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terça-feira, 9 de junho de 2009

Startups criam Empregos

OPINIÃO / ARTIGO

Startups criam empregos

POSTADO ÀS 12:17 EM 08 DE JUNHO DE 2009

Por Ruy de Queiroz

Conforme a Wikipedia, uma “startup” (ou “start-up”) é uma empresa com uma história de operação limitada. Essas empresas, geralmente recém-criadas, estão numa fase de desenvolvimento e pesquisa por mercados, e por essa razão não têm acesso a crédito nos moldes tradicionais. É aí que entram os investidores de capital privado (investidor anjo, capitalista de aventura, etc.), que são atraídos pela relação entre risco e recompensa, além da escalabilidade de tais empresas: se, por um lado, os riscos são maiores, por outro lado, os custos de inicialização são mais baixos e o retorno no investimento é potencialmente recompensador. Startups bem sucedidas são frequentemente mais escaláveis que empresas já estabelecidas porque tipicamente crescem mais rapidamente mesmo com limitações de capital e de força de trabalho.

A empresa deixa de ser uma startup à medida que sobrevive às diversas fases de evolução, desde o período verdadeiramente inicial chamado “vale da morte” em função do altíssimo risco enfrentado, até se tornar rentável ou entrar no mercado de bolsa de valores através de um IPO (abreviação de “initial public offering”, oferta pública inicial), ou ainda deixar de existir como uma entidade independente através de uma fusão ou aquisição por empresa maior. O termo é usualmente associado a empresas de tecnologia com alto potencial de crescimento, e se tornou popular internacionalmente durante o período do estouro da bolha ponto-com quando um grande número de empresas de internet foram fundadas. A maior concentração da atividade de criação de startups está localizada no Vale do Silício, uma região no norte da Califórnia em torno da Stanford University.

Em meio a um recorde de desemprego, um estudo de Janeiro passado do US Census Bureau financiado pela Ewing Marion Kauffman Foundation já mostrava que empresas startups são um principal ator na criação de empregos. As “Estatísticas de Dinâmica de Negócios” (Business Dynamic Statistics) indicam que enquanto as startups de negócios diminuem levemente na maioria das baixas cíclicas, tais empresas permanecem robustas mesmo na mais severa recessão durante o mesmo período de amostragem (no início dos anos 1980s).

Os dados das BDS mostram que o emprego contabilizado ao setor de empresas privadas startups dos EUA durante o período 1980-2005 foi de cerca de 3% por ano. Embora ainda uma pequena fração do total de empregos, esses postos de startups refletem novos empregos, que é uma grande percentagem comparada com a média anual líquida de crescimento de empregos no setor privado nos EUA para o mesmo período (cerca de 1,8%). Tal padrão implica que, se forem excluídos os empregos das novas empresas, a taxa líquida de crescimento do emprego nos EUA é negativa na média. Em outras palavras, o relatório indica que, de 1980 a 2008, as startups, definidas nesse caso como empresas com menos de 5 anos, foram responsáveis por todo o crescimento líquido de empregos nos EUA.

Um relatório mais recente da Kauffman (“High Growth and Failure of Young Firms”, 07/04/09) mostra que empresas muito jovens (um ano de existência) apresentam uma taxa de crescimento do emprego de cerca de 15%, caso sobrevivam, mas cerca de 20% dos empregos são perdidos devido ao fechamento de negócios durante o primeiro ano. Empresas mais maduras (29 anos ou mais), por outro lado, criam empregos a uma taxa de cerca de 4%, e têm uma taxa semelhante de perda de empregos devido ao fechamento. Um dado interessante é que, entre as empresas sobreviventes, as taxas médias de crescimento do emprego diminuem com a idade da empresa.

Segundo Robert Litan, vice-presidente de Pesquisa e Política da Kauffman Foundation, “como empresas empreendedoras geralmente assumem riscos maiores e têm o potencial de criação de empregos que corresponde a crescimento rápido, os dados revelam a necessidade de que se assegure um ambiente que permita aos empreendedores acesso a financiamento, orientação e outros recursos que os ajudará a sobreviver e progredir.” E foi nesse espírito que, em palestra recente ao Programa de Empreendedorismo da Stanford University (“Emerging Opportunities in a Post IT Marketplace”, 11/02/09), Thomas Siebel lembrou que no perído de 1980 a 2000, a indústria da tecnologia da informação, impulsionada por uma lei tecnológica (“Lei de Moore”) e uma lei jurídica (“Bayh-Dole Act”), experimentou um crescimento anual sem precedentes de 17%. Naquele período vigoravam nos EUA políticas públicas extremamente favoráveis a investimentos de risco. “Risco era um problema dos negócios, não um anátema.”

A Lei de Moore (“o número de transistores que podem ser colocados a custo razoável num circuito integrado cresce exponencialmente, duplicando aproximadamente a cada dois anos”) levou a um ambiente em que as oportunidades de negócios pareciam não ter limite. Mudanças na tecnologia eram substituições totais, ao invés de incrementais, o que significava que todo cliente tinha que comprar e continuar comprando ou se ver ficando para trás na obsolescência.

A Lei Bayh-Dole de 1980 permitiu que as universidades poderiam escolher reter o título de invenções desenvolvidos sob programas com fundos federais, desde que (1) o produto resultante fosse substancialmente produzido nos EUA, (2) ao comercializar uma invenção, a universidade deveria dar preferência a empresas pequenas (menos de 500 empregados), (3) a universidade deveria compartilhar com o(s) inventor(es) uma parte da receita recebida do licenceamento. E o resultado foi incentivo à inovação, empreendedorismo, a absorção de conceitos amplos tais como propriedade do empregado de base ampla, e um ambiente regulatório largamente favorável aos negócios.

Mas, segundo aponta o relatório, e é repetido num artigo do Wall Street Journal (“Start-Ups Create - And Lose - The Most Jobs”, 07/04/09), em termos de crescimento e sobrevivência, empresas jovens estão melhores e piores que empresas mais maduras. E esse padrão “sobe e desce” enfatiza a natureza de tentativa e erro das empresas jovens que parece ser uma característica inerente à dinâmica de negócios nos EUA.

Em artigo recente no portal VentureBeat.com (“StartUpHire says venture-backed startups really do create Jobs”, 20/05/09), Anthony Ha revela alguns números representativos da oferta de empregos das startups: o portal StartUpHire diz que atualmente lista mais de 10.000 empregos em 2.500 empresas. Por sua vez, o portal Startuply lista 1.037 empregos em 957 startups. Geograficamente, 37% desses empregos estão na Califórnia, e em termos do tipo de indústria, 31% estão em software, sem falar nos 18% em “IT Services” (“serviços de tecnologia da informação”. Os números confirmam o papel do Vale do Silício e da Stanford University no espetacular desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, sobretudo na área da tecnologia da informação.

Conforme o portal do “Office for Technology Licensing” (OTL) de Stanford, o mundo pensa no Vale do Silício como o um dos maiores centros de atividade de start-up e que a comunidade de Stanford desempenha um papel importante, e isso é verdadeiro pois a mair parte das startups "Stanford" são criadas por ex-alunos de Stanford que se graduam e se tornam empreendedores. Embora a grande maioria dessas empresas sejam formadas sem o envolvimento de Stanford, muitas brotaram da Universidade pelas mãos de professores e estudantes, tomando por base tecnologias criadas no campus.

Desde a criação do OTL em 1970, Stanford registra um histórico invejável: 546 invenções renderam royalties; das 7500 revelações (“disclosures”) de invenção, 2814 estão ativas, e 36 delas renderam mais de US100 mil em royalties, das quais 3 ultrapassaram a marca dos US$1 milhão. No período 2007–2008, o OTL permitiu que Stanford recebesse mais de US$62,5 milhões em receita bruta de royalties de 344 tecnologias. Nesse mesmo período o OTL concluiu 107 novas licenças e avaliou 430 novas descrições de invenção em 2008.

O trecho de uma palestra de Larry Page (co-fundador da Google) proferida em 2002 no Programa de Empreendedorismo de Stanford traduz bem a relação entre conhecimento e empreendimento que predomina em Stanford: “A ciência como inspiração”. Page diz que “há tremendas oportunidades para se usar pesquisa básica e boas idéias que você ou outras pessoas tenham.” Em trecho de documentário sobre Stanford e o “Novo Renascimento” (“Silicon Valley: A 100 Year Renaissance”, 1998), o ex-reitor e hoje Editor da revista Science, Donald Kennedy, declara que “Stanford sempre teve afeição por aplicações assim como por teoria”.

Nesse espírito e em nota triste, porém emblemática, registre-se aqui que Rajeev Motwani, ex-orientador de doutorado de Larry Page e Sergey Brin (co-fundadores da Google), Professor de Ciência da Computação de Stanford, morreu em 05/06/2009 num acidente na piscina em sua casa na Califórnia. Motwani era muito conhecido por sua pesquisa em Computação Teórica, a ponto de em 2001 ter sido um dos agraciados com o prestigioso Prêmio Gödel, além do Okawa Foundation Research Award e da Arthur Sloan Research Fellowship.

Foi também um ávido investidor anjo, um dos primeiros investidores na Paypal, um consultor especial da Sequoia Captial, e tinha fundado ou ajudado a fundar várias startups bem-sucedidas que saíram de Stanford, incluindo Google, e outras ainda em fase de desenvolvimento como TokBox, Tapulous, Flowgram, Anchor Intelligence, Simply Hired, e Kaboodle. Atuava como membro do conselho de diretores de diversas startups, tais como Mimosa Systems, Adchemy, Baynote, Vuclip e Stanford Student Enterprises, além de ser membro ativo da Business Association of Stanford Engineering Students (BASES). Em seu blog, Sergey Brin declara que “desde que a Google emergiu de Stanford, Rajeev permaneceu um amigo e conselheiro da mesma forma que foi com muitas pessoas e startups desde então.”

Tudo indica que o equilíbrio entre a busca do conhecimento e a sua transformação em empreendimento é o grande segredo do sucesso de Stanford. Sem maniqueísmos do tipo “a academia é distanciada da realidade”, ou “o mercado não se interessa pela descoberta do conhecimento”, Stanford segue adiante sem sucumbir ao espírito do dono da galinha dos ovos de ouro. Oxalá exemplo tão nobre seja seguido por muitos!

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 08/06/2009, 12:17hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/06/08/startups_criam_empregos_47967.php

Investimentos e Notícias (São Paulo), 08/06/2009, 07:30hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?parms=2528369,408,100,3

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Uso de Cookies e a Violação da Privacidade - O Caso NebuAd

ARTIGO / OPINIÃO

O uso de cookies e a violação da privacidade - o caso NebuAd

POSTADO ÀS 08:14 EM 01 DE JUNHO DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

A indústria do anúncio online está no cerne da economia da internet. Conforme um levantamento recente da PriceWaterhouseCoopers (“IAB Internet Advertising Revenue Report”, Março 2009), as receitas com anúncio online continuam a bater recordes: nos EUA chegaram a U$6,1 bilhões no último trimestre de 2008, um aumento de 4,5% em relação ao trimestre anterior (US$5,8 bilhões) e de 2,6% em relação ao último trimestre de 2007 (US$5,9 bi). As receitas totais em 2008 atingiram a marca de US$23,4 bilhões, 10,6% a mais que os US$21,2 bilhões registrados em 2007.

Segundo Randal Rothenberg, CEO da Internet Advertising Bureau, “estamos assistindo a um deslocamento secular contínuo [da propaganda] das mídias tradicionais para a mídia online à medida em que os marqueteiros reconhecem que os dólares de anúncios investidos na mídia interativa são eficazes em influenciar consumidores e em produzir resultados mensuráveis. Nessa economia de incertezas, onde marqueteiros sabem que precisam fazer mais com menos, o anúncio interativo provê as ferramentas para que eles possam construir relacionamentos profundos e envolventes com os consumidores – a experiência que os marqueteiros ganham com isso lhes trará dividendos especialmente depois que a economia volte ao ritmo normal.”

Um relatório recente da Nielsen confirma a tendência: se, por um lado, o investimento em anúncio online por parte do setor financeiro, vendas a varejo e automóveis diminuiu a um passo forte nos últimos seis meses, por outro lado, os fabricantes de produtos empacotados, a indústria farmacêutica e as empresas de telecomunicações, 3 dos maiores investidores em propaganda, estão vindo para a internet num ritmo nunca visto. Com tudo isso, no entanto, a indústria do anúncio online mostrou também que, mesmo não estando livre da recessão econômica, vem sofrendo menos que o restante da economia.

Os números divulgados em 01/05/09 pelas 4 maiores arrecadadoras de receitas com anúncio online (Google, Yahoo, Microsoft, e AOL) sobre o 1º trimestre de 2009 revelam uma queda de 2% em relação ao ano anterior, e de 7% em relação ao último trimestre de 2008. O fato é que o ritmo de crescimento dessa indústria tem desacelerado desde o início da crise, mas esse é o primeiro trimestre a experimentar um verdadeiro declínio em receitas. Somente a Google não teve resultado negativo.

A bem da verdade, a propaganda na internet tem suas vantagens: (1) oferece publicação imediata de anúncios sem limitação de geografia ou de tempo; (2) pode ser personalizada através do rastreamento de usuários espacialmente sobre diferentes portais e sobre o tempo; (3) oferece mais facilidade para se mensurar o interesse do consumidor nos anúncios através da contagem de “clicks” sobre o anúncio. Em nome da usabilidade e da monetização de seus portais, empresas de conteúdo de internet normalmente interagem com domínios de terceiros para integrar anúncios e daí gerar receita. Na verdade, um novo modelo de negócios baseado em anúncios online criou novas oportunidades para blogueiros, jornais, e aplicações web.

Até mesmo os usuários têm sido beneficiados pelo anúncio online pois ele financia o acesso livre a conteúdo e serviços de valor inestimável. Por exemplo, jornais oferecem artigos gratuitamente online e geram receita a partir dos anúncios. Igualmente, a Google oferece um serviço de correio eletrônico (Gmail) competitivo e gratuito, que exibe anúncios e assim gera receita. Além disso, aos usuários os anúncios online podem trazer informações relevantes, especialmente se o anúncio for direcionado. É por essa razão que, para melhorar a relevância dos anúncios e garantir uma melhor experiência online ao usuário, os anunciantes fazem uso de tecnologias de rastreamento das atividades do usuário por meio da gravação de pequenos arquivos conhecidos como “cookies” no sistema de arquivos do usuário.

Segundo a Wikipedia, um cookie é uma cadeia de texto armazenada no computador do usuário por um navegador contendo um ou mais pares ‘nome-valor’ de informações tais como preferências do usuário, conteúdo de carrinho de compras eletrônico, identificador de uma sessão baseada em servidor, ou outros dados usados por portais. É normalmente enviado como um cabeçalho do protocolo HTTP por um servidor para um cliente web, e aí enviado de volta sem alteração pelo cliente a cada vez que ele acessa aquele servidor.

O termo "cookie" tem origem no conceito "magic cookie" do sistema operacional UNIX que se referia a um mecanismo de troca de dados entre programas através de um arquivo curto de modo que seu conteúdo tipicamente não tinha significado para o receptor mas serviria para o emissor ao recebê-lo de volta e reabri-lo. Por essa característica “opaca” ao receptor, porém com conteúdo significativo para o emissor, esse arquivo ganhou o nome de cookie em referência ao “fortune cookie” (biscoitinho da sorte).

Os cookies enviados ao servidor que hospeda a página visitada são chamados de “cookies de primeira” (em inglês “first-party cookies”), e são usados pelos servidores para memorizar o estado da conexão, de modo a identificar o usuário numa visita posterior. Como as páginas web podem conter referências a componentes necessários para a boa exibição da página (por exemplo, imagens ou anúncios), os navegadores frequentemente emitem solicitações adicionais através do protocolo HTTP especificamente para esses elementos, que podem estar armazenados em outros domínios.

Estes últimos, por sua vez, podem vir a enviar cookies ao usuário, e esses são os chamados “cookies de terceiros” (em inglês, “third-party cookies”), que vão permitir o rastreamento do usuário por parte de terceiros. Conforme sua função, os cookies são classificados em cookies de sessão (que não têm data de validade, mas expiram após o término da sessão), e os cookies persistentes aos quais está associada uma data de expiração.

Em geral, essa “intrusão” pode ser evitada ou controlada pelo próprio usuário através de comandos ou opções disponíveis no software de navegação na internet. Há, no entanto, casos em que o rastreamento excessivo e até subliminar leva a uma ameaça séria de invasão de privacidade. Um desses casos, aliás, um tanto emblemático, parece ter chegado a um desfecho recentemente: a NebuAd, uma empresa americana de propaganda online baseada em Redwood City, California, com escritórios em Nova York e Londres, e com investimentos de Sierra Ventures e de Menlo Ventures (dois grandes nomes do chamado “capital de risco”), após ter sua sentença de morte anunciada desde que o Congresso americano a forçou a mudar sua estratégia de rastreamento do usuário através do provedor de serviços há um ano atrás, finalmente fechou suas portas: em 15/05/09 seus advogados entraram com uma notificação para o Juiz Distrital Edward Chen de San Francisco informando seu fechamento.

A NebuAd surgiu como um dos grandes destaques entre as empresas de desenvolvimento de sistemas de anúncio online baseados em direcionamento comportamental associados a acordos com provedores de serviços de modo a lhes habilitar a analisar os hábitos de navegação dos clientes com o objetivo de fornecer anúncios mais relevantes e micro-direcionados. Outras empresas atuando no setor incluem a britânica Phorm, também alvo de acusações de invasão de privacidade, Perftech, Quarad e Front Porch, além das mais recentes Adzilla e Project Rialto. Num certo momento, a NebuAd contava com mais de 30 clientes, na maior parte provedores de acesso à internet, e seus acordos com os provedores cobriam cerca de 10% dos usuários de banda larga dos Estados Unidos.

O produto da NebuAd era composto de três partes: (1) um equipamento hospedado no provedor de acesso à internet que era capaz de inserir conteúdo em páginas solicitadas pelo usuário (e poderia monitorar até 50 mil usuários), (2) um servidor complexo utilizado para analisar e categorizar o conteúdo das comunicações realizadas pelo usuário, e (3) relacionamentos com redes de anunciantes que desejassem oferecer a propaganda direcionada da NebuAd. O regime de participação adotava a política de “opt-out”, isto é, o usuário poderia optar por não participar do esquema de monitoramento (e conseqüente melhora da relevância dos anúncios), mas teria que se manifestar.

Não obstante, o usuário não tinha como impedir que o provedor enviasse os dados à NebuAd. Em posição privilegiada, o provedor teria condições de monitorar e analisar, por meio de “deep packet inspection” (inspeção profunda dos pacotes de comunicação, algo como abrir um envelope e observar seu conteúdo, para logo após fechá-lo novamente e repassar adiante) todo o tráfego do usuário.

A política de privacidade da NebuAd, no entanto, dizia que a empresa “especificamente não armazenaria ou usaria qualquer informação relacionada a informação médica confidencial, de origem racial ou étnica, de crenças religiosas, ou de sexualidade que estivessem associadas a informações pessoais identificáveis (‘personal identifiable information’).” Por outro lado, a empresa advertia que "as informações que coletamos são processadas nos servidores da NebuAd nos Estados Unidos. Assim, essas informações podem estar sujeitas a requisições de acesso por parte de governos, cortes ou polícia."

Apesar da receita adicional que permitia aos provedores, e da maior relevância dos anúncios oferecidos ao usuário, a NebuAd parecia estar sempre causando preocupação aos defensores dos direitos à privacidade na internet. Havia questionamentos sobre: (1) a falta de transparência dos provedores em relação ao uso dos serviços da NebuAd, (2) um método “opt-out” fraco (seria possível sair do regime de anúncio direcionado operado pelo provedor, mas não necessariamente do regime de entrega de seus dados à NebuAd), (3) a falta de vigilância sobre o que uma terceira empresa faz com o conteúdo das comunicações via internet, (4) os conflitos entre o serviço da NebuAd e as leis de escuta (“wiretap”) americanas, e (5) a recusa da NebuAd em revelar os provedores com os quais tinha parceria. Finalmente, veio um indício forte de que algo estava errado: em 10/03/2008, um usuário da empresa de internet por cabo Wide Open West (WOW) escreveu para o portal DSLreports.com: “a conexão da WOW está forçando conexões e cookies na minha máquina quando visito a google.com.”

No dia seguinte outro usuário revela suspeita semelhante: “Achei que vocês gostariam de saber, que estou suspeitando de meu provedor, Wide Open West. Sou da área de Chicagoland, e certamente parece que eles estão permitindo que a NebuAD infecte a rede deles (desculpa, - minha interpretação pessoal...estou bem irritado com isso) e alterando páginas para incluir seus cookies de rastreamento. Até onde sei, não recebí qualquer aviso de que eles estariam tentando essa proeza.”

Após a ampla divulgação das suspeitas dos usuários da WOW, e de outros parceiros da NebuAd, os membros da Câmara dos Representantes Edward Markey (Democrata, Massachussetts, Presidente da Subcomissão de Telecomunicações e Internet) e Joe Barton (Republicano, Texas) enviaram em 16/05/08 uma carta à Charter Communications (quarta maior empresa de comunicações por cabo, e parceira da NebuAd), invocando a desistir dos planos de rastreamento de usuários e convocando para uma audiência pública no Congresso americano.

Segundo os signatários, “os planos da Charter Communications de vender informações sobre as atividades online de seus clientes acendem diversas luzes vermelhas. Simplesmente prover um método para usuários sair do regime não é o mesmo que pedir aos usuários para afirmativamente concordar em participar do programa. Essas questões sobre privacidade e o quanto esse empreendimento está consistente com as leis de privacidade nas comunicações devem ser enfrentadas antes que a empresa siga adiante com seus planos."

Nesse momento entra em cena Robb Topolski, o mesmo que, também em 2008, provou que a Comcast estava ludibriando seus clientes e violando a neutralidade da rede, dessa vez como técnico responsável pela investigação da NebuAd promovida por Free Press e Public Knowledge, organizações não-governamentais de defesa dos direitos civis na internet. Em 18/06/09 Topolski divulga um relatório técnico intitulado “NebuAd and Partner ISPs: Wiretapping, Forgery and Browser Hijacking” que conclui que a NebuAd usa equipamento especial que “monitora, intercepta e modifica o conteúdo de pacotes da internet” à medida que os consumidores entram na internet.

Com um registro detalhado dos testes e análises realizados nas páginas dos usuários e dos provedores parceiros, o relatório afirma que “as práticas da NebuAd se parecem com diversas formas de ‘ataques’ em usuários que têm gerado considerável controvérsia e condenação pelos usuários”: seqüestro de navegador, ‘cross-site scripting’ (um tipo de ataque muito usado por cibercriminosos para roubar credenciais de forma extremamente sutil), numeração única do processador para identificar o usuário (realizada pela Intel em 1999), violação de privacidade tal qual a britânica Phorm, geração de perfis realizada em 2002 pela DoubleClick (empresa de anúncio online adquirida pela Google em 2008), ataque do ‘homem-no-meio’ (uma forma de escuta ativa, em que o atacante se põe entre dois interlocutores e se faz passar por um enquanto se comunica com o outro).

Enfim, Topolski conclui que a NebuAd explora os comportamentos de um navegador normal forjando pacotes do protocolo de internet, fazendo com que seus próprios códigos JavaScript sejam injetados no código fonte no qual o navegador confia. E para isso conta com a colaboração do provedor para empreender os ataques contra as intenções do consumidor, contra os projetistas do software do navegador, e contra os donos dos servidores que eles visitam. O código da página web é normalmente baixado completamente a partir de servidores para clientes sobre uma única conexão TCP, e uma vez que a página é baixada, o código obtido é executado pelo cliente.

A execução desse código é o que dispara as operações necessárias para baixar imagens e outros recursos da página, e esse código é considerado seguro porque supostamente veio de uma fonte confiada pelo usuário. Entretanto, o código da NebuAd injetado no código fonte de uma página de outrem é um ataque de ‘cross-site scripting’ (XSS), e o comportamento subseqüente de carregamento de cookies que normalmente não carregaria é um seqüestro do navegador. Isso significa que o que a NebuAd fazia era, na realidade, um ataque clássico conhecido como ‘homem-no-meio’.

Graças a Topolski, e para o bem da indústria e do consumidor, a NebuAd afinal se dissolveu.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife),

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/06/01/o_uso_de_cookies_e_a_violacao_da_privacidade__o_caso_nebuad_47430.php

segunda-feira, 25 de maio de 2009

As Redes Sociais e o Mercado Consumidor Global

OPINIÃO / ARTIGO

As redes sociais e o mercado consumidor global

POSTADO ÀS 10:01 EM 25 DE MAIO DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Uma pesquisa de mercado recente da Nielsen revelou que as redes sociais na internet foram “o fenômeno do mercado consumidor global de 2008”. Dois terços da população da internet mundial visitam uma rede social ou portal de blog e o setor agora representa quase 10% de todo o tempo de internet. A categoria das ‘comunidades de membros inscritos’, que inclui as redes sociais, ultrapassou e-mail pessoal para se tornar o quarto setor mais popular online no mundo, depois de busca, portais e aplicações de software de PC.

Mais importante, a pesquisa revela também que o crescimento em popularidade das redes sociais – e a audiência resultante – é apenas metade da estória. O crescimento assustador na quantidade de tempo que as pessoas estão passando nesses portais está mudando a maneira como as pessoas passam o tempo online e tem ramificações no que diz respeito a como as pessoas se comportam, compartilham e interagem nas suas vidas cotidianas normais. Afinal, o que são essas redes sociais, e qual é seu alcance hoje?

Um serviço de rede social online é um portal da internet que se presta para permitir a convivência à distância, por meio desse ‘espaço virtual’, de pessoas que compartilham interesses e/ou atividades, ou que estão interessadas em explorar os interesses e atividades de outros. O fato concreto é que tais serviços de rede social têm estimulado novas formas de comunicação, convivência e compartilhamento de informações. Além de correio eletrônico, essas redes oferecem serviços de mensagem instantânea, arquivamento e compartilhamento de fotos, músicas e filmes, formação de grupos de interesse e/ou mobilização, etc.

Os principais tipos de serviços de rede social são aqueles que contêm divisões por categoria (tais como ex-colegas de escola), meios para se conectar com amigos (normalmente com o auxílio de páginas auto-descritivas, i.e., perfis), e um sistema de recomendação associado à confiança. Os métodos mais populares hoje combinam muitas dessas funcionalidades, com Facebook amplamente usada em todo o mundo; MySpace, Twitter e LinkedIn sendo mais utilizadas na América do Norte; Nexopia no Canadá; Bebo, Hi5, MySpace, dol2day (sobretudo na Alemanha), Tagged, XING, e Skyrock em partes da Europa; Orkut e Hi5 na América do Sul e América Central; e Friendster, Multiply, Orkut, Wretch, Xiaonei e Cyworld na Ásia e nas Ilhas do Pacífico.

A idéia de que computadores eletronicamente interligados pudessem formar a base de uma interação social mediada por computador já havia sido sugerida no final dos anos 1970 no livro “The Network Nation” de S. Roxanne Hiltz e Murray Turoff (Addison-Wesley, 1978). O prefácio, escrito por Suzanne Keller, começava assim: “Após ter por tanto tempo ouvido sobre a frieza e a impersonalidade do computador, aqui está um livro que propõe exatamente a tese oposta, a saber, que computadores podem se tornar a fonte de uma nova e especial forma de comunidade humana.”

Muitas foram as tentativas de levar a idéia a bom termo, desde a Usenet, a ARPANET, a LISTSERV, até os chamados “bulletin board services” (BBS). Os primeiros portais de redes sociais começaram sob a forma de comunidades online tais como “The WELL” (1985), Theglobe.com (1994), Geocities (1994) e Tripod (1995). Há quem diga que um dos primeiros portais preparados especificamente para o relacionamento entre pessoas no plano internacional foi o Classmates.com, que iniciou suas operações em 1995. Seguiram outros como SixDegrees, BlackPlanet, e Youthstream.

À época, o foco se concentrava em prover salas de bate-papo (“chat”), e o compartilhamento de informações pessoais se dava através de ferramentas de publicação de páginas pessoais que vieram a se transformar em precursoras do fenômeno do blog (abreviação de “web log”). O advento do formato MP3 a partir de 1994, e do ‘streaming’ de video, além do aumento do acesso à banda larga, permitiu que o computador se tornasse uma mídia mais fácil de usar, com uma capacidade quase total de manipulação: música, correio, telefone, informação, tudo passou a aparecer num mesmo local – a tela do computador.

Porém foi somente entre 2002 e 2004 que apareceram os grandes atores nesse cenário, e que fincaram de vez o conceito de rede social no ciberespaço: primeiramente a Friendster (que a Google tentou adquirir em 2003), depois a MySpace, a Bebo, e a Facebook, esta última somente abrindo amplamente a participação (que até então se restringia a estudantes universitários americanos) a partir de 2006, ocasião em que também abriu a possibilidade de incorporar aplicativos desenvolvidos por terceiros (os chamados “add-on”s). Alguns desses aplicativos permitiram a montagem do grafo de relações da rede social do próprio usuário, dessa forma ligando redes sociais ao chamado “networking” social.

A partir de Março de 2005 quando a Yahoo! lançou o “Yahoo! 360°”, as redes sociais começaram a florescer como um componente de estratégia de negócios na internet . Em Julho do mesmo ano a News Corporation adquiriu a MySpace, e em Dezembro a ITV (rede de TV comercial do Reino Unido) comprou a Friends Reunited. Estima-se que o número de serviços de redes sociais no mundo já tenha ultrapassado 200, sem contar as chamadas “redes sociais verticais” que se tornaram possíveis devido a ferramentas como a Ning (uma rede social de redes sociais).

Recentemente, o Twitter tomou conta de todas as atenções, e, mesmo sem algumas das funcionalidades essenciais de um serviço de rede social, tem permitido que serviços de “add-on” (ferramentas de terceiros) se conectem e forneçam algumas dessas funcionalidades através de API’s (interface de programação de aplicações) públicas. Com cerca de 10 milhões de visitantes únicos mensais em Fevereiro último, o Twitter cresceu para 19 milhões em Março, e os últimos números da comScore dão conta de 32 milhões em Abril, ultrapassando Digg (23 milhões), LinkedIn (16 milhões), e o portal do New York Times (17,5 milhões).

O fato é que essas redes estão mudando a configuração dos negócios, da política, e da vida em sociedade. Em recente relatório intitulado “Business, politics and the new social media” (Fevereiro 2009), a Deloitte chama a atenção para o “terremoto” que está acontecendo na mídia em escala global: “você sabe que algo está mudando sob seus pés. Você pode até não entender a natureza dessa mudança ou como se ajustar à paisagem que rapidamente se reorganiza. Você só sabe que, por alguma razão, você pode estar correndo o risco de perder o contato com intervenientes principais.

No epicentro dessa mudança está a emergência de redes de mídia social. Diferente de tecnologias anteriores de telecomunicações, elas não apenas conectam comunidades. Elas as criam. Elas permitem que as pessoas formem e reformem equipes espontâneas baseadas em torno de interesses comuns. Não é exagero o caso de que a mídia social está transformando corporações e outras organizações.”

Um artigo recente na revista Mundo Corporativo (Deloitte, Abril-Junho 2009) intitulado “Redes de um mundo mais complexo” analisa alguns dos resultados de uma pesquisa recente da Deloitte em parceria com o Harrison Group sobre “O Futuro da Mídia”. Uma das conclusões revela o que já se dizia ainda que sem tamanha confirmação estatística: o consumidor de mídia está no comando, isto é, não mais pretende se submeter à oferta dos produtos de mídia, mas, ao contrário, busca por si próprio o que lhe interessa. A partir de 8.824 entrevistas online com cidadãos entre 14 e 75 nos de idade dos Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Inglaterra, e Japão, realizadas no período de 17 de Setembro a 20 de Outubro de 2008, os resultados do estudo foram classificados em quatro grupos conforme a faixa etária: a “Geração Y”, de 14 a 25 anos; a “Geração X”, de 26 a 42 anos; a “Geração Baby Boomers”, de 43 a 61 anos (população nascida nos anos pós-Segunda Guerra, quando houve uma explosão demográfica nos EUA e Europa); e a “Geração Madura”, de 62 a 75 anos.

Os números indicam que os jovens-adultos (da Geração X) são os mais envolvidos com atividades interativas online, e a produção de conteúdo próprio online é mais comum entre os mais jovens. No Brasil, ouvidos 1.022 consumidores, chegou-se à conclusão de que aqui é o país, dentre os países envolvidos no estudo, onde há a menor concentração no consumo de uma mídia tradicional específica (TV), e onde há mais envolvimento com atividades online. A TV, que já foi a fonte de entretenimento preferida, perdeu o lugar para “assistir filmes em casa” (55%) e “navegar na internet” (53%), e foi mencionada como preferida por apenas 46% dos entrevistados. Nada menos que 81% dos brasileiros entrevistados disse que o computador superou a televisão como fonte de entretenimento.

Segundo uma pesquisa recente da Nielsen (“The Global Online Media Landscape”, Abril 2009), o crescimento meteórico da mídia social é, de longe, o evento mais significativo do espaço de mídia online nos dias de hoje. Os números falam por si só: no último ano, enquanto que 18% foi o aumento do tempo gasto na internet pelo consumidor global, o aumento do tempo dedicado às “comunidades de membros inscritos” chegou a 63%.

Redes sociais representam metade da população online na Suíca e na Alemanha (crescimentos de 207% e 140%, respectivamente), e 80% da população online no Brasil. A Facebook se tornou a maior rede do mundo, ultrapassando a marca dos 200 milhões de membros na segunda semana de Abril de 2009. Por sua vez, o aumento no tempo dedicado à Facebook de Dez/2007 a Dez/2008 foi de 566%: de 3,1 bilhões de minutos para 20,5 bilhões, levando essa rede social ao posto de 11º portal mais popular nos EUA, logo atrás do portal da Disney. O maior crescimento veio de pessoas entre 35 e 49 anos (+24,1 milhões), enquanto que na faixa etária entre 50 e 64 anos o aumento foi de 100% (+13,6 milhões).

Apesar da revolução no grau de atenção dedicado à internet, e cada vez mais à mídia social, as mídias tradicionais mantêm sua influência. A pesquisa da Deloitte/Harrison revela que a publicidade na TV continua sendo a mais influente para todos os públicos, tendo recebido a preferência de 75% dos entrevistados, enquanto que a internet recebeu 45%, atrás também das revistas (57%).

Mesmo assim, as receitas provenientes de anúncios online continuam a bater recorde: segundo a Nielsen, o total de receita de anúncio na internet nos EUA totalizaram US$6,1 bilhões no 4º trimestre de 2008, um aumento de 4,5% em relação ao 3º trimestre de 2008 (US$5,8 bi), e um aumento de 2,6% em relação ao 4º trimestre de 2007 (US$5,9 bi). Em um ano (2008), o total de receita com anúncio online foi de US$23,4 bi, 10,6% a mais que os US$21,2 bi de 2007. Observe-se o contraste: na soma de todas as mídias, as receitas com anúncios caíram 2,6% em 2008.

Todos esses números falam por si só, e não há como ignorar o fenômeno da mídia social e das redes sociais. O crescimento da audiência e o quociente de engajamento do video online, por exemplo, está forçando os marqueteiros a reavaliar positivamente o valor da experiência online. Além disso, a adoção das redes sociais, tanto por consumidores quanto por corporações, agita o mercado, e, na era do Twitter, as barreiras do “feedback” quase desapareceram, criando um ambiente quase ideal para a reavaliação em tempo real da experiência de marcas, reações de campanha, ou eventos de marca.

A convivência cibernética vai se tornando uma realidade global, e um número crescente de estudiosos e acadêmicos têm procurado estudar a Facebook e outras redes sociais como ferramentas para a pesquisa sobre as novas formas de interação social e seus impactos na sociedade. Entre os tópicos mais investigados aparecem Identidade, Privacidade, Aprendizado, Capital Social, e os Nativos Digitais. Um livro recentemente publicado com o apoio da Forrester Research Inc., intitulado “Groundswell : Winning in a World Transformed by Social Technologies”, por Charlene Li & Josh Bernoff (Harvard Business School Press, Abril 2008), evoluiu a partir de um Relatório de 2006 da Forrester sobre computação social.

Segundo o portal dedicado ao livro, o termo “groundswell” se refere a “um movimento espontâneo de pessoas usando ferramentas online para se conectar, assumir o controle de suas próprias experiências, e conseguir o que elas precisam – informação, apoio, idéias, produtos, e poder de barganha – umas das outras."

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 25/05/2009, 10:01hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/05/25/as_redes_sociais_e_o_mercado_consumidor_global_46969.php

Gazeta Mercantil (São Paulo), 25/05/2009, 06:40hs, http://gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2510903,408,100,3


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Cyberbullying: o Ciber-Assédio Moral de Jovens contra Jovens

Cyberbullying: o ciber-assédio moral de jovens contra jovens

Artigo do leitor Ruy de Queiroz

Um projeto de lei bem intencionado tem causado polêmica na Câmara dos Representantes do Congresso Americano: trata-se do "Ato de prevenção ao cyberbullying", proposto por Linda Sanchez (Democratas, Califórnia), trazendo no seu título a lembrança do caso trágico da menina Megan Meier, que aos 13 anos e 11 meses de idade se suicidou por enforcamento após ser moralmente assediada na rede social MySpace em 2006.

O assédio implacável foi perpetrado por um suposto rapaz de 16 anos de nome "Josh", que na verdade era um pseudônimo utilizado por Lori Drew, mãe de uma vizinha de Megan. As investigações revelaram que os atos premeditados de causar constrangimento e humilhação a Megan foram motivados pelo desejo de retaliação por uma suposta fofoca que ela teria promovido em detrimento da filha de Drew. Em maio de 2008, um júri federal concluiu pelo indiciamento de Lori Drew, mas se deparou com um problema: não havia legislação para punir o assédio online, e a condenação foi imposta com base apenas em três delitos (menores) de acesso não autorizado a computadores para obter informações com o propósito de provocar aflição emocional, e um delito de conspiração criminal.

Segundo a especialista americana Parry Aftab, autora e mantenedora do portal "StopCyberbullying.org", o "cyberbullying" acontece quando uma criança, pré-adolescente ou adolescente é atormentada, ameaçada, assediada, humilhada, embaraçada ou alvejada de outra forma por uma outra criança, pré-adolescente ou adolescente usando a internet, tecnologias digitais ou telefones celulares. É preciso que haja um menor em ambos os lados, ou pelo menos tenha sido instigado por um menor contra outro menor. Uma vez que um adulto esteja envolvido, o ato passa a ser caracterizado como "cyber-harassment" (ciber-assédio) ou "cyberstalking".

Os métodos usados são limitados apenas pela imaginação do menor, e pelo grau de acesso à tecnologia. E o agente perpetrador do cyberbullying de um dado momento pode vir a ser a vítima num outro momento. A bem da verdade, o ato de "bullying", embora reprovável, não é incomum nas escolas: através de um apelido, uma denominação jocosa, uma atitude às vezes preconceituosa, uma criança ou um adolescente se vê alvo de gozação, de importúnio, e até de humilhação perante seus pares.

Com o alcance, o fator amplificador, e a sensação de anonimidade (e consequente impunidade) que a internet proporciona, o cyberbullying pode ter efeitos extremamente traumáticos sobre a vítima, sem falar no fato de que não cessa no momento em que a vítima deixa a escola. Além disso, há que se levar em conta o fato de que, em geral, o jovem não se sente completamente à vontade para dialogar com os pais sobre um problema que enfrenta na sua vida cibernética. Em decorrência do choque de gerações ("nativos digitais" versus "imigrantes", ou ignorantes, "digitais") a tendência é que o jovem se feche no "seu mundo", sobre o qual os pais "pouco ou nada entendem".

Normalmente, cyberbullying não é uma comunicação que acontece apenas uma vez, a menos que envolva uma ameaça de morte ou de danos físicos sérios. Em geral, o jovem reconhece quando o caso é sério, enquanto que os pais tendem a se assustar mais com a linguagem muitas vezes bastante chula com que os ataques são perpetrados.

Atualmente, nos EUA o cyberbullying pode chegar ao nível de um indiciamento por delito de ciber-assédio, ou, se a criança for suficientemente jovem, pode resultar no indiciamento por delinquência juvenil. A maior parte do tempo o cyberbullying não chega a esse ponto, embora os pais da vítima normalmente procurem forçar uma condenação criminal do perpetrador. Tipicamente, o resultado é a perda da conta no provedor de serviços de internet ou de mensagem instantânea, com base na violação dos termos de serviço. Em alguns casos, se for comprovado algum tipo de roubo de identidade ou violação de senhas, a condenação pode ser bem mais séria, inclusive com base em lei federal.

Quando as escolas tentam se engajar punindo os envolvidos em atos de cyberbullying que aconteceram fora dos seus limites e dos horários escolares, frequentemente são processadas por excesso de autoridade e violação dos direitos de liberdade de expressão do aluno, e geralmente perdem uma eventual disputa judicial. Ao que tudo indica, o melhor caminho é mesmo a parceria com os pais em programas de educação e esclarecimento dos jovens sobre a convivência no ciberespaço.

Em função de sua possível violação da chamada Primeira Emenda da Constituição americana (que garante a liberdade de expressão), o "Megan Meier Cyberbullying Prevention Act" de Linda Sanchez, que caracteriza como crime punível com multa e até dois anos de prisão transmitir por meios eletrônicos "com a intenção de coagir, intimidar, assediar, ou causar estresse emocional substancial a uma pessoa (.) apoiar comportamento severo, repetido, e hostil," está sendo avaliado por especialistas como inconstitucional: Eugene Volokh, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e coordenador do blog "Volokh Conspiracy," diz que, se a lei passar no Congresso, deverá ser derrubada nas cortes.

Inconstitucionalidade à parte, a proposta de lei enumera alguns dados preocupantes:

1) Oitenta por cento de crianças e jovens de 2 a 17 anos vivem numa casa onde elas próprias ou seus pais têm acesso à internet;

2) Jovens que criam conteúdo na internet e usam redes sociais são alvos mais prováveis do cyberbullying;

3) A comunicação eletrônica dá a sensação de anonimidade ao perpetrador e dá chance a uma distribuição pública ampla, com potencial para torná-la severamente perigosa e cruel com o jovem;

4) Vitimizações online estão associadas a estresse emocional e outros problemas psicológicos, incluindo depressão;

5) O cyberbullying pode causar danos psicológicos, incluindo depressão, impactar negativamente o desempenho acadêmico, a segurança, e o bem-estar de crianças na escola; forçar crianças a mudar de escola; e em alguns casos levar a comportamento violento extremo, incluindo assassinato e suicídio;

6) Sessenta por cento dos profissionais de saúde mental que responderam ao levantamento 'Survey of Internet Mental Health Issues' relatam ter tratado pelo menos um paciente com uma experiência problemática na internet nos últimos cinco anos; 54% desses clientes tinham 18 anos de idade ou menos.

O esforço para minimizar os percalços decorrentes do aprendizado necessário a essa nova convivência (cibernética) devem vir de todos os que têm contribuição a dar: legisladores, educadores, família, meios de comunicação etc. Cada um faça sua parte!

Ruy de Queiroz é professor associado do Centro de Informática da UFPE

O Globo Online, 15/05/2009, 12h49m, http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/05/15/cyberbullying-ciber-assedio-moral-de-jovens-contra-jovens-755879256.asp


segunda-feira, 11 de maio de 2009

A Busca em Livros da Google, os Títulos Órfãos e a Privacidade da Leitura

ARTIGO / OPINIÃO

A busca em livros da Google, os títulos órfãos e a privacidade da leitura

POSTADO ÀS 09:04 EM 11 DE MAIO DE 2009

Por Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Iniciado em 2004, o projeto da Google de digitalização e indexação de livros e criação de uma biblioteca universal digital, conhecido como “Google Book Search”, já conta com mais de 7 milhões de obras no seu acervo, e o objetivo é chegar a algo em torno dos 15 milhões de livros. Para viabilizar e operacinalizar o projeto, a gigante da busca na internet fez um acordo com algumas bibliotecas de universidades americanas que a permite digitalizar seus respectivos acervos, e em contrapartida a biblioteca recebe uma cópia digital de seu próprio acervo.  

Ao digitalizar um livro, a Google disponibiliza seu conteúdo ao cidadão da rede, que poderá baixá-lo em toda a sua totalidade se a obra já estiver no domínio público (atualmente são cerca de 1 milhão), mas somente trechos (em inglês, “snippets”) de partes relevantes do livro que ainda esteja protegido por direitos autorais, a menos que o detentor de tais direitos tenha concordado em permitir uma maior disponibilização.

Conforme descreve Pamela Samuelson (“Richard M. Sherman Distinguished Professor of Law and Information” na Universidade da Califórnia, Berkeley, assim como Diretora do Berkeley Center for Law & Technology) em um artigo reproduzido em vários portais, incluindo o O’Reilly Radar (“Legally Speaking: The Dead Souls of the Google Booksearch Settlement”, 17/04/09), no outono de 2005, o “The Authors Guild, Inc.” (associação de escritores sediada nos EUA que à época tinha cerca de 8000 membros) entrou com um processo contra a Google por violação de direitos autorais. (À mesma época, porém em separado, cinco editoras moveram ação semelhante contra a Google.) 

Em sua defesa, a Google contestou a representatividade do Authors Guild, e argumentou que o trabalho de digitalização, indexação e disponibilização de trechos das obras se caracterizava como uso razoável e não-infrator porque promovia acesso público mais amplo aos livros e porque a Google havia se comprometido a remover do corpus quaisquer obras cujos detentores dos direitos autorais se manifestassem contra a sua inclusão. Muitos profissionais dos direitos autorais esperavam que o caso “Authors Guild versus Google” viesse a se tornar o caso mais importante de “uso razoável” (em inglês, “fair use”) do século XXI.

Em 28/10/08 a Google anunciou um acordo com autores e editoras nos processos coletivos que daria o sinal verde à empresa para a continuação do ambicioso projeto. Autores e editoras teriam que concordar com os termos do Acordo até o prazo final estabelecido pela Justiça americana. Com prazo final de fechamento do Acordo originalmente marcado para 05/05/09, em 28/04/09 foi anunciado que o juiz federal Denny Chin concedeu aos autores mais quatro meses para decidir se participam ou não do Acordo. O último prazo passa a ser 04/09/09.

Nesse ponto surge a questão de como a Google poderia estar obtendo uma licença para tornar disponíveis online milhões de livros ainda protegidos por direitos autorais simplesmente chegando a um acordo com uma pequena fração de autores e editoras? Samuelson explica que a lei nos EUA permite a submissão de processos judiciais do tipo “ação de classe” (em inglês, “class action”) nos quais os reclamantes reivindicam que representam uma classe de pessoas que sofreram o mesmo tipo de danos pela ação errônea do reclamado, desde que existam questões em comum de fato e de direito de modo que torna-se desejável adjudicar as queixas num único processo ao invés de muitos. 

O fato é que o “Authors Guild” e alguns de seus membros moveram uma ação contra a Google, reivindicando representar uma classe de autores similarmente situados cujos livros a Google estava digitalizando, e cujos direitos autorais a Google estava infringindo. Ao entrar com uma “ação de classe”, o Authors Guild pôs considerável pressão financeira sobre a Google pois quem ganha uma ação de classe tem direito a uma compensação que equivale a tudo que é devido à classe, que pode ser exponencialmente mais alta que indenizações a reclamantes individuais.

O Acordo prevê que a Google: (i) pague aos autores e às editoras US$125 milhões, parte dos quais será usada para criar um “Book Rights Registry” (uma espécie de entidade controladora da arrecadação dos direitos autorais), permitindo aos detentores dos direitos autorais registrar suas obras e receber uma parcela das assinaturas, vendas de livros e receitas de propaganda; (ii) permita aos usuários comprar livros em sua totalidade, e gravá-los uma “prateleira eletrônica”; (iii) oferecerá assinaturas institucionais, incluindo um portal online gratuito para bibliotecas públicas; (iv) direcionará os usuários a localizações onde comprar ou tomar emprestado o livro pesquisado. 

O Acordo também diz que os autores e as editoras serão capazes de ativar modos de “visualizar” e “comprar” para livros que estejam ainda em catálogo e protegidos por direitos autorais, assim como monetizar livros fora de catálogo (i.e., esgotados) que forem digitalizados pela Google. Estima-se que 70% dos livros no repositório do projeto da Google ainda estão protegidos por direitos autorais, mas estão esgotados. A maioria deles, na prática, estão “órfãos”: tudo indica que é praticamente impossível localizar os detentores dos direitos para lhes solicitar permissão para digitalizá-los. 

Parece haver um consenso em torno do benefício trazido pela digitalização dessas obras órfãs, mas, obviamente, sem a devida proteção legal qualquer projeto de digitalização estaria correndo risco de processo contra violação de direitos autorais. O Congresso americano está inclusive considerando a introdução de leis que diminuam os riscos de se utilizar obras órfãs sem a permissão dos detentores dos direitos autorais. O Acordo concede à Google, entre outras coisas, uma licença para exibir até 20% do conteúdo de livros esgotados mas ainda sob proteção, inserir anúncios ao lado dessas imagens digitalizadas, e vender acesso aos textos integrais desses livros a assinantes institucionais e indivíduos.

Logo após ser anunciado, começaram a aparecer as manifestações de oposição ao Acordo, incluindo a do Departamento de Justiça e a da organização para defesa do consumidor “Consumer Watchdog”. Talvez uma das mais significativas tenha vindo do “The Internet Archive”, uma organização sem fins lucrativos fundada por Brewster Kahle (o mesmo que fundou a “Open Content Alliance”) dedicada à construção e à manutenção de uma biblioteca digital online livre e “abertamente acessível”, incluindo um repositório da Web. Baseado em San Francisco, Califórnia, o repositório inclui “imagens da World Wide Web” (i.e., cópias de páginas tiradas em vários pontos no tempo), software, filmes, livros, e gravações em áudio. Para garantir a estabilidade e a durabilidade do repositório, sua coleção mantém um espelho (i.e., cópia) na Bibliotheca Alexandrina do Egipto, até agora a única biblioteca no mundo com um espelho. (Em 2001 o “The Internet Archive” fez uma doação à Bibliotheca Alexandrina da ordem de US$ 5 milhões, que incluiu, além de cerca de 10 bilhões de páginas web do período 1996-2001, um laboratório de digitalização de livros.)

Em carta ao Juiz Federal Denny Chin que está à frente do processo o representante legal do “The Internet Archive” solicita intervenção no caso argumentando que o Acordo dá à Google (e somente a ela) imunidade contra a responsabilização por infringir direitos autorais através da digitalização e disponibilização de títulos órfãos. Sem imunidade semelhante, “o Archive seria incapaz de prover alguns dos mesmos serviços devido a algumas questões legais incertas em torno de títulos órfãos.”

Numa palestra intitulada “Reflections on the Google Book Search Settlement”, proferida em 14/04/09 na Universidade da Carolina do Norte, Samuelson examina diversas questões fundamentais que têm sido levantadas por diversos profissionais e entidades envolvidas ou interessadas no caso: Por que a Google foi processada e até que ponto sua defesa de uso razoável foi boa? O que motivou o Acordo sobre os processos? Que benefícios o Acordo deverá trazer? Quais são os riscos, as desvantagens ou problemas com o Acordo? Que mais poderia acontecer para que se “resolva” os problemas que o Acordo tem?

Entre as motivações para o Acordo, Samuelson cita o fato de que além do litígio ser custoso e possivelmente demorado, seria difícil prever o resultado devido à dificuldade inerente ao chamado “uso razoável”. Também, se por um lado a Google corria riscos quanto aos danos à imagem, juntamente com a possibilidade de longa disputa e perda da licença sobre obras órfãs, por outro lado nenhuma outra entidade está, no momento, mais capacitada não apenas para levar o projeto a bom termo mas também para criar novos mercados para livros no mundo digital inclusive para os títulos esgotados. O Acordo parece ter criado uma oportunidade para uma situação do tipo “ganha-ganha” tendo em vista a disposição da Google de compartilhar as receitas com o Authors Guild. 

De modo geral, há que se reconhecer entre os benefícios do Acordo não apenas a remoção de cima das cabeças da Google e bibliotecas parceiras da nuvem negra da responsabilização por infração, mas sobretudo a disponibilização pública de mais livros do que se a Google não encampasse o projeto ou mesmo se restringisse a livros no domínio público. Nem tudo são flores, e há pontos negativos no Acordo. Primeiramente, os críticos não se conformam com a concessão do que pode significar direitos exclusivos sobre títulos órfãos. Também, além de estar possivelmente inviabilizando outros projetos de digitalização, o Acordo cria 2 “monopólios” complementares, segundo Samuelson: Google Book Search e o Book Rights Registry podem estar assumindo o controle de estabelecer preços e outros termos de acesso aos títulos digitalizados.

Mais preocupante entre todos os problemas do Acordo está a ausência de garantias sobre a privacidade do leitor dos livros digitalizados. A “Electronic Frontier Foundation”, uma organização sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos civis na internet, declarou recentemente que planeja solicitar à justiça americana garantias de que a Google não irá monitorar os hábitos de leitura dos usuários do serviço de Book Search. 

Adicionalmente, em documento submetido em 04/05/09 ao Juiz Chin, três grupos representando bibliotecas, a American Library Association, a Association of College and Research Libraries (ACRL) e a Association of Research Libraries (ARL), identificados como “The Library Associations”, embora declarando que não se opõem ao Acordo, solicitaram especial atenção da corte de modo a garantir que a privacidade dos leitores de livros disponibilizados online pela Google seja minimamente protegida. Segundo o documento, “a privacidade é um dos valores mais fundamentais das bibliotecas; bibliotecas não monitoram os hábitos de leitura de seus usuários.” 

Com efeito, todos os 48 estados americanos e o Distrito de Columbia têm normas que protegem os registros de bibliotecas contra intrusão indevida em prejuízo da privacidade, requerendo em geral uma intimação antes que uma biblioteca mantida com verbas públicas possa revelar os registros com informações pessoais identificáveis. Ao invés disso, o Acordo não especifica como a Google e o Book Rights Registry vão proteger a privacidade do usuário. Visto que a Google fornecerá aos consumidores que comprarem um livro o acesso online perpétuo ao título, ela tem que guardar os registros para garantir que o acesso do consumidor persiste no tempo, particularmente à medida que o consumidor usa computadores diferentes para acessar o livro. Mas o Acordo é omisso no que concerne a que tipo de informação a Google deverá reter relativa ao consumidor, como usará essa informação, e que medidas tomará para proteger a segurança da informação. 

O Acordo também contém poucos detalhes sobre as informações do usuário no contexto da assinatura institucional: como apenas usuários autorizados poderão acessar o repositório, a Google deverá ter elementos para determinar qual usuário está acessando qual livro no repositório. Além disso, o Acordo diz que quando um usuário imprime páginas de um livro, a Google vai incluir uma marca d’água visível com informações identificadoras criptografadas da sessão, que poderia ser utilizada para identificar o usuário autorizado que imprimiu o material ou o ponto de acesso a partir do qual o material foi impresso. Não fica claro no Acordo quais dessas informações serão retidas pela Google, nem como serão usadas, tampouco que medidas serão tomadas para protegê-las. 

Conforme o documento da The Library Associations, o silêncio do Acordo quanto à preservação da privacidade da leitura está em franco contraste com seus detalhes com respeito às medidas que as bibliotecas parceiras do projeto devem levar em conta para proteger a segurança de suas cópias digitais dos títulos. São dezessete páginas de descrição detalhada de protocolos e requisitos a serem atendidos por quaisquer bibliotecas que desejem participar do Acordo. Está inclusive previsto um plano de socorro monetário de até US$5 milhões à entidade que venha a sofrer algum tipo de invasão ou ato de vandalismo, dependendo dos danos causados, mas não há uma preocupação explícita com a proteção da privacidade do usuário.

A se confirmar o cenário de monopólio da Google, é preciso haver normas explícitas que venham a oferecer um mínimo de salvaguardas para que a privacidade de leitura seja garantida.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog às segundas.

Blog de Jamildo, (Jornal do Commercio Online, Recife), 11/05/2009, 09:04hs,

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/05/11/a_busca_em_livros_da_google_os_titulos_orfaos_e_a_privacidade_da_leitura_46127.php


segunda-feira, 4 de maio de 2009

Direcionamento Comportamental e o Direito ao Não-Rastreamento

OPINIÃO / ARTIGO

Direcionamento comportamental e o direito ao não-rastreamento

POSTADO ÀS 08:13 EM 04 DE MAIO DE 2009

Ruy José Guerra Barretto de Queiroz

Em relatório recente da Nielsen sobre o cenário global da mídia online e as oportunidades num mercado de alta competitividade (“The Global Online Media Landscape: Identifying Opportunities in a Challenging Market”, Abril/09), é possível verificar o quão fragmentado é o mercado da propaganda na internet: enquanto que nos países escandinavos, na Austrália, e na China, o ritmo é veloz, no Reino Unido, França, Espanha e Japão o passo é de segundo pelotão, na Alemanha, Suíca e Itália a aceleração é quase nula, e nos países Benelux o ritmo é negativo. 

Fica claro que a recessão econômica mundial está realmente influenciando todos os mercados, e, se por um lado os volumes de anúncio online demonstram certa vitalidade em alguns períodos, por outro lado os preços de anúncio online continuam sob pressão a ponto de sinalizar para os anunciantes que as taxas cobradas pelos veículos são essencialmente as mesmas que eles recebem das redes de anunciantes. Entretanto, conforme o resumo executivo da Nielsen, mesmo que 2009 não vá se tornar um ano marcante para as receitas de anúncio online, a internet deverá superar todas as outras mídias mais uma vez. 

Apesar do modesto crescimento nos EUA e no Japão, deverá haver nichos de crescimento significativo  (mais de 25%), embora que limitados a países com pequeno e médio mercado de anúncio online como o próprio Brasil, Europa Oriental e Sudeste Asiático. As perspectivas de longo prazo para a mídia online global continuam muito boas. Liderada por mídia social, busca, e video online, sua parcela do total dos gastos com anúncios vai continuar sua escalada consistente à medida que a recessão vai se dissolvendo. 

E a expectativa é de que o comércio eletrônico veja sua participação aumentar numa escala global. E, naturalmente, com o crescimento explosivo da propaganda online, as empresas e seus conselhos precisam estar cientes das novas tecnologias, de suas implicações legais, e, sobretudo, dos riscos legais a que estão sujeitas.

Em recente artigo no SEOmozBlog (“The Law and Business of Online Advertising Conference Recap”, 22/04/09) sobre a “Law and Business of Online Advertising” (“Direito e Negócios do Anúncio Online”), uma conferência co-tutelada pelo Berkeley Center for Law & Technology e pelo High Tech Law Institute da Universidade de Santa Clara, realizada em 18/04/09 em Berkeley, Califórnia, Sarah Bird revela que o tópico mais quente naquele encontro foi o chamado “direcionamento comportamental” (em inglês, “behavioral targeting”) e seu impacto na privacidade do consumidor. Conforme a Wikipedia, “behavioral targeting” é uma técnica usada por anunciantes online e portais para aumentar a eficácia de suas campanhas publicitárias. 

A técnica faz uso de informações coletadas sobre o comportamento de um indivíduo no que diz respeito aos seus hábitos de navegação na internet, tais como as páginas que visitou ou as buscas que efetuou, para selecionar quais anúncios exibir àquele indivíduo. A técnica é descrita pelos entusiastas como “ganha-ganha-ganha”: quem deseja comprar recebe sugestões de consumo nas áreas correspondentes a suas atividades de navegação na rede; quem deseja vender maximiza o retorno no investimento pois a mensagem chega precisamente ao seu público alvo; e quem publica tem maior valor agregado ao seu serviço, dada a eficácia esperada.

Segundo o relato de Bird, a audiência da conferência se mostrou bastante hostil ao direcionamento comportamental, embora todos os panelistas tenham concordado que a técnica era algo útil e bem-vindo, desde que aos consumidores fosse dada uma escolha consciente de participar ou não. 

Para piorar o sentimento de rejeição da audiência, parece ter havido um rumor generalizado sobre a possibilidade de que a história de visitas a portais e de compras pela internet poderia estar sendo ligada às chamadas “informações identificadoras pessoais” (em inglês “personal identifying information”, abrev. “PII”, que se refere a informações que podem ser usadas para univocamente identificar, contactar, ou localizar uma única pessoa, ou podem ser usadas em conjunto com outras fontes para univocamente identificar um indivíduo, e também serem disponibilizadas para o governo ou qualquer um de posse de uma intimação).  

Houve muito interesse em se conhecer melhor o funcionamento do chamado “cookie”, mecanismo utilizado pelos programas navegadores para permitir a um portal “lembrar” que o usuário já o visitou, e que informações solicitou e/ou depositou. Segundo o portal da “Network Advertising Initiative”(NAI), cookies são pequenos aglomerados de dados (usualmente, arquivos de texto) criados por um servidor web, fornecidos através de um navegador, e armazenados no computador do usuário. Sua função é prover meios para que os portais que o usuário visita possam memorizar seus padrões de comportamento e preferências online, assim como identificá-lo como um visitante reincidente. 

Conforme a NAI, os cookies tornam possível a personalização da experiência online do usuário, pois sem eles seria virtualmente impossível manter um portfolio online: a cada vez que o usuário visitasse um portal (por exemplo, Amazon.com) seria necessário re-entrar com todos os dados (nome de usuário, senha, etc.) como se fosse a primeira vez. Anunciantes usam os cookies para rastrear as preferências e caracterísiticas do usuário, e assim direcionar os anúncios com base em tais informações. 

Usualmente, a rede de anunciantes oferece ao usuário a opção de ficar de fora (em inglês, “opt out”) desse regime de rastreamento. (Em geral, o termo “opt-out” se refere a diversos métodos através dos quais indivíduos podem evitar receber informações de produto ou serviço não-solicitado. Essa capacidade está usualmente associada a campanhas de marketing direto, tais como telemarketing, marketing por e-mail, ou mala direta, mas no contexto das tecnologias de anúncio online, está associada à saída do regime supracitado.)

Conforme Bird, os participantes da conferência se declaravam surpresos e confusos ao saber que o programa de opt-out da NAI (uma das maiores redes mundiais de anunciantes online, e que adotou um código estrito de comportamento para todos os seus membros, numa tentativa de auto-regulação do setor) não evita que anunciantes recolham informações sobre o usuário: somente evita que anunciantes enviem anúncios aos usuários baseados no direcionamento comportamental. As empresas ainda assim continuam a se beneficiar das informações coletadas pelo usuário que tenha “optado sair do regime de rastreamento”, e os anúncios continuam a ser enviados porém sem o direcionamento decorrente da análise comportamental. 

Ao que tudo indica, a maioria dos usuários que utilizam o programa de opt-out da NAI não se dão conta disso, e possivelmente é o rastreamento em si que incomoda as pessoas sensíveis à violação de privacidade na internet, e não os anúncios propriamente ditos, conclui Bird. Em sua intervenção no blog de Bird, Ryan Calo (Center for Internet and Society, Stanford University) se declara interessado em conhecer melhor o programa de opt-out da NAI, e, citando o documento da própria NAI, adianta que a suposta capacidade de um consumidor de optar por sair do regime de rastreamento por redes de anúncios de terceiros parece fazer parte do cerne da alegação de auto-regulação. 

Bird, por seu turno, responde que primeiramente é importante entender que a rede NAI somente afeta o comportamento de direcionamento de suas empresas membro, e não tem qualquer efeito sobre as muitas empresas que dela não fazem parte. Depois, é preciso lembrar que cada indivíduo pode ter vários cookies diferentes, cada um com seu papel. Enquanto que um cookie pode coletar um certo tipo de informação, outro pode determinar qual anúncio oferecer ao usuário. E esses diferentes cookies são automaticamente carregados no navegador quando o usuário visita um portal utilizado pelo anunciante.  

O programa de opt-out da NAI não apaga os cookies, mas põe um novo cookie no navegador do usuário que então se comunica com os portais dos membros dizendo algo como "Não ponha o cookie de direcionamento aqui. Você pode colocar outros tipos de cookies de coleta de informação aqui, mas não ponha o cookie que direciona anúncios aqui." Dessa forma, relata Bird, o cookie de opt-out age como um filtro para os portais membro.

Parece estranho usar um cookie para bloquear outro cookie, mas há boas razões para isso, continua Bird. Primeiramente, os cookies trazem a solução mais escalável para se criar experiências de internet altamente funcionais e pessoais. Por exemplo, quando usamos a opção “1-Click” da Amazon.com estamos fazendo uso de cookies, e assim acontece com diversos outros cenários, por isso um cookie nem sempre é indesejado. O problema é que muitos consumidores têm se incomodado com o fato de que seus dados estão sendo rastreados e agregados, e alguns tentam minimizar o risco apagando todos os cookies. 

Obviamente isso apaga os cookies "bons", incluindo os cookies de opt-out, e por isso alguns usuários mais bem informados e mais preocupados com privacidade selecionam manualmente quais cookies a apagar. Alguns também procuram garantir que seus endereços IP sejam dinâmicos de forma a tornar mais difícil o rastreamento e a agregação de dados. Em concordância com Calo, Bird reconhece que o cookie de opt-out da NAI não atende aos verdadeiros clamores do consumidor. Por outro lado, há que se reconhecer o esforço na criação de um código de melhores práticas que levou os membros da rede NAI a se comprometerem a não coletar informações identificadoras pessoais. 

Embora constantemente preocupado com a privacidade do cidadão na era digital, em seu artigo no seu blog no CIS (Stanford) (“Does NAI’s Opt Out Tool Stop Consumer Tracking?”, 27/04/09) Calo demonstra sensatez ao reconhecer que o anúncio direcionado não parece ser uma prática tão perigosa quanto dizem alguns do ponto de vista da preservação da privacidade. Em geral os anunciantes não estão interessados em saber quem o usuário é, e o rastreamento é feito na sua maior parte de forma anônima. Mas é difícil aceitar que seja verdadeiro o rumor acerca da conivência dos anunciantes com a informação errônea passada ao consumidor de que optando por sair do direcionamento comportamental o usuário estaria parando com o rastreamento de suas informações (e não apenas parando com o envio de anúncios direcionados). 

Trata-se, de fato, de questão preocupante. Resta à indústria, sobretudo a rede NAI, restaurar a credibilidade num momento em que a desconfiança do consumidor é considerável em face de casos problemáticos recentes como a norte-americana NebuAd e a britânica Phorm.

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve para o Blog sempre às segundas.

Blog de Jamildo, Jornal do Commercio Online (Recife), 04/05/2009, 08:13

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/05/04/direcionamento_comportamental_e_o_direito_ao_naorastreamento_45715.php