Aos Pais o Poder de Ajudar as Crianças a Desfrutar das Novas Mídias
22 de março de 2010 - É inegável que as redes sociais, os jogos online, os portais de compartilhamento de video, assim como aparelhos como iPods e celulares são hoje parte da cultura da juventude. Todo esse ferramental tecnológico tem permeado de tal forma a vida dos jovens que é até difícil acreditar que menos de uma década atrás essas tecnologias mal existiam.
Em um whitepaper reunindo os resultados de um estudo etnográfico de três anos de duração financiado pela John D. and Catherine T. MacArthur Foundation (“Living and Learning with New Media: Summary of Findings from the Digital Youth Project”, The MIT Press, Nov/2008), a equipe liderada por Mizuko Ito, antropóloga e estudiosa da interação das crianças com a tecnologia, examinam a participação dos jovens na nova “ecologia de mídias”. Motivado essencialmente por questões relativas ao modo como as novas mídias estão sendo integradas nas práticas e nos interesses da juventude, assim como na forma como essas práticas mudam a dinâmica das negociações entre adultos e jovens sobre os estudos, o aprendizado e o conhecimento oficial, o relatório conclui que as novas mídias têm de fato alterado como a juventude socializa e aprende, e que isso levanta um novo conjunto de questões que educadores, pais, e os responsáveis por políticas públicas devem levar em consideração. Desde o uso social e recreativo das novas mídias como uma fonte legítima de aprendizado, passando pelo reconhecimento de distinções importantes na cultura e no grau de instrução da juventude, assim como pela importância do aprendizado baseado nos pares, chegando até a uma reflexão sobre o próprio papel da educação tradicional: ao invés de assumir que a educação diz respeito sobretudo à preparação para uma profissão e uma carreira, como seria pensar na educação como um processo de orientação à juventude para a participação na vida em sociedade, na convivência de forma mais geral?
Diferentemente do que percebe o adulto, é fato que a convivência na rede permite ao jovem adquirir habilidades tecnológicas e sociais básicas das quais ele precisa para participar integralmente da sociedade contemporânea. Levantar barreiras à participação significa privar o jovem do acesso a essas formas de aprendizado, pois a participação na era digital significa mais do que acessar cultura e informação “séria” online. É impossível não reconhecer o papel do aprendizado a partir dos pares, e nisso a internet tem tido um papel fundamental até por sua própria “arquitetura aberta” que leva à eliminação de intermediários: noções de expertise e autoridade assumem uma conotação um tanto diferente. O resultado é que o aprendizado baseado nos pares, seja ele originado nas atividades entre amigos ou a partir de interesses específicos do jovem, normalmente está associado à experimentação e a uma certa autonomia. Devido ao sentido de urgência de resposta ao mesmo tempo que de largura de informação, o mundo digital diminui as barreiras ao auto-aprendizado. Ainda assim, o adulto pode ter grande influência no estabelecimento de objetivos do aprendizado. É aí que entram os pais e educadores, em geral integrantes da chamada “geração de imigrantes digitais.
Considerando que as crianças de hoje vivem num ambiente de mídia que é dramaticamente diferente daquele no qual seus pais e avós cresceram décadas atrás, a agência reguladora das comunicações nos EUA (Federal Communications Commission - FCC) fez uma convocação pública para a construção de um marco regulatório que possa ajudar a responder à questão de como dar poder aos pais para ajudar seus filhos a fazerem bom proveito das oportunidades de aprendizado oferecidas pelas novas mídias, e, ao mesmo tempo, se protegerem dos riscos inerentes ao uso dessas plataformas. Segundo o documento intitulado “Empowering Parents and Protecting Children in an Evolving Media Landscape” (23/10/09), “o cenário da mídia eletrônica que se delineia oferece aos pais tremendas oportunidades assim como desafios críticos. Por um lado, as tecnologias de mídia eletrônica apresentam muitos benefícios para as crianças, tais como a oferta de um potencial quase ilimitado para avenidas educacionais e a disponibilização de alfabetização tecnológica necessária para competir numa economia global. Por outro lado, os desenvolvimentos tecnológicos que produzem esses benefícios também apresentam riscos para as crianças.” O documento diz que o que se pretende é a coleta de recomendações dos especialistas, da indústria, e dos pais que permita identificar ações que todas as partes interessadas possam tomar para permitir que tanto os pais quanto as crianças possam navegar de forma segura e bem proveitosa nessa paisagem tão promissora de mídia eletrônica que se apresenta.
Em resposta à solicitação da FCC, um grupo de pesquisadores da “Youth and Media Policy Working Group Initiative” do Berkman Center for Internet & Society (Harvard University), liderado por John Palfrey, Urs Gasser e Danah Boyd produziram um relatório intitulado “Response to FCC Notice of Inquiry 0994” (24/02/10) no qual exploram questões de políticas públicas classificadas em três categorias que surgem naturalmente das práticas de mídia da juventude: (1) comportamentos arriscados e segurança online; (2) privacidade, publicidade, e reputação; (3) disseminação da informação, conteúdo produzido pela juventude e qualidade da informação. A intenção é levar em conta o quanto a pesquisa científica na interseção entre a sociologia da juventude e a tecnologia pode e deve ser usada para alimentar a elaboração de políticas públicas. Segundo os autores, a imagem completa de como as mídias eletrônicas estão mudando o aprender e o socializar ainda está emergindo, e um desafio associado à pesquisa nessa área é que somente agora se está observando crianças que cresceram com email, redes sociais, celulares, e outras tecnologias.
A verdade é que estamos em meio a transformações radicais no ambiente da tecnologia da informação assim como nos padrões de uso da tecnologia, e essas mudanças trazem consigo não apenas muita criatividade mas também desafios a hierarquias existentes. Além do mais, para os adultos a juventude tende a usar essas tecnologias de formas espantosas e até mesmo perigosas para si e para a sociedade. Porém os dados coletados por cientistas sociais sobre a juventude e como é efetivamente seu uso dessas tecnologias, além dos desafios e oportunidades dele decorrentes estão frequentemente em desacordo com a percepção do público. Muito embora tenha havido esforços no sentido de garantir a segurança online do jovem, seja através de políticos elaborando leis, lideres de organizações policiais fazendo pressão, escolas filtrando o acesso à rede, ou mesmo pais seguindo os movimentos dos jovens na rede, grande parte do que é utilizado na argumentação para justificar tais procedimentos é mais fundamentado no medo do que em dados. Por outro lado, “fica claro, no entanto, que o engajamento com mídias eletrônicas tem grande potencial educacional,” concluem os autores.
Há preocupações no que diz respeito ao cuidado com a manutenção da privacidade, mas o que se observa é que o jovem de hoje tem uma percepção diferente sobre o que deve ser mantido privativo. O que parece inequívoco é que a juventude vê a internet como um ambiente de socialização. Estudos mostram que o jovem não faz uma segmentação entre o mundo “online” e o mundo “offline.” A dinâmica social da amizade para muitos jovens faz do compartilhamento de informações online uma parte importante de um certo sentido coerente de identidade. E, tal qual todos nós, o jovem tem dificuldades para entender o que é privacidade e o que é identidade num mundo tão interconectado.
Por fim, há preocupações legítimas de pais, educadores e legisladores no que diz respeito às práticas de mídia da juventude, porém é preciso não perder de vista as políticas que permitam ao jovem tirar proveito das enormes oportunidades de aprendizado no uso das novas tecnologias. Como dizem Palfrey, Gasser e Boyd, a FCC está correta em procurar equilibrar seus esforços no sentido do municiamento dos pais associado ao estabelecimento de estratégias para a proteção do jovem na sua convivência online.
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE
Investimentos e Notícias (São Paulo), 22/03/2010, 08:25hs, http://www.investimentosenoticias.com.br/ultimas-noticias/artigos-especiais/aos-pais-o-poder-de-ajudar-as-criancas-a-desfrutar-das-novas-midias.html
Um comentário:
"Diferentemente do que percebe o adulto, é fato que a convivência na rede permite ao jovem adquirir habilidades tecnológicas e sociais básicas das quais ele precisa para participar integralmente da sociedade contemporânea."
Marcando essa pequena parte do texto, acho que muitos adultos tinham que ter uma visão mais ampla sobre tecnologia, não só a visão de um mundo mal e que tudo que esta na internet é um bicho papão, mas sim mesmo que sejam as menores ferramentas ou as mais "bestas", são elas que levam a pessoas terem grande aprendizado e maior conhecimento da informática.
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