Páginas

terça-feira, 1 de junho de 2010

Recursos Educacionais Abertos e a Abertura no Ensino Superior


Recursos Educacionais Abertos e a Abertura no Ensino Superior

E-mailImprimirPDF
O setor de serviços financeiros tem sido alvo constante de disrupção por revoluções tecnológicas que introduzem novas tecnologias para lidar com a informação, desde a invenção do telégrafo até as redes de acesso bancário a partir de smartphones. De forma semelhante, a indústria fonográfica assim como a indústria do cinema têm sido forçadas a enfrentar mudanças radicais desde quando a informação uma vez codificada em vinil, fitas magnéticas, e depois discos a laser, passou a se desvencilhar de um meio físico e assumiu para si mesmo a constituição especial de dados digitais intangíveis, passíveis de serem copiados e livremente distribuídos. Informação também se constitui no ingrediente chave da atividade fim das instituições educacionais, sobretudo as de ensino superior engajadas em atividades de pesquisa, na medida em que, por força de missão, criam e disseminam conhecimento. É de se perguntar o quanto o setor de educação superior tem sido afetado pelas mesmas forças que transformaram outros setores como o de serviços financeiros, a música, e o filme.
Conforme relatório recente intitulado “Harnessing Openness to Improve Research, Teaching and Learning in Higher Education” (2009), produzido pelo “Digital Connections Council” do “Committee for Economic Development” (CED), tem havido mudanças porém a um ritmo bem mais lento, particularmente no que diz respeito ao ensino e ao aprendizado. E o ritmo mais lento não se deve à possível ausência de inovação tecnológica, mas sim à resistência a um maior grau de abertura no acesso e na produção de material educacional. Se, por um lado, o grau de abertura dos setores de serviços financeiros e da indústria de mídias tem aumentado por força das transformações tecnológicas disruptivas, por outro lado, ainda há um enorme potencial a ser explorado através do uso de material digital, tanto para alunos quanto para professores. Uma maior ênfase no desenvolvimento dos chamados “recursos educacionais abertos” (em inglês, “open educational resources”, abrev. “OER”) pode trazer ganhos significativos no rendimento e no alcance tanto do ensino quanto do aprendizado.
Segundo a Wikipedia, o termo “open educational resources” foi primeiro adotado em 2002 pela UNESCO no “Forum on the Impact of Open Courseware for Higher Education in Developing Countries” financiado pela William and Flora Hewlett Foundation. OER’s são oferecidos livre e abertamente para que qualquer um possa usar e, sob licenças específicas para cada caso, remixar, melhorar e redistribuir. Exemplos mais conhecidos de OER’s são os OpenCourseWare (OCW) produzidos e disponibilizados gratuitamente pelo MIT.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define um OER como: “material digitalizado oferecido livre e abertamente a educadores, estudantes, e autodidatas para uso e reuso no ensino, no aprendizado e na pesquisa, incluindo conteúdo, ferramentas de software para desenvolver, usar, e redistribuir conteúdo, e recursos de implementação tais como licenças abertas.” A bem da verdade, o termo OER se refere a uma ampla gama de material, desde cursos completos a módulos da magnitude de um exercício, de vídeos de aulas a cursos na íntegra, de livros-texto a material de leitura. Um OER pode incluir jogos, enciclopédias, imagens e videos, podendo ser disponibilizado online ou através de um mecanismo de distribuição física ou em broadcast. Em se tratando de material digital, OER’s trazem consigo toda a inerente maleabilidade dos objetos digitais.
É de se esperar que, com base na conectividade da internet, o acesso a conteúdo atualizado e de alto nível se consolide como de grande alcance não apenas geográfico, mas sobretudo social. E, contando com a interatividade da chamada Web 2.0, abre-se a possibilidade de participação numa escala global. Some-se a tudo isso a chegada de estudantes da geração dos “nativos digitais” aliada à transformação da internet passando de um meio de acesso à informação para um elemento fundamental de uma cultura participativa que incentiva cada indivíduo a dar sua própria contribuição, e tem-se aí uma receita para se colher frutos de uma atitude de maior abertura por parte de instituições de ensino superior, seja ela pública ou privada.
Não se espera que os OER’s substituam por completo os materiais educacionais proprietários que, aliás, têm se tornado cada vez mais digitais. São várias as questões que ainda pairam sobre os OER’s, a começar pela assimetria entre produtor e consumidor: ao invés de guiada somente pela oferta, a produção deveria ser igualmente tracionada pela demanda. Além do mais, há que se criar mecanismos de medição do impacto do uso de OER’s assim como ferramentas de participação livre, tais como as que dão suporte às wikis. No plano conceitual, é preciso repensar as regras que determinam os protocolos de acesso correspondentes aos direitos autorais de forma a dar espaço para que o fenômeno da inteligência coletiva funcione em favor do desenvolvimento e atualização constantes dos OER’s. Da mesma forma que abordagens à sustentabilidade estão sendo desenvolvidas para dar suporte a software de código aberto e a revistas científicas de acesso aberto, será preciso criar um arcabouço que venha a assegurar o desenvolvimento e a distribuição sustentáveis de OER’s de alta qualidade, livres, academicamente rigorosos, e pedagogicamente íntegros.
A palavra chave é, sem dúvida, abertura. Elliot Maxwell, coordenador do projeto do CED que culminou com o relatório supramencionado, afirma que “a criação e o uso de OER’s reforça a visão do aprendizado como uma atividade social colaborativa e ilustra o potencial para se produzir novos e ‘customizáveis’ materiais educacionais disponíveis onde quer que a internet alcance.” É como se os OER’s se configurassem como a força por trás de uma maior abertura no ensino superior.
Em palestra recente no Berkman Center (Harvard) intitulada “Openness: How Increasing Accessibility and Responsiveness Can Transform Processes and Systems” (11/05/10), Maxwell começa lembrando que o termo “aberto” tem sido usado em muitos contextos – código aberto, padrões abertos, acesso aberto, arquitetura aberta, espectro aberto – e chama à atenção para a influência da cultura participativa da internet interativa na caracterização contemporânea do que seria “abertura” num contexto mais amplo. De que forma modelos abertos se distinguem de modelos mais tradicionais, e qual seria o verdadeiro apelo da abertura? No final das contas, a palestra analisa o quanto que a tecnologia da informação e a internet têm propiciado maior abertura, além de abrir espaço para uma nova teoria de valor baseado no uso e no compartilhamento, tudo isso sem esquecer os problemas associados a uma maior abertura, tampouco o quão a abertura pode servir como uma lente para examinar assim como uma ferramenta para promover uma reengenharia de domínios institucionais e de políticas.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Nenhum comentário: