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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Prontuários Cibernéticos e o Dilema entre Privacidade e Saúde

OPINIÃO / ARTIGO

Prontuários cibernéticos e o dilema entre privacidade e saúde

POSTADO ÀS 10:29 EM 23 DE FEVEREIRO DE 2009

Por Ruy J.G.B. de Queiroz

No pacote de estímulo à economia americana estão previstos US$20 bilhões para acelerar o uso de registros médicos computadorizados. Em seu discurso sobe o pacote, o Presidente Obama explicou por que esses recursos faziam parte do pacote de estímulo econômico: trata-se de um investimento gerador de empregos tanto no presente quanto no futuro, e que deverá melhorar a qualidade da assistência médica e salvar vidas. As provisões no pacote para a tecnologia da informação sobre saúde se constituem num passo à frente em direção ao objetivo de adoção de registros médicos eletrônicos quase universais pelos próximos 10 anos (comparados com os 17% de hoje). Ao assinar o American Recovery and Reinvestment Act (ARRA) em 17/02/09, o Presidente Obama garante financiamento e incentivos para acelerar a adoção de tecnologias clínicas e negócios eletrônicos interoperáveis na área de assistência médica, ao mesmo tempo em que fortalece as salvaguardas de privacidade para as informações de saúde de pacientes. O trecho do ARRA que trata desse tópico é o "Health Information Technology for Economic and Clinical Health Act", ou "HITECH Act." Entre os principais objetivos está vencer uma das principais barreiras à universalização, que é certamente a portabilidade.

Se a portabilidade de dados e o estabelecimento de padrões para uma internet verdadeiramente aberta têm se constituído numa grande promessa de estímulo à inovação em redes sociais, não é difícil imaginar o que uma paisagem de dados segura, baseada em padrões internacionais, e apoiada em medidas de segurança certificadas significaria para a área de assistência médica. Se os grandes personagens no mundo das redes sociais fazem de tudo para guardar a sete chaves as informações de seus membros, e resistem à portabilidade de dados, imagine como seria essa resistência na multi-trilionária indústria médica.

Não obstante, um grande passo em direção a essa paisagem foi dado recentemente. A IBM, em colaboração com a Google e a Continua Health Alliance (que inclui Nokia, Intel , e Panasonic) anunciaram em 05/02/09 a disponibilidade de um novo software para o manuseio de informações do Google Health que pode inclusive habilitar dispositivos médicos pessoais para monitoração, acompanhamento e avaliação rotineira de pacientes, a alimentar automaticamente os resultados na conta do paciente no Google Health ou outro registro pessoal de saúde (em inglês, "personal health record", abrev. "PHR").

Com o Google Health, o produto da Google para informações sobre registros de saúde (de forma análoga à que o Gmail trata dos registros de mensagens eletrônicas) oficialmente lançado em Maio de 2008, que permite que usuários armazenem, gerenciem, e compartilhem seus registros médicos e suas informações de saúde, tudo isso de forma segura e online, a Google Inc. busca se diferenciar num mundo de empresas rivais de software para registros de saúde ao oferecer aos médicos independentes (isto é, aqueles não associados a qualquer organização de assistência médica) o acesso ao prontuário do seu paciente. Ainda no primeiro semestre de 2009 a gigante da internet deverá introduzir um mecanismo de compartilhamento pessoa-a-pessoa, semelhante ao Google Calendar, que permitirá o acesso ao PHR por parte de terceiros. Como o armazenamento dessas informações está sendo realizado em nome do indivíduo e não do provedor da assistência médica, o Google Health não está regido pelo Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA), uma lei federal americana de 1996 que regulamenta o uso e o manuseio de informações sobre a saúde do paciente. Assim, se o paciente tem seu registro no Google Health, o médico pode consultar seu perfil durante uma consulta, e usá-lo como uma ferramenta. Um exemplo de uma ferramenta útil é um "estimador de risco de ataque do coração", disponibilizado pela American Heart Association: após importar os dados do registro do paciente, é calculada a probabilidade de ocorrência de um problema coronariano.

Sistemas de registros médicos online gerenciados pelo indivíduo como o Google Health também são oferecidos por Microsoft (com a plataforma HealthVault), WebMD, Revolution Health Group, e mais recentemente, UnitedHealth Group Inc., uma grande seguradora. Mas nenhum desses registros médicos são intercambiáveis entre os agentes provedores de assistência médica, e, no caso de uma emergência, os médicos ficariam impossibilitados de acessar as informações do paciente sem seu consentimento expresso.

O novo software advindo da parceria IBM-Google estende o valor dos PHR's a consumidores e também contribui para assegurar que tais registros estejam atualizados e precisos em todo momento. Uma vez armazenados num PHR, os dados também podem ser compartilhados com médicos clínicos-gerais e outros membros da rede de assistência médica conforme a vontade do usuário. Dessa forma, profissionais de saúde terão condições de dar retorno em tempo hábil ao paciente, conforme suas condições de saúde, sugerir tratamento, e ajudar a melhorar a qualidade de vida como um todo. Em um mundo onde doenças crônicas como o diabete afligem mais de 600 milhões de habitantes, onde mais de 1 bilhão de pessoas sofrem de obesidade, e onde o número de idosos chegará a 1,2 bilhão em 2025, iniciativas como a parceria IBM-Google têm muito a contribuir para uma melhor qualidade de vida do cidadão.

O fato é que uma ferramenta como essa permitirá ao médico trabalhar em parceria mais efetiva com seus pacientes sobretudo no compartilhamento de decisões e no esforço de garantir uma assistência mais completa. Para chegar a isso a Google conta com parceiros tais como redes de farmácias, laboratórios, hospitais, grupos e consultórios médicos, seguradoras e fabricantes de equipamentos médicos, de forma a oferecer mais serviços ao indivíduo, e de forma mais integrada: tudo o que se passa com o usuário no contexto nesses parceiros pode ser importado para armazenamento nos registros do usuário. Diferentemente do que faz com outros produtos (Gmail, Google Search, etc.), a Google diz que não tem planos de rodar anúncios no Google Health. O uso não será cobrado aos parceiros, e não há taxa para um indivíduo usar o serviço. Mas alguns médicos alertam que o sistema pode levar a erros, pois, como não há obrigatoriamente a intermediação de um profissional, o indivíduo precisa estar atento para entrar com a informação correta. De qualquer modo, tais desenvolvimentos podem significar boa notícia para os consumidores que buscam coletar, armazenar e compartilhar seletivamente seus prontuários de saúde sob forma digital, coordenar registros com seus médicos, ou se servir de um sistema intuitivo de busca eletrônica para questões médicas.

Por outro lado, com a convivência cibernética tomando vulto, é cada vez maior a disponibilização pública de dados sensíveis, que, se manipulados inapropriadamente, podem causar sérios prejuízos aos sujeitos associados a tais informações. Particularmente sensíveis são as informações sobre o histórico de saúde, ou o "prontuário cibernético" de um cidadão. Segundo Kristen Gerencher em seu artigo de 27/03/08 no portal MarketWatch "As more of our health records move online, privacy concerns grow", a grande preocupação é com privacidade. Um cidadão que entra com informação médica sensível num PHR deseja garantia de que seus dados não serão expostos de modo a lhe causarem constrangimentos, ou, pior ainda, lhe prejudicarem no esforço de garantir um emprego ou um seguro-saúde. Na sua página sobre o produto Google Health, a empresa diz: "É seguro? Sim! Acreditamos que a informação sobre sua saúde pertence a você, e você deve decidir o quanto deseja compartilhá-la e com quem. Nunca venderemos seus dados. Armazenamos sua informação de forma segura e privativa."

Apesar das diversas promessas de várias empresas e de algumas leis estaduais que determinam padrões adicionais de privacidade, há mais perguntas que respostas no que se refere à proteção dos PHR's. Poucos duvidam da utilidade desses sistemas de PHR's, desde alertas notificando o usuário sobre possíveis interações de medicamentos até a capacidade de se compartilhar radiografias e outros exames médicos com outros profissionais de saúde que não o próprio médico. O problema é que muitas das empresas que oferecem PHR's não têm suas atividades regidas pelo HIPAA, portanto ao indivíduo restam as promessas de que aquelas informações não serão utilizadas além do que fora inicialmente acordado. Como de praxe, é importante que o usuário leia com atenção os documentos da empresa que declaram a "política de privacidade" e os "termos de uso", mas a linguagem nem sempre é amigável ou mesmo acessível. Pior ainda, em geral as empresas se reservam o direito de modificar quaisquer dos dois, e, mesmo que o usuário seja informado das mudanças, na prática dificilmente estará atento ao que mudou. (Veja-se o caso recente (04/02/09) da mudança dos termos de serviço da rede social Facebook quanto aos direitos sobre as informações introduzidas por seus membros, e que, em função dos protestos de diversos usuários e de grupos ativistas de proteção à privacidade, acabou cancelada (18/02/09).)

Por prevenção, um bom número de consumidores já praticam o que os pesquisadores chamam de "comportamentos de saúde protetores-da-privacidade" que podem significar um perigo para o indivíduo: recusar a se submeter a exames médicos por receio de que os resultados acabem na mão de terceiros, pedir ao médico para não registrar um diagnóstico ou registrar um diagnóstico menos grave ou menos embaraçoso, visitar um outro médico para evitar informar ao médico que o acompanha regularmente sobre uma determinada condição, e pagar do próprio bolso ao invés de fazer uma solicitação à seguradora para um exame, um procedimento ou uma consulta. Na verdade, 13% de consumidores em média admitiram ter cometido pelo menos um desses atos, de acordo com uma pesquisa de 2005 realizada pela California Healthcare Foundation com 2100 adultos.

E o cidadão fica no dilema entre manter a privacidade e cuidar da saúde?

PS: Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve ao Blog sempre às segundas, até mesmo em pleno Carnaval.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Biblioteca Universal Digital: Um Sonho Iluminista

ARTIGO / OPINIÃO

Biblioteca Universal Digital - Um sonho iluminista

POSTADO ÀS 08:50 EM 16 DE FEVEREIRO DE 2009

Por Ruy J. G. B. de Queiroz

Parece um sonho iluminista, mas em breve deverá estar concretizada uma das mais nobres missões tecnológicas: disponibilizar o conhecimento humano ao acesso universal. O projeto de digitalização de livros da Google já dispõe de um acervo de mais de 7 milhões de obras digitalizadas, das quais 5 milhões ainda estão protegidas por direitos autorais mas se encontram esgotadas.

Aos autores que assinarem o Acordo de direitos autorais da Pesquisa de Livros da Google (“Google Book Search”), ao qual a Justiça americana concedeu aprovação preliminar em 14/11/08 e marcou para 11/06/09 uma audiência para determinar se o Acordo receberá aprovação final, isso significa uma oportunidade inusitada de ganhar algum dinheiro por obras que já estavam fora de circulação comercial há anos. Para estudiosos o projeto é alvissareiro: desde que a Google começou a digitalizar livros impressos há cerca de 4 anos, pequisadores e curiosos em geral têm tido acesso a um verdadeiro baú-do-tesouro de informações que havia permanecido trancado em prateleiras poeirentas de bibliotecas e em sebos e antiquários de livros.

Segundo Dan Clancy, diretor de engenharia do projeto, todo mês usuários visualizam pelo menos 10 páginas de mais da metade dos 1 milhão de livros sem proteção de direitos autorais que a Google já tem digitalizados em seus servidores.

Infelizmente, nem tudo são flores. Em seu recente artigo no Wall Street Journal (“Few Free Books in the Google Library”), Marisa Taylor lembra que apesar de toda a cobertura que o projeto tem tido da mídia, pouca atenção tem sido dedicada ao fato de que, sob o Acordo, bibliotecas e seus visitantes podem começar a ter que pagar para ter acesso a alguns livros. Isso porque toda biblioteca signatária do Acordo terá direito a um “terminal de acesso público” através do qual seus visitantes podem ver todo o material digital sem pagar. Mas fora desse terminal, os usuários somente poderão ver cinco páginas consecutivas ou 20% de uma obra protegida por direitos autorais que não esteja mais disponível comercialmente.

Para ver o restante do material, a biblioteca ou o usuário terá que pagar uma taxa ainda a ser determinada para cobrir os custos de digitalização da Google, e talvez permitir que autores e editoras aufiram algum lucro. A Google diz não esperar que essa receita contribua significativamente para sua “linha de fundo”: “Não achamos necessariamente que isso poderia dar lucro,” disse Sergey Brin, co-fundador e presidente de tecnologia numa entrevista na própria Google em Mountain View. “Apenas sentimos que isso é parte de nossa missão principal. Há informação fantástica em livros.

Frequentemente quando faço uma busca, o que encontro num livro está milhas à frente do que acho num portal da internet.” Boa parte da receita será gerada através de venda de anúncios nas páginas da internet onde aparecem os trechos do livro digitalizado, através de assinaturas pagas por bibliotecas e outros pelo acesso a um banco de dados de todos os livros digitalizados disponíveis na coleção da Google, e através de vendas do acesso digital a livros protegidos por direitos autorais a indivíduos. A Google ficará com 37% da receita, e 63% caberá às editoras e aos autores.

O alcance do projeto da Google tem tudo para ser enormemente ampliado: em 05/02 a empresa anunciou que as obras em domínio público já digitalizadas (cerca de 1,5 milhões de livros) deverão estar acessíveis a partir de aparelhos celulares como o iPhone e o G1. No mesmo dia a Amazon declarou que estava trabalhando para disponibilizar o acesso aos títulos digitalizados e legíveis pelo Kindle (leitor de livro eletrônico, ou o que se pode chamar de “iPod de livro”), que somam cerca de 230 mil obras, a partir de diversos modelos de celulares.

Trata-se de uma combinação auspiciosa: se por um lado os livros em domínio público disponibilizados pelo Google Book Search não devem vir a ser os mais populares, pois são obras mais antigas sobre as quais os direitos autorais já expiraram, o acervo do Kindle inclui diversos lançamentos e muitos “best-sellers” atuais.

Como há muito em jogo, e algumas indefinições não ajudam (o sistema de atribuição de preços a ser adotado pela Google, e o possível exagero nas restrições ao acesso), muita controvérsia permanece, levando os mais radicais a chamar o Acordo de “pacto com o demônio.”

Recentemente, num artigo intitulado “Google and The Future of Books” no New York Review of Books, Robert Darnton (professor e diretor da biblioteca de Harvard, e fundador do “Gutenberg-e Program” da American Historical Association que busca estabelecer altos padrões de qualidade para a publicação eletrônica) alerta que o sistema de atribuição de preços da Google é “um ponto de virada no desenvolvimento do que chamamos de sociedade da informação. Se chegarmos a um equilíbrio errado nesse momento, interesses privados podem pesar mais que o bem público por um futuro enxergável, e o sonho do Iluminismo pode estar mais fugidio que nunca.”

Espera-se que o slogan da Google “Don't be evil” (“Não seja do mal”), utilizado em referência ao fato de que grandes corporações frequentemente maximizam seus lucros de curto prazo com ações que destróem sua imagem e posição competitiva a longo prazo, venha a prevalecer, e que o sonho Iluminista permaneça vivo.

PS: Ruy é Professor Associado do Centro de Informática da UFPE e escreve ao Blog de Jamildo sempre às segundas.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio, Recife), 16/02/2009, http://jc.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2009/02/16/biblioteca_universal_digital__um_sonho_iluminista_41156.php

Portal do IBDI, 16/02/2009, http://www.ibdi.org.br/site/artigos.php?id=216

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Dia da Consciência da Privacidade de Dados

OPINIÃO / ARTIGO

Dia da Consciência da Privacidade de Dados

POSTADO ÀS 10:41 EM 10 DE FEVEREIRO DE 2009

Por Ruy J.G.B. de Queiroz*

Saiu em 05/01/08 uma matéria publicada no portal da Reuters relatando que mais da metade dos adolescentes americanos mencionam comportamentos arriscados tais como sexo e drogas em suas contas na rede social MySpace. A pesquisa conclui também que muitos dos jovens que usam redes sociais (Orkut, MySpace, Facebook, Bebo,  etc.) não se dão conta de quão públicos seus dados estão e que podem estar se expondo a riscos, mas que as redes sociais podem oferecer ferramentas para identificar e ajudar adolescentes envolvidos com problemas decorrentes de sua convivência cibernética. Tudo isso faz parte dos resultados de uma pesquisa do Children's Research Institute (CRI) de Seattle, publicados na revista Archives of Pediatric & Adolescent Medicine, que conclui que muitos adolescentes de fato não têm consciência do quão públicas e permanentes as informações da internet podem ser, enquanto que os pais, em geral, sequer tomam conhecimento da “vida cibernética” de seus filhos. A tendência é que o jovem assuma uma posição do tipo “esse é o ‘meu’ espaço”, e o resultado é que não há ninguém que possa dizer "Ei! Por que você está disponibilizando isso aí?".

A matéria relata também os resultados de um experimento relevante no que concerne ao papel das administradoras das redes sociais: foram identificados 190 indivíduos de 18 a 20 anos de idade cujas contas na rede MySpace mostravam múltiplos comportamentos arriscados. Foi então enviada uma mensagem a metade deles a partir do perfil de "Dr. Meg", uma conta de um médico fictício criada por Megan Moreno (professora e pesquisadora da Univ. de Wisconsin) na MySpace, advertindo sobre os riscos de se revelar detalhes pessoais online e oferecendo um apontador para um portal com informações sobre testes de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. Três meses após essa única mensagem, muitos dos jovens haviam retirado as referências a sexo e a abuso de substâncias, além de terem reforçado os controles de segurança. A mensagem foi mais eficaz com relação às referências a sexo, com 13,7% de perfis no grupo que recebeu a advertência tendo removido todas as tais referências, comparados com 5,3% daqueles que não receberam a mensagem. Conforme Dimitri Christakis, pesquisador do CRI, disponibilizar informação sexual online pode expor um adolescente aos chamados “predadores sexuais”, e que tanto empresas quanto universidades podem se servir de tais informações para decidir contratar ou aceitar como aluno.

Em 28 de Janeiro passado, pelo segundo ano consecutivo, Estados Unidos, Canadá e 27 países europeus estiveram celebrando o “Dia da Privacidade de Dados”. Contando com uma impressionante equipe de instituições participantes, liderada pela gigante da microeletrônica Intel, um dos principais objetivos do Data Privacy Day 2009 é promover a consciência e a educação sobre privacidade entre adolescentes americanos. Este ano governos estaduais e federal dos Estados Unidos, Canadá e Europa estão fazendo sua parte: por exemplo, os congressistas David Price e Cliff Stearns introduziram a chamada Resolução 31 na House of Representatives buscando apoio para a declaração de 28 de Janeiro como o Dia Nacional da Privacidade de Dados. O Governador Mike Easley, da Carolina do Norte, declarou Janeiro de 2009 como o “mês da privacidade”em seu estado.

Segundo David Hoffman (Diretor de Políticas de Segurança e Chefe de Privacidade Global da Intel), os adolescentes estão entre os usuários mais criativos, inovadores e freqüentes da internet.  Redes sociais, portais de compras pela internet, video games, pesquisa, e uma enorme variedade de ferramentas de comunicação na internet oferecem oportunidades para que adolescentes forneçam informações pessoais online. Com efeito, a maioria dos adolescentes americanos usam a internet, e a maior parte desses têm perfis em portais de redes sociais. Estima-se, por exemplo, que 55% dos adolescentes de 12 a 17 anos que são usuários da internet participam de redes sociais, e para os de faixas etárias superiores as chances são ainda maiores de que disponham de perfis contendo informações pessoais. Um dos objetivos mais importantes do Dia da Privacidade de Dados é fazer com que adolescentes falem e pensem criticamente sobre privacidade. Como usuários inovadores e criativos da tecnologia, esses jovens podem se tornar os primeiros e os melhores protetores de sua própria privacidade online.

Na maior parte dos contextos online, acrescenta Hoffman, é vital manter a privacidade e a segurança das informações pessoais, incluindo aí sobrenome, endereço, telefone, além de outros dados identificadores como o nome da escola, o número do cartão de crédito ou conta bancária, e, obviamente, senhas. É importante que o adolescente aprenda a considerar o tipo de audiência que pode estar interessada em seus dados pessoais que compartilha online – empresas de marketing e anunciantes, possíveis empregadores, universidades, pais, amigos e, potencialmente, os chamados “predadores”.  É crucial que os jovens entendam que nunca devem concordar em se encontrar com alguém pessoalmente que “conheceram” online. A propósito, uma série de programas da rede americana de televisão NBC dedicada ao tema tem deixado muitos pais preocupados, e tem tido um alcance que pode ser avaliado por uma audiência impressionante no YouTube: “To Catch a Predator” (“Pegar um Predador”) é uma espécie de reality show que traz uma série de investigações com câmeras escondidas como parte do programa de notícias Dateline NBC  dedicado ao tema da identificação e detenção daqueles que contactam menores (ou indivíduos que eles acreditam que o sejam) pela  internet para encontros sexuais. Homens são atraídos à casa de uma suposta vítima que conheceram online, e lá acabam se deparando com o correspondente do Dateline (Chris Hansen) e sua equipe (câmeras, operadores de som, etc.). Após uma embaraçosa e inesperada “entrevista” e aparição na TV, o predador é surpreendido na saída por um grupo de policiais que fazem o “flagrante”. Numa entrevista a um outro programa, Chris Hansen enfatiza que os sujeitos do programa  To Catch a Predator  devem ser rotulados como ‘predadores sexuais’:  "Não chamamos esses caras de pedófilos. Pedófilos têm uma definição muito específica: pessoas que estão interessadas em sexo pré-pubescente. Aqui, os caras dos quais estamos falando são predadores potenciais.”

Um outro programa que despertou muita atenção da sociedade americana para os perigos e as ameaças da vida online foi ao ar pela primeira vez em Março de 2008: “Growing Up Online” (“Crescendo Online”), episódio da conceituada série de documentários Frontline da rede PBS de TV pública. Dirigido por Rachel Dretzin, o programa mergulha no mundo dessa geração “ciber-esperta” (em inglês, “cyber-savvy”) através dos olhos de adolescentes e seus pais, que freqüentemente se encontram em lados opostos dessa “divisão digital”. Conforme a sinopse, “uma geração com uma noção radicalmente diferente de privacidade e espaço pessoal, os adolescentes de hoje estão se deparando com questões com as quais seus pais nunca tiveram de lidar: desde ‘cyber bullying’ (termo utilizado para o assédio moral pela internet) até a ameaça dos predadores sexuais, passando por ‘fama pela internet’. Frontline investiga os riscos, realidades, e mal-entendidos da auto-expressão adolescente na internet.”

Com objetivo de entender essa tal “divisão digital de gerações”,  John Palfrey (professor de Harvard, e diretor do Berkman Center for Internet and Society daquela renomada universidade) e Urs Gasser (da Univ. de St. Gallen, Suíça) publicaram recentemente Born Digital: Understanding the First Generation of Digital Natives (Basic Books, Agosto 2008). Na verdade, o livro surge de uma iniciativa do projeto Digital Natives, uma colaboração interdisciplinar do Berkman Center e do Research Center for Information Law da Univ. de St. Gallen. Segundo o portal do projeto, a primeira geração dos “Nativos Digitais” – crianças que nasceram e cresceram no mundo digital – está amadurecendo, e em breve nosso mundo será remodelado à sua imagem, seja a economia, a política, ou a cultura, até quem sabe o próprio formato da vida em família, será transformado para sempre. Mas quem seriam esses Nativos Digitais? Quão diferentes são das gerações mais velhas – ou “Imigrantes Digitais” – e como será o mundo que eles estão criando? No livro os autores exploram uma variedade de questões, desde as mais filosóficas até as mais práticas: O que é que ‘identidade’ significa para jovens que têm dezenas de perfis e avatares online? Deveríamos nos preocupar com privacidade – ou privacidade não é sequer uma preocupação relevante para os Nativos Digitais? Como é que o conceito de segurança se traduz num mundo cada vez mais virtual? Até que ponto os jogos online viciam, e o quanto deveríamos nos preocupar sobre os video games violentos? Qual é o impacto da internet sobre a criatividade e o aprendizado? 

Segundo a Publishers Weekly, os autores trazem uma perspectiva crítica porém otimista sobre as ramificações legais e sociais da internet com respeito à geração de Nativos Digitais nascidos após 1980. Além de chamar a atenção para as oportunidades futuras e os desafios associados à internet como espaço social (“a internet deverá fomentar ‘cidadãos globais’ com um ‘espírito de inovação, empreendedorismo e cuidado pela sociedade como um todo’ ”), Palfrey e Gasser ao revelar o quanto a juventude deixa de reconhecer a vulnerabilidade de seus dados, e de que o que se disponibiliza online nunca é de fato privado, convocam a participação de pais e escola para nunca abandonar o papel de guia e protetor. Como cidadãos, os autores trazem sua preocupação com a ausência de regulamentação governamental americana sobre a mineração de dados por parte dos mecanismos de busca que detêm o potencial de criar dossiês ‘do-berço-à-cova’ sobre indivíduos, incluindo dados financeiros e de saúde.

Nos últimos 3 anos, à medida que jovens e crianças têm feito mais uso das redes sociais, uma série de casos de assédio moral e de predadores sexuais tem aparecido na mídia, despertando a atenção da justiça americana que já vinha admoestando a MySpace em vários estados por não implementar os devidos cuidados. Em 2007, oito estados já haviam instado aquela rede social a garantir requisitos mínimos de proteção, e em 2008 os 49 procuradores-ger ais de estado, liderados por Richard Blumenthal (Connecticut) e Roy Cooper (Carolina do Norte), ordenaram a MySpace a juntar forças com pesquisadores e outras empresas de internet para determinar o quanto a tecnologia poderia ajudar no enfrentamento aos riscos à segurança online.  Em Fevereiro de 2008 o Berkman Center anunciou a formação de uma “Força Tarefa para a Segurança na Internet” com o objetivo de identificar e desenvolver ferramentas de segurança para proteção de menores online. Cerca de 29 organizações se juntaram ao grupo, incluindo AOL, AT&T, Comcast, Facebook, Google, Microsoft, MySpace, NCMEC, Symantec, Verizon and Yahoo!, cujos princípios norteadores foram descritos no documento intitulado “Joint Statement on Key Principles of Social Networking Safety”.

Em 14/01/08 foi disponibilizado o relatório final da Força Tarefa: o documento intitulado “Enchancing Child Safety and Online Technologies” de 278 páginas caiu como uma bênção para as empresas de internet, que já vinham de há muito argumentando que a tecnologia não pode ser a única solução para os perigos que crianças e adolescentes correm online. A Força Tarefa reconheceu que não se poderia determinar como tecnologias podem ajudar a promover a segurança online para menores, sem primeiro se estabelecer um entendimento claro dos verdadeiros riscos enfrentados pelos menores, baseado no exame criterioso de uma pesquisa rigorosamente conduzida. Trata-se de um “balde de água fria” sobre aqueles em favor de controles tecnológicos mais rigorosos, tais como verificação de idade e ferramentas de filtragem.

Na conclusão de seu “sumário executivo”, a Força Tarefa se diz otimista com respeito ao desenvolvimento de tecnologias para melhorar as proteções a menores online e para dar apoio a instituições e indivíduos envolvidos na proteção de menores, porém pede cautela com relação à demasiada expectativa que se deposita na tecnologia por si só ou numa única abordagem tecnológica.  Mais especificamente, o documento afirma que a tecnologia pode desempenhar um papel muito útil, mas que não há uma única solução tecnológica ou combinação específica de soluções tecnológicas para o problema da segurança online de menores.  Ao invés disso, uma combinação de tecnologias, em conjunto com a supervisão dos pais, a educação, os serviços sociais, as ações policiais, e as políticas corretas para as redes sociais e provedores de serviços de internet podem ajudar no enfrentamento de problemas específicos com que os menores possam se defrontar online. Todos os responsáveis têm que continuar a trabalhar de modo cooperativo e colaborativo, compartilhando informações e idéias para a obtenção do objetivo comum de tornar a internet tão segura quanto possível para menores.
 
Conforme diz John Palfrey numa entrevista ao portal Digital Media da CNET News, temos uma escolha entre abraçar de vez a tecnologia de forma responsável e reconhecer seu crescente papel na vida cotidiana, ou ceder ao medo e limitar o crescimento e a criatividade que a tecnologia pode fomentar.

*Ruy é professor associado do Centro de Informática da UFPE e escreve, a partir de hoje, semanalmente para o Blog de Jamildo.

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio, Recife), 10/02/2009, http://jc.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/02/10/dia_da_consciencia_da_privacidade_de_dados_40823.php

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Twitter e a notícia em primeira mão

TECNOLOGIA

O Twitter e a notícia em primeira mão

Artigo do leitor Ruy José Guerra B. de Queiroz

Recentes eventos de grande repercussão, como o último grande terremoto na China, os tremores de menor intensidade em torno de Los Angeles, a queda do airbus no Rio Hudson, e até o referendo na Bolívia, têm posto em cheque o conceito atual de "breaking news" (notícias em primeira mão), além de motivado o uso do termo "web de tempo real", e direcionado as atenções dos blogueiros e colunistas de tecnologia para um serviço inovador de mensagem instantânea: o Twitter, uma "startup" (empresa jovem de inovação tecnológica) baseada em San Francisco, fundada em julho de 2006, que administra uma rede social e serviço de mensagem instantânea que permite ao usuário enviar "mensagens de atualização" (as chamadas "tweets", termo em inglês para se referir ao grito curto e agudo de um pássaro), limitadas a no máximo 140 caracteres. Todos os eventos supracitados foram noticiados em primeira mão através da Twitter, deixando a CNN e outras megacorporações de notícias a ver navios.

Segundo o blogueiro Om Malik (do portal GigaOm), o Twitter, tal qual o Facebook, está na crista da onda da "web de tempo real", levando alguns entusiastas ao extremo e considerá-la a nova ameaça à dominação da Google. Graças à proliferação dos dispositivos pessoais de acesso à internet, celulares equipados com câmeras digitais e outros "gizmos" (termo em inglês usado para designar "aparelhos", "dispositivos"), mais e mais pessoas se engajam em atividades de expressão online compartilhando fotos, videos, e, é claro, enviando tweets.

Quase 150 milhões de pessoas usam a rede social Facebook como um repositório de suas vidas sociais digitais, utilizando o serviço para transmitir as informações a seus amigos e família (ou até a desconhecidos). Enquanto o sistema da Facebook é fechado, startup's como o Twitter e a menos conhecida FriendFeed têm uma oportunidade de criar ambientes mais ecléticos que combinem o que há de melhor na rede. Twitter tem a chance de ajudar a fomentar um ecossistema mais democrático no qual serviços de múltiplos alimentadores de tweets podem se basear na platforma. Um bom exemplo seria o "Twitpic", que permite que se compartilhe fotos com amigos, e tem tido enorme (há quem diga "de quebrar o pescoço") crescimento no seu tráfego nos últimos meses.

Com mais aplicativos adicionados, o Twitter deverá estimular ainda mais tal conteúdo de tempo real. É de se esperar que o fluxo de dados causado por esse conteúdo de tempo real deverá demandar uma metodologia de busca que possa ajudar a acrescentar contexto a essa informação, e, ciente disso, o Twitter adquiriu, em julho passado, o engenho de busca Summize.

Confiantes com a valorização da empresa, seus fundadores (liderados por Evan Williams, que não faz muito tempo vendeu o Blogger à Google) recentemente recusaram uma oferta de meio bilhão de dólares da Facebook (a maior parte disso em participação na sociedade), e comenta-se que levantaram US$ 20 milhões em mais uma rodada de capital de aventura (em inglês "venture capital", mais conhecido como "capital de risco") com base numa avaliação de US$ 250 milhões de valor de mercado.

Observa-se também que o serviço do Twitter está atraindo cada vez mais grandes corporações que buscam tentar a mídia social como meio de melhorar os serviços ao cliente, bem como a imagem de suas marcas. Por exemplo, a rede de cafeterias Starbucks usa tweets para divulgar ofertas especiais e informações nutricionais de seus produtos; o portal de comércio eletrônico Zappos, assim como a empresa de TV a cabo Comcast, e a Southwest Airlines, todas fazem uso do Twitter para chegarem mais próximos à clientela. Recentemente, até o Bank of America tornou-se um desses usuários corporativos ilustres, e usa seu fluxo de tweets como um "serviço de atendimento ao cliente ao vivo", porém com consultas e respostas feitas em público e limitadas a 140 caracteres no máximo.

Com tudo isso, mesmo quem escreve muito sobre o Twitter acha difícil explicar exatamente do que se trata. Em recente artigo no portal AllThingsDigital, Peter Kafka confessa que é um desses, e diz que, se servir de consolo, até o "New York Times" está tentando entender: o gigante da mídia, que anda cambaleante devido à queda de receita proveniente de anunciantes, tem promovido palestras aos seus funcionários sobre o serviço do Twitter, disponibilizando publicamente o conteúdo das apresentações.

Em destaque algumas observações do apresentador na última palestra: "As pessoas que atacam o Twitter por ser mundano e banal estão perdendo de enxergar o ponto principal. É mundano, mas o mesmo acontece com a maior parte de nossas conversas durante o dia. (...) O estúpido e o trivial são a cola social da conversação. (...) Twitter é estúpido, mas é o tipo certo do estúpido."

No final das contas, é como se o papo direto e corriqueiro fosse transportado para o espaço cibernético.

Ruy José Guerra B. de Queiroz é professor associado do Centro de Informática da UFPE

O Globo Online, 03/02/2009, 11h44m, http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/02/03/o-twitter-a-noticia-em-primeira-mao-754238760.asp