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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Centro de estudos de internet e sociedade

ARTIGO / OPINIÃO

Centro de estudos de internet e sociedade

POSTADO ÀS 08:46 EM 20 DE ABRIL DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

A internet aparece em destaque em praticamente todos os estudos sobre as tendências atuais do mercado de consumo. Pesquisas recentes mostram que, apesar da crise financeira que vive o mundo, a receita proveniente de anúncios na internet nos EUA totalizaram US$6,1 bilhões no 4º trimestre de 2008, um aumento de 4,5% em relação ao 3º trimestre de 2008 (US$5,8 bi), e um aumento de 2,6% em relação ao 4º trimestre de 2007 (US$5,9 bi). Em um ano a venda de anúncios na internet trouxe uma receita de US$23,4 bilhões, isto é, 10,6% a mais que os US$21,2 bilhões de 2007. Por outro lado, como resultado da desaceleração da economia, as receitas com anúncios em geral (incluindo os anúncios pela internet) caíram 2,6% em 2008.

O grande fenômeno do mercado consumidor global no ano de 2008 foram as chamadas “redes sociais” (MySpace, Facebook, Orkut). Estima-se que dois-terços da população da internet mundial visitam uma rede social ou portal de blog, e o setor agora representa quase 10% de todo o tempo de internet. A categoria das “comunidades de membros inscritos” ultrapassou E-mail pessoal para se tornar o 4º setor mais popular online no mundo, depois de busca, portais e aplicações de software de PC. Segundo pesquisas recentes da Nielsen Online, 50% da população online na Suíca e na Alemanha utilizam redes sociais, e o percentual de aumento do tempo de internet tomado pelas redes sociais foram os maiores nesses dois países (207% e 140%, respectivamente). 

O Brasil aparece como o maior entusiasta das redes: 80% da população online faz uso dessas redes, o que se traduz em 23,1% do tempo de internet no Brasil é tomado pelo uso de redes sociais. Com o nome de seu criador, funcionário da Google, o turco Orkut Büyükkökten, a rede Orkut apareceu em 2004 e os estudantes das principais cidades brasileiras começaram a distribuir convites por brincadeira para ver se eles conseguiriam fazer do Orkut um portal mais popular no Brasil que nos EUA. 

Orkut acabou se tornando não apenas a rede social mais popular no Brasil, mas também o 3º portal mais popular. Metade da população de internet brasileira visitou o Orkut em Setembro/2005 e o índice agora é de 70% – o maior alcance doméstico de qualquer rede social em qualquer parte do mundo. Embora a rede Orkut seja a mais popular no país (51% dos seus membros são brasileiros), a Facebook cresce a passos largos (em um ano, aumentou em 566% o tempo de internet tomado por essa rede no mundo todo), e já se tornou a maior rede do mundo: atingiu 200 milhões de membros na 2ª semana de abril/2009. Por sua vez, a MySpace é a segunda, e ainda a maior nos EUA (ao que tudo indica, por pouco tempo).

Crianças também desfrutam desse novo espaço de convivência. Em matéria recente  no New York Times (“Software That Guards Virtual Playgrounds”, 18/04/09), Leslie Berlin dá uma idéia: “Mundos virtuais para crianças e adolescentes — portais como Neopets, Club Penguin e Habbo — são um grande negócio. Nesses portais, crianças criam um avatar e, com ele, exploram um universo imaginário. Ali eles podem jogar vídeo-games, fazer “chat” (troca de mensagens instantâneas) e decorar quartos ou outros espaços virtuais.” 

Até o final do ano serão 70 milhões de contas únicas (o dobro do ano passado) em mundos virtuais voltados para crianças menores de 16 anos, conforme a “K Zero”, uma empresa de consultoria. A “Virtual Worlds Management”, uma empresa de mídia e de eventos, estima que existem hoje mais de 200 mundos virtuais “já disponíveis, planejados ou em desenvolvimento” voltados especificamente para o jovem. E à medida que a quantidade desses mundos virtuais cresce, cresce também a demanda por software sofisticado e pessoal de monitoração que possam realizar a tarefa de monitores virtuais no “parque de diversões virtual”.

Além da frieza dos números do mercado consumidor e dos negócios, é importante constatar que a internet se consolida como um novo espaço de convivência humana. O crescimento em popularidade das redes sociais – e a audiência resultante – é somente metade da estória. O crescimento assustador na quantidade de tempo que as pessoas estão passando nesses portais está mudando a maneira como as pessoas passam o tempo online e tem ramificações no que diz respeito a como as pessoas se comportam, compartilham e interagem nas suas vidas cotidianas normais. 

O fato é que hoje em dia é difícil encontrar um tema mais fundamental no mundo contemporâneo do que a migração do contato físico, face-a-face, para o mundo virtual das telecomunicações. Como se trata de um novo espaço de convivência, é natural que surjam questões relevantes ao cidadão contemporâneo que demandam respostas não apenas tecnológicas, mas políticas, jurídicas, sociológicas, econômicas, pedagógicas: Como encontrar equilíbrio entre propriedade intelectual e livre expressão? Que intervenções educacionais devem ser realizadas com crianças e adolescentes (“nativos digitais”) e pais (“imigrantes digitais”) para a promoção da boa convivência nesse espaço? 

Os valores morais da vida real se transferem para o mundo virtual? O que constitui um compartilhamento ilegal de arquivos? O que pode ser caracterizado como "uso razoável" de uma obra protegida por direitos autorais? Quando é que uma música, imagem, ou filme pertence ao "domínio público"? Qual o impacto que a tecnologia tem tido (ou deverá ter) na proteção ao consumidor e à sua privacidade? Onde está o ponto de equilíbrio entre anonimidade, liberdade de expressão, e responsabilidade? Qual o impacto que a lei de proteção à propriedade intelectual digital tem (ou deve ter) sobre a inovação tecnológica? 

O que acontece (ou deveria acontecer) num processo jurídico envolvendo interesses e valores de grande monta no qual as questões sejam de natureza essencialmente tecnológica? Como classificar uma determinada distribuição de mensagens não-solicitadas como criminosa? Quem, como, e em que grau deve-se responsabilizar pelo vazamento de informações sensíveis? Como deve ser avaliada uma denúncia de quebra da neutralidade da rede por parte de um provedor de acesso? Como funciona a economia nesse novo espaço de convivência? Quais os mecanismos mais bem sucedidos de promoção da inovação nesse novo cenário? Que tipo de técnicas de medida podem ajudar a que tipo de empreendimento? 

Quais são as lições mais relevantes do fenômeno da bolha da internet do início do novo milênio? O que é que faz do Vale do Silício (onde estão 75% dos casos de sucesso do chamado "capital de aventura") um eixo de inovação tecnológica, um poderoso ecossistema de idéias, empreendedorismo, e investimento em tecnologias transformadoras, e qual o papel da Stanford University nisso tudo?

A busca pelo conhecimento científico apropriado para o enfrentamento de questões como essas faz parte de um projeto de criação, no âmbito da UFPE, de um Centro de Estudos de Internet e Sociedade à luz de exemplos bem sucedidos como Harvard e Stanford. O objetivo é explorar e entender o ciberespaço; estudar seu desenvolvimento e dinâmica, suas normas e padrões; e avaliar a necessidade ou a falta de leis e sanções para esse novo espaço de convivência. 

Agindo como um forum interdisciplinar, o Centro deverá buscar reunir estudiosos, acadêmicos, legisladores, estudantes, programadores, pesquisadores em segurança da informação, e cientistas para estudar a interação entre as novas tecnologias e as ciências sociais (Direito, Economia, Sociologia, Psicologia, Pedagogia) e examinar de que forma a sinergia entre essas disciplinas pode promover ou prejudicar bens públicos como a liberdade de expressão, a privacidade do indivíduo, os comuns públicos, a diversidade, e a investigação científica. 

A intenção é fomentar ações que aperfeiçoem tanto as tecnologias quanto as leis e as regras de convivência social, incentivando os tomadores de decisão a projetarem tanto as leis como as tecnologias como veículos do aprimoramento dos mais altos valores democráticos.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 20/04/2009,

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/04/20/centro_de_estudos_de_internet_e_sociedade_44917.php

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