais. 

Embora constantemente preocupado com a privacidade do cidadão na era digital, em seu artigo no seu blog no CIS (Stanford) (“Does NAI’s Opt Out Tool Stop Consumer Tracking?”, 27/04/09) Calo demonstra sensatez ao reconhecer que o anúncio direcionado não parece ser uma prática tão perigosa quanto dizem alguns do ponto de vista da preservação da privacidade. Em geral os anunciantes não estão interessados em saber quem o usuário é, e o rastreamento é feito na sua maior parte de forma anônima. Mas é difícil aceitar que seja verdadeiro o rumor acerca da conivência dos anunciantes com a informação errônea passada ao consumidor de que optando por sair do direcionamento comportamental o usuário estaria parando com o rastreamento de suas informações (e não apenas parando com o envio de anúncios direcionados). 

Trata-se, de fato, de questão preocupante. Resta à indústria, sobretudo a rede NAI, restaurar a credibilidade num momento em que a desconfiança do consumidor é considerável em face de casos problemáticos recentes como a norte-americana NebuAd e a britânica Phorm.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo, Jornal do Commercio Online (Recife), 04/05/2009, 08:13

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/05/04/direcionamento_comportamental_e_o_direito_ao_naorastreamento_45715.php

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