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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Declaração de Direitos aos Dados de Saúde

SOCIEDADEPublicada em 25/06/2009 às 12h45m

Declaração de direitos aos dados de saúde

Artigo do leitor Ruy de Queiroz

Um dos passos mais importantes na reforma do sistema americano de assistência médica é a criação de um sistema eletrônico que permitirá o compartilhamento de informações de paciente para médico, de médico para médico, de instituição médica (hospital, clínica, laboratório etc) para médico e vice-versa.

Na base de tal sistema está o conceito de "prontuário eletrônico de saúde" (em inglês, "electronic health record", abreviado EHR), que se refere a um sistema eletrônico concebido com o propósito de coordenar o armazenamento e a recuperação de "prontuários médicos eletrônicos" (em inglês, "electronic medical records", abrev. EMR), estes útlimos, por sua vez, podendo vir de diversas fontes e localizações. Tudo isso de tal forma que o acesso a tais registros frequentemente se dá através de uma rede (múltiplos termos têm sido usados para se referir aos registros eletrônicos de cuidados médicos de um paciente, causando uma certa instabilidade na terminologia, porém EHR parece ter prevalecido em inglês, enquanto que "prontuário médico eletrônico" tem sido mais usado em português).

Em 24/02/09, em seu pronunciamento no Congresso americano, o presidente Barack Obama declarou que o plano de recuperação econômica investiria em EHR's e nova tecnologia que levaria a uma redução de erros, reduziria os custos, asseguraria a privacidade dos pacientes, e salvaria vidas. Concretamente, a lei HITECH prevê incentivos sob forma de pagamento a clínicos que adotem e façam "uso significativo" de EHR's. Por outro lado, os que decidam não utilizá-los terão reduzidos seus pagamentos pelo sistema público Medicare.

Uma questão delicada tem despertado a atenção de diversos especialistas em privacidade de pacientes: a quem pertencem as informações armazenadas num prontuário médico eletrônico? Fontes diversas têm apontado para possíveis conversações entre médicos, instituições médicas e outros atores envolvidos no projeto de EHR's no sentido de fazer lobby em favor de uma lei impondo restrições ao acesso do paciente a partes de seu EHR.

Em um manifesto em favor dos direitos sobre informações de saúde ("A Manifesto on Health Data Rights", 22/06/09), Tim O'Reilly, editor do portal "O'Reilly Radar", se declara surpreso com a reação de um membro do Congresso americano que, ao se referir à questão, afirmou: "quando eu ainda estava exercendo a clínica médica, eu considerava esses registros como sendo 'minha propriedade'." Afinal de contas, disse o médico no exercício da política, aquelas eram suas anotações, sua análise do paciente.

Reação possivelmente representativa de médicos, que, admita-se, poderiam não desejar que fosse revelado o que registraram sobre o cidadão, do ponto de vista do paciente tal posição soa um tanto impalatável. Como diz O'Reilly, na posição de paciente sempre assumimos que nossos registros médicos seriam algo a que teríamos o direito irrestrito de acesso, incluindo seu compartilhamento com outros médicos. Apenas o fato de que a maior parte desses registros estão em forma de papel justificaria a dificuldade de compartilhá-los, mas com a viabilização do acesso eletrônico a situação seria completamente diferente.

Em reação a uma possível legislação que formalize tais restrições de acesso, o portal HealthDataRights.org faz uma convocação para "Uma declaração de direitos aos dados de saúde": "numa era em que a tecnologia permite que as informações pessoais de saúde sejam mais facilmente armazenadas, atualizadas, acessadas e intercambiadas, os seguintes direitos deveriam ser auto-evidentes e inalienáveis. Nós, as pessoas:

1) temos o direito a nossos próprios dados de saúde; 2) temos o direito de saber a fonte de cada elemento dos dados de saúde;

3) temos o direito de tomar posse de uma cópia completa de nossos dados individuais de saúde, sem delongas, a um custo mínimo ou inexistente; se os dados existem em forma computável, eles devem ser disponibilizados nessa forma;

4) temos o direito a compartilhar nossos dados de saúde com outros à medida que nos convém;

5) esses princípios expressam direitos humanos básicos assim como elementos essenciais de assistência médica que sejam participatórios, apropriados e de interesse de cada paciente. Nenhuma lei ou política deveria abreviar esses direitos."

Trata-se de um conjunto de princípios fundamentais que devem prevalecer qualquer que seja o formato do sistema de prontuário médico eletrônico a ser adotado, qualquer que seja o país que venha a implantá-lo a serviço de seus cidadãos.

Ruy J.G.B. de Queiroz é professor associado do Centro de Informática da UFPE

O Globo Online, 25/06/2009, 12:45hs, http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/06/25/declaracao-de-direitos-aos-dados-de-saude-756510175.asp

2 comentários:

Adolfo Neto disse...

Declarar os direitos é fácil.

Como garantir que serão respeitados???

Ruy de Queiroz disse...

Adolfo,
Tua preocupação é extremamente relevante. Mas, permita-me citar o comentário de Tim O'Reilly sobre o Manifesto: "Você pode estar se perguntando se um manifesto aparentemente inócuo como esse pode ter um impacto sobre as deliberações do governo, mas basta olhar para um outro manifesto semelhante, emitido no final de 2007 por um grupo de ativistas da transparência de dados num encontro organizado por Carl Malamud em public.resource.org no portal O'Reilly, com apoio da Google, da Yahoo! e da Sunlight Foundation, os 8 Princípios dos Dados Abertos. Foi extremamente gratificante ver recentemente o blog da Casa Branca considerar o compromisso da administração Obama a esses princípios.
Ou considere o princípio da Robustez da RFC 761, o compromisso com a interoperabilidade que propiciou um padrão filosófico para a Internet, e tem ajudado a garantir sua extraordinária capacidade de superação.
Manifestos de princípios têm sua importância. Podemos não ter ainda nenhuma idéia de qual formato exato que um sistema aberto de saúde vai ter, mas não precisamos. Se estabelecermos os princípios subjacentes da troca aberta, o mercado pode destrinchar os detalhes.
A troca de dados de saúde vai disparar uma das grandes oportunidades da próxima década. Vamos fazer acontecer!"