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terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Rastreamento de Dados do Internauta Infantil


O Rastreamento de Dados do Internauta Infantil

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Novos avanços tecnológicos da última década na indústria do anúncio na internet têm levado a privacidade de crianças a um nível de risco cada vez maior. Nos dias de hoje as crianças crescem num ambiente de mídias digitais ubíquas no qual dispositivos móveis, sistemas de mensagem instantânea, redes sociais, realidade virtual, avatares, vídeo games interativos, e vídeo online têm se tornado parte integrante de suas experiências pessoais e sociais. A convivência online é uma realidade, e alguns números refletem isso: segundo a revista Advertising Age, mais de 16 milhões de crianças americanas entre 2 e 11 anos estão online, o que significa um crescimento de 18% no período de 2004 a 2009, o maior percentual de crescimento entre as faixas etárias, segundo um relatório da Nielsen intitulado “On-Demand Generation Will Pay to Play”, de Abril de 2010. O mesmo relatório informa que, numa pesquisa conduzida em Julho de 2009, foi constatado que o tempo que as crianças de 2 a 11 anos passam conectadas cresceu de 7 horas para 11 horas por semana. Por outro lado, um estudo da comScore revelou que, no Brasil, em Maio de 2010, os usuários de internet na faixa etária de 6 a 14 anos já representavam cerca de 12% da população online.
Uma matéria de 17/09/10 do Wall Street Journal (“On the Web, Children Face Intensive Tracking”, por Steve Stecklow) revela que diversos dos mais populares portais voltados para o público infantil têm feito intenso uso de tecnologias de rastreamento de hábitos de navegação com o objetivo de formar perfis de usuários, muito mais até do que os portais destinados ao público adulto. Quando o Congresso Americano aprovou, em 1998, a lei de proteção à privacidade online da criança (“Children Online Privacy Protection Act”, abrev. COPPA), o único meio de acesso aos serviços online e de internet era o computador. Hoje, no entanto, as crianças dispõem de muitas outras vias de acesso a esse universo virtual. Por essa razão, diversas entidades americanas, lideradas pelo Center for Digital Democracy, submeteu uma solicitação de pronunciamento público à Federal Trade Commission (FTC), em 30/06/10, com respeito à atualização dos procedimentos da FTC relativos ao cumprimento do COPPA, assim como a tão desejada e já iniciada atualização da própria lei, face às novas circunstâncias. No documento, as demandantes urgem a FTC a esclarecer ou definir certos termos usados no COPPA e nas regras da FTC, e a assumir um papel mais pró-ativo na transparência e informação ao público sobre como os marqueteiros estão coletando e usando informações e sobre indivíduos.
Em sua essência, o COPPA proíbe os operadores de portais de, em sã consciência, coletar informações pessoalmente identificáveis de crianças menores de 13 anos sem o consentimento explícito dos pais. A lei exige também que esses operadores coletem apenas informações pessoais que sejam “razoavelmente necessárias” para uma atividade online. Tendo sido aprovado em 1998, mas somente vigorando a partir de 2000, o COPPA prevê que informações pessoais incluem nome completo, endereço residencial ou eletrônico, número de telefone ou o número de seguridade social. A intenção foi dar aos pais o controle sobre as informações coletadas de seus filhos online, e sobre como essas informações são usadas e compartilhadas.
Com a chegada dos navegadores lá pelos idos de 1993, muitas foram as tentativas de conceber modelos de negócio que pudessem transformar em receita as visitas de usuários a páginas na internet. O grande acontecimento nessa área foi sem dúvida o fato de a Google ter forjado, na virada do milênio, o modelo de negócios que veio a dominar a web até os dias de hoje, oferecendo uma variedade de serviços de internet altamente atraentes e a custo zero, desde busca, passando por mapas, até correio eletrônico, que acabam sendo, na realidade, financiados através de um sistema de anúncios altamente sofisticado e lucrativo. É fato também que desde o início a indústria do anúncio na web percebeu o valor do direcionamento e da relevância do anúncio para o consumidor alvo. Os sistemas de recomendação, que tiveram na Amazon.com um pioneiro, têm desde então quase que removido as barreiras entre o comércio e o consumidor ao fazer marketing de compras futuras baseado em escolhas anteriores. É daí que começam a surgir as tecnologias de rastreamento do internauta, que permitem maior eficácia no direcionamento da propaganda. A rigor, embora extremamente ubíquo nos dias de hoje, o rastreamento de hábitos de navegação e de compra se tornou possível quando o Netscape introduziu os minúsculos arquivos de texto conhecidos como “cookies”, com o propósito de propiciar mais conveniência ao internauta memorizando conteúdos de carrinhos de compra na web, além de outras informações que pudessem oferecer uma melhor experiência, tais como a memorização da própria senha de entrada num portal que não precisaria ser fornecida novamente numa segunda visita.
Naquela época, a indústria do anúncio online se encontrava em sua primeira infância. À medida que os anúncios na web começaram a aparecer mais intensamente durante o boom da era ponto-com do final dos anos 1990’s, os anunciantes compravam espaços para seus anúncios com base na proximidade do conteúdo das páginas nas quais esse espaço era oferecido. Atualmente, os anunciantes estão dispostos a pagar um preço adicional para poder seguir seu público alvo onde quer que ele esteja, com mensagens altamente específicas. O fato é que hoje o consumidor alvo, seja ele adulto, criança ou adolescente, dispõe de diversas formas de acesso à internet além do computador pessoal, e serviços online incluindo aparelhos celulares, consoles de videogame, e televisão interativa, e as novas tecnologias de anúncio se tornam cada vez mais sofisticadas e ubíquas.
Segundo matéria publicada em 30/07/10 no Wall Street Journal (“The Web's New Gold Mine: Your Secrets”, por Julia Angwin), o rastreamento de consumidores é a base de uma economia de anúncios online que movimentou 23 bilhões de dólares em gastos com propaganda no ano passado. E nesse contexto, a atividade de rastreamento cresce a passos largos: pesquisadores dos AT&T Labs e do Worcester Polytechnic Institute encontraram, em 2009, tecnologia de rastreamento em 80% de 1.000 portais populares, percentual que se encontrava em 40% daqueles portais em 2005.
As minúsculas ferramentas de rastreamento são, de modo geral, utilizadas pelas empresas de coleta de dados para seguir as pessoas em seus movimentos de navegação na rede. A partir dessas informações as empresas montam perfis detalhando suas atividades online, que adquirem um alto valor agregado sobretudo para os anunciantes. Esses perfis não incluem nomes, mas podem incluir idade, preferências, hobbies, hábitos de compra, raça, propensão a participar de blogs através de comentários, e até a localização geográfica a nível de cidade.
Em geral, vender esses dados não é ilegal, porém desperta enorme controvérsia, principalmente quando envolve crianças ou adolescentes. No final das contas, independentemente da legislação existente, a verdadeira proteção a crianças e adolescentes contra a venda e o mau uso de seus dados pessoais deve ser mesmo a educação sobre o que está envolvido nesse mundo das tecnologias de rastreamento. Como diz danah boyd, pesquisadora do Berkman Center (Harvard), em seu artigo “How COPPA Fails Parents, Educators, Youth” (10/06/10), para que as boas intenções de uma legislação como o COPPA venham a surtir efeito, é preciso “encontrar maneiras de ajudar os cidadãos digitais a entender como suas informações são utilizadas, que direitos eles têm, e como as políticas que existem afetam suas vidas”.
 
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

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