A prática do 'sexting' e um precedente perigoso
Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz
O recente hábito de adolescentes de tirar fotos nus ou seminus e enviá-las a amigos através do telefone celular tem alarmado a sociedade americana, desde pais e educadores até a própria justiça. O maior receio é de que essas fotos acabem nas mãos de predadores sexuais. A prática é conhecida como “sexting”: uma combinação (ou seja, uma palavra-valise) de “sex” (sexo) com “texting” (envio de mensagem de texto), a prática foi primeiro reportada em 2005 na revista do jornal britânico The Sunday Telegraph.
Começou como uma prática de envio de mensagens SMS (serviço de mensagens curtas de texto enviadas por celular) de natureza sexual, e, com o avanço tecnológico, passou a envolver também o envio de fotografias e vídeo, daí a explicação para o termo, pois ‘texting’ em inglês se refere a mensagens enviadas como texto. Hoje a prática já é reportada em diversos países, como Austrália, Nova Zelândia, Grã-Bretanha, e, é claro, Estados Unidos. Uma pesquisa de 2008 realizada pela “National Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregnancy” e o portal CosmoGirl.com (“Sex and Tech Survey”) já apontava para uma tendência de prática generalizada do sexting e outros conteúdos online sedutores sendo facilmente compartilhada entre adolescentes.
Na ocasião, cerca de 22% de garotas adolescentes (entre 13 e 19 anos) – e 11% de meninas entre 13 e 16 anos – disseram que já haviam enviado eletronicamente ou disponibilizado online, imagens de si próprias nuas ou seminuas. Um terço dos rapazes adolescentes e 25% de garotas disseram que a eles (ou elas) já vieram mostrar imagens privadas de nus ou seminus. Conforme o estudo, mensagens sexualmente sugestivas (texto, email, e mensagem instantânea) foram até mais comuns que imagens, com 39% dos adolescentes tendo enviado ou disponibilizado online mensagens dessa natureza, enquanto que praticamente metade dos adolescentes já teria alguma vez recebido uma mensagem desse tipo.
Em Janeiro último, uma outra pesquisa realizada pela empresa Teenage Research Unlimited, de Chicago (“Is Your Child ‘Texting’?”, Keagan Harsha, WCAX-TV, 03/01/09), com 1200 adolescentes americanos, mostrou que um em cada cinco já tinham enviado por dispositivos móveis fotos de nu explícito de si mesmo.
A prática pode vir a ser um caso de polícia quando as fotos envolvidas forem de menores, pois dessa forma a veiculação (e a posse) das imagens pode ser interpretada como prática de pornografia infantil. Esse é o caso de um grupo de adolescentes de uma cidade americana de apenas 1900 habitantes chamada Wyoming County (Pensilvânia), que estão sendo ameaçadas pelo procurador do distrito, George Skumanick, de sofrerem um processo judicial sério por ter aparecido em fotos armazenadas em celulares apreendidos pela justiça, mesmo não as tendo enviado.
Uma das garotas desse grupo, de apenas 11 anos de idade, aparece em traje de banho. Alguns especialistas estão preocupados com a atitude radical do Sr. Skumanick no sentido de expandir a definição de ‘sexting’ a ponto de ter aberto um precedente perigoso.
Conforme matéria recente de Dionne Searcey no portal do Wall Street Journal (“A Lawyer, Some Teens and a Fight Over 'Sexting' ”, 21/04/09), muitos promotores dizem que as leis deveriam ser usadas para proteger as crianças de adultos, e não de outras crianças. Em alguns casos, como o de Wyoming County, adolescentes podem acabar fichados como infratores sexuais se forem condenados por porte de pornografia infantil. Há os que dizem que se as acusações formais forem feitas, elas deveriam ser limitadas às crianças que de fato distribuíram as fotos.
No mês passado a “American Civil Liberties Union of Pennsylvania” (ACLU-PA), juntamente com os pais das adolescentes citadas por Skumanick, entrou com um processo contra o procurador por “ameaçar as três garotas em idade escolar com acusações de pornografia infantil sobre fotos digitais nas quais aparecem topless ou de roupas íntimas.” A ACLU-PA alega que o procurador violou os direitos de liberdade de expressão das três adolescentes, e que o Sr. Skumanick estaria interferindo nos direitos dos pais de educá-las conforme suas próprias convicções.
Segundo o portal da ACLU-PA, o procurador exigiu que, para evitar as acusações, as garotas sejam postas em período probatório, participem de um programa de cinco semanas de reeducação, e sejam sujeitas a testes aleatórios de consumo de drogas. De forma a esclarecer o caso, a ACLU-PA declara que a acusação se refere a duas fotos: uma delas mostra duas das garotas sem blusa mas com sutiã, enquanto a outra traz a terceira garota do lado de fora de um box de chuveiro com uma toalha enrolada na altura do tórax imediatamente abaixo dos seios à mostra.
Nenhuma das duas fotos representa atividade sexual ou revela qualquer coisa abaixo da cintura. Em sua acusação, o procurador afirmou que as garotas foram cúmplices na produção de pornografia infantile pois se permitiram fotografar. Não há ameaça de acusação aos indivíduos que distribuíram as fotos.
Afirmando que Skumanick não deveria ter ameaçado as garotas com acusações graves, a menos que elas concordassem em ser colocadas em período probatório e em participar de um programa de aconselhamento, o diretor jurídico da ACLU-PA, Witold Walczak, declarou que "crianças deveriam ser ensinadas que compartilhar imagens digitais de si próprias em posições embaraçosas ou comprometedoras podem ter más conseqüências, mas os promotores não deveriam estar usando artilharia pesada ... para ensiná-las essa lição." Uma liminar foi concedida à ACLU-PA, e foi marcada uma audiência para o início de Junho.
De sua parte, o Sr. Skumanick, de 47 anos, e há 20 como procurador do distrito, revela que ficou profundamente perturbado com o caso, pois lembrou um incidente em Ohio no qual a mãe de uma adolescente atribuiu ao sexting o suicídio da filha: a garota, Jessica Logan, tinha enviado fotos de si mesma ao namorado, e mais tarde se enforcou, após ser assediada moralmente por colegas de escola quando o namorado supostamente enviou as imagens a seus colegas.
Não obstante a nefasta lembrança do caso Jessica Logan e o fato de que o ato de “sexting” ser no mínimo estúpido, a tática do procurador Skumanick parece ter ido além do razoável e invadido o terreno da violação de direitos fundamentais. Embora entre as leis de proteção à criança figurem as normas contra a obscenidade, sabe-se que nem toda foto de nu deve ser classificada como obscena.
A julgar pela velocidade com que se processa a migração da convivência cibernética para os dispositivos móveis, a tendência é que seja cada vez maior a chance de ocorrer casos semelhantes. Segundo um relatório recente da Nielsen Online, o acesso a portais de redes sociais através de dispositivos móveis quase que triplicou em 2008, em grande parte devido à crescente penetração do chamado “smartphone” e às maiores velocidades de transmissão de dados e voz nas redes de última geração.
A tendência é que a busca por conteúdo na internet a partir de dispositivos móveis seja cada vez maior. O fato concreto é que qualquer discussão sobre o comportamento da audiência de internautas estaria incompleta sem o entendimento da dinâmica da telefonia móvel. Nos EUA, por exemplo, atualmente cerca de 50 milhões de assinantes de celulares acessam a Web através de seus aparelhos diariamente. Também nos EUA, a audiência da internet móvel cresceu 74% entre Fevereiro de 2007 e Fevereiro de 2009.
Diante de tal realidade, e da participação cada vez maior nesse novo espaço de convivência (o ciberespaço) das faixas etárias mais baixas, faz-se necessário empreender programas e campanhas educativas no seio da juventude sobre as regras, as maravilhas, e os perigos dessa nova convivência.
PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.
Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 27/04/2009, 11:26hs,
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