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quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Academia, empreendimento e inovação tecnológica

Academia, empreendimento e inovação tecnológica

Ruy J.G.B. de Queiroz 

Professor associado, Centro de Informática da UFPE 


Tão profundas são as transformações resultantes dos avanços tecnológicos que não parece exagero chamar esse processo de novo Renascimento. Tampouco seria injusto atribuir a Stanford o papel de "Nova Florença". Em 1º de Outubro último foram completados 117 anos de serviços prestados (embora fundada oficialmente em 1885, a Leland Stanford Jr University abriu suas portas em 01/10/1891). Em Cities of Knowledge: Cold War Science and the Search for the Next Silicon Valley (Princeton U Press, 2004), referindo-se a um prédio construído em Goa (India) no estilo arquitetônico hispânico predominante em Stanford para abrigar uma empresa de alta tecnologia, Margaret O'Mara diz que "todo mundo quer ser não apenas um outro Vale do Silício, mas também se parecer com o Vale do Silício". Estilo arquitetônico à parte, um tanto original é o princípio norteador de Stanford: ao invés da referência direta à procura pela "verdade" (Veritas, em latim, é o slogan de Harvard), a busca pelo conhecimento como busca da liberdade vem estampada no seu motto, "Die Luft der Freiheit Weht", embora que numa língua estrangeira ainda viva. A idéia de usar tal motto veio de David Starr Jordan, primeiro presidente do "rancho do faroeste transformado em Universidade" (com 33Km2 de área e 43.000 árvores, Stanford é conhecida como "A Fazenda"), que se inspirou na reação do poeta alemão Ulrich von Hutten revoltado com a prisão de Martin Lutero: "vejam que os ventos da liberdade estão soprando!" (videtis illam spirare libertatis auram, em latim). Não sem resistência, até do conselho de curadores (que preferiram o slogan "Semper Virens", significando "sempre verdejante", nome científico da espécie de sequóia comum naquela região que pode viver mais de 2000 anos, e é a criatura viva mais alta do planeta), Jordan buscou no sentimento mais profundo de fé na primazia do indivíduo a força maior para imprimir a impressionante marca da harmonia entre o saber e a liberdade. Stanford veio a revelar toda a sua vocação de Nova Florença a partir dos anos 1970s com a chamada "cultura das start-up's": criação de empresa numa garagem, para explorar uma idéia maluca utilizando tecnologia. 

Diversas têm sido as tentativas de reprodução do ambiente criado no Vale do Silício. Em Maio último, numa palestra ao programa de empreendedorismo de Stanford, Beth Seidenberg (da grande empresa de venture capital KPCB) diz que "o ambiente em torno de Stanford é diferente de qualquer outro que eu já vi e que já foi criado por quem quer que seja. (...) Boston e San Diego podem até reivindicar a disponibilidade de infra-estrutura [para inovação], mas o Vale do Silício é verdadeiramente o eixo da inovação tecnológica". Os fatos estão aí para comprovar, pois brotaram n'A Fazenda: Google, Yahoo, Hewlett-Packard, YouTube, Sun, Cisco, eBay, PayPal, Electronic Arts, Silicon Graphics, Netflix, Nvidia, VMWare, Orkut, Dolby. Através de um simples motto invocando a liberdade do pensar, Jordan enraizou o sentimento de fé na primazia do indivíduo que parece ter protegido Stanford de sucumbir ao arquétipo da fábula da galinha dos ovos de ouro. E esse sentimento persiste nos seus ex-alunos sob forma de doações generosas: US$400 mi de William Hewlett (HP), US$100 mi de Phil Knight (Nike), US$75 mi de Jerry Yang (Yahoo), US$33 mi de Lorry Lokey (Business Wire), US$30 mi de Jen-Hsun Huang (Nvidia). Dentre os programas de arrecadação de doações de ex-alunos e simpatizantes, o The Stanford Challenge, lançado em Outubro de 2006, já se encontra bem próximo à meta traçada para 2011 (US$4,3 bi): os números de 14/10/08 indicam uma arrecadação parcial de US$3,9 bi. Difícil imaginar forma mais explícita de respeito e retribuição à alma mater.


Um comentário:

cabeça disse...

Ótimo artigo!
Seria este um exemplo a ser copiado, como tenta a maioria dos lugares citados, ou um exemplo a ser aprendido e adaptado para cada uma das realidades. Stanford une um conjunto de fatores únicos para aquela região. Acredito que os modelos devam se adaptar aos lugares e não o contrário. Uma única coisa deve ser mantida/buscada em qualquer lugar do mundo: a busca por uma educação de excelência e libertadora.