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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Uso de Avatares no Ambiente de Trabalho

O uso de avatares no ambiente de trabalho

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19 de janeiro de 2010 - Por mais futurista que possa parecer o universo do filme Avatar, pelo menos um elemento já faz parte do presente: controlar um corpo, ainda que virtual, que não é exatamente o seu, é prática comum em algumas empresas de alta tecnologia. Nos últimos três anos, milhares de funcionários de empresas como IBM, Cisco, SAP e Boeing têm utilizado avatares para interagir com seus colegas e com clientes em todo o mundo.

No Hinduísmo, Avatar (palavra em sânscrito que quer dizer “descida”) se refere a uma descida deliberada de uma deidade do céu para a terra, e é na maioria das vezes traduzida como “encarnação”, embora de forma mais precisa como “aparência” ou “manifestação”. No contexto da tecnologia da informação, um avatar é uma representação computacional de um usuário, uma espécie de alter ego, seja na forma de um modelo tridimensional em jogos eletrônicos (tais como o Second Life), de um ícone bidimensional (figura) ou até mesmo de um nome utilizado em fóruns de internet ou outras comunidades eletrônicas. No final das contas, trata-se de um objeto (em geral, virtual) representando o usuário. O uso literário do termo “avatar” para se referir à personalidade associada ao nome de um usuário num jogo eletrônico ou comunidade aparece pela primeira vez no romance ciberpunk “Snow Crash” (publicado pela Spectra em 1992) de Neal Stephenson. Segundo a Wikipedia, o uso do termo no sentido da representação de um usuário “na tela de um computador” foi cunhado em 1985 por Chip Morningstar e Randy Farmer no projeto do jogo eletrônico de estilo RPG “Habitat” da Lucasfilm.

O uso de avatares e da tecnologia de jogos eletrônicos no ambiente de trabalho têm sido o foco do trabalho de Byron Reeves, professor de comunicação da Stanford University. Em matéria recente publicada no portal da Universidade (“Q&A: Stanford's Byron Reeves on avatars in the workplace”, 15/01/10, por Adam Gorlick) Reeves fala de seu novo livro (em co-autoria com J. Leighton Read) intitulado “Total Engagement: Using Games and Virtual Worlds to Change the Way People Work and Businesses Compete” (“Engajamento Total: Usando Jogos e Mundos Virtuais para Mudar a Forma como as Pessoas Trabalham e os Negócios Competem”, Harvard Business School Press, Novembro 2009), e defende que avatares estão entre os dez diferentes ingredientes em videogames e ambientes virtuais que deverão ter um grande impacto no desenho do que será o ambiente de trabalho do futuro. A idéia é que à medida que a competição global se intensifica e a produtividade e o engajamento da força de trabalho se tornam cada vez mais críticos, a experiência de entretenimento propiciada pela tecnologia de jogos se apresenta como uma enorme ferramenta tanto de aprendizado quanto de aumento do comprometimento que vai muito além dos métodos tradicionais de treinamento. Segundo os autores, certos elementos de videogames, quando implementados no ambiente de trabalho, podem abrir caminho para a solução de muitos problemas na medida em que alavancam o moral, a comunicação e o alinhamento da força de trabalho, ao mesmo tempo em que contribuem para a depuração de habilidades tais como análise de dados, trabalho em equipe, e liderança.

O livro argumenta que a tecnologia de jogos eletrônicos têm tudo para provocar uma verdadeira transformação no trabalho, de tarefas repetitivas de call-center a equipes de alto nível que têm que colaborar com outros membros à distância. Sob forma de receita às empresas, Reeves & Read defendem que é preciso construir uma estratégia de jogo que atenda aos objetivos do empreendimento, e, idealmente recomenda-se: (i) selecionar criteriosamente as características de projeto do jogo que abordem seus pontos neuvrálgicos; (ii) usar avatares para aumentar o engajamento e a produtividade; (iii) empregar moedas virtuais para ajudar a força de trabalho a estabelecer prioridades, compartilhar recursos, e atingir metas; (iv) implementar sistemas de comunicação guiados pelo participante de forma a facilitar a formação de equipes; (v) descobrir habilidades de liderança ainda não reveladas deslocando a colaboração para ambientes do tipo jogos; (vi) mitigar possíveis efeitos negativos das aplicações de jogos no ambiente de trabalho.

Avatares, afirma Reeves, são antes de tudo práticos, especialmente quando se considera como o trabalho hoje em dia é distribuído entre equipes cujos membros estão localizados em diversas partes do mundo. É possível ir a uma reunião como um avatar em qualquer lugar, sem a necessidade do deslocamento físico. Exemplo concreto de um sistema que propicia uma interação entre avatares e pessoas físicas é o ACME (“Augmented Collaboration in Mixed Environments”), desenvolvido em parceria por IBM e Nokia: usando dispositivos de realidade virtual, um participante físico da reunião enxerga um avatar em sua frente que, na realidade, é nada mais do que uma representação virtual de um outro participante remotamente localizado. Sensores, cameras e microfones localizados em ambos os lados da conversação permitem que vozes, gestos e movimentos de cabeça e de mãos se dêem em perfeita consonância com o comportamento dos participantes, permitindo dessa forma que os sinais visuais vitais e a linguagem de gestos estejam perfeitamente incorporados à interação.

Segundo Reeves, o segredo do sucesso do avatar é o seu elemento “lúdico”: a própria noção de autorepresentação em mídia desperta uma certa sensação de entretenimento. Não apenas é possível estar do lado de fora da tela controlando o que está dentro, mas também é fácil se “teleportar” e estar presente ali naquele ambiente virtual como num passe de mágica. A tendência é que o uso de avatares vá trazer maior engajamento da força de trabalho, aumentando assim sua produtividade e seu grau de satisfação. Não obstante, ao mesmo tempo que a manipulação de um avatar vai inevitavelmente trazer a sensação de entretenimento, ao adicionar um elemento de jogo acrescenta-se também um sentido de colaboração. É como se naquele momento se estivesse fazendo parte de um time, e para vencer o jogo é preciso incentivar os colegas pois é impossível vencer sozinho num esporte coletivo.

É natural se perguntar de que forma as ações de avatares e de seus operadores podem ser controladas no ambiente de trabalho. Reeves argumenta que parte da atração para a geração que já dedica bastante tempo em mundos virtuais e em videogames é um certo sentimento de anarquia. Porém quando se fala em transportar as sensações de entretenimento para o universo do trabalho, é importante garantir a aderência aos valores que norteiam a conduta e os objetivos da corporação. E nessa mesma linha de raciocínio, há questões éticas que surgem no que concerne à interação de avatares, e que certamente deverão ser discutidas à medida que esse espaço de convivência é melhor compreendido. O uso de avatares no ambiente de trabalho certamente demandará reflexões de natureza conceitual, tanto quanto o que já ocorre no que concerne à convivência no chamado ciberespaço. Afinal, trata-se de mais uma forma de convivência virtual.

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Investimentos e Notícias (São Paulo), 19/01/2010, 09:24hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/o-uso-de-avatares-no-ambiente-de-trabalho.html

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