Páginas

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Cibersegurança e o domínio público

Cibersegurança e o domínio público

Ruy J.G.B. de Queiroz
Professor associado, Centro de Informática - UFPE
ruy@cin.ufpe.br

Há atualmente uma grande discussão sobre a regulação do chamado ciberespaço. Em Privacy on the Line (MIT Press, 2007), Whitfield Diffie (uma espécie de "guru" da criptografia moderna) e Susan Landau começam lembrando que seria difícil encontrar um tema mais fundamental no mundo contemporâneo do que a migração do contato físico, face-a-face, para o mundo virtual das telecomunicações. Uma das questões críticas levantadas por essa transformação é qual o efeito que ela terá sobre privacidade e segurança do indivíduo.

As decisões que tomamos quando assentamos os fundamentos do novo mundo terão um impacto sobre a estrutura da sociedade humana que transcende aquele de qualquer desenvolvimento tecnológico anterior. Se, ao desenharmos esse novo mundo, não levarmos em conta a privacidade e a segurança de uma maneira que reflita a primazia do indivíduo, a tecnologia irá impor uma ordem social na qual o indivíduo é subordinado às instituições cujos interesses foram prioritários no desenho. Em "Code 2.0" (2006), Lawrence Lessig, professor de direito de Stanford e fundador da Creative Commons, examina o quanto os valores essenciais tais quais os conhecemos - propriedade intelectual, liberdade de expressão, e privacidade - estão sendo ameaçados, e o que podemos fazer para protegê-los. Lessig mostra como o código - a arquitetura e a lei do ciberespaço - pode tornar um domínio, um portal, ou uma rede livres ou restritivos; como arquiteturas tecnológicas influenciam o comportamento das pessoas e os valores que elas adotam; e como mudanças no código podem ter conseqüências danosas para as liberdades individuais. Lessig lembra a necessidade de se estabelecer leis de convivência no espaço virtual: "Falando de uma constituição no ciberespaço estamos simplesmente perguntando: Que valores devem ser protegidos ali? Que valores devem ser construídos no espaço para encorajar quais formas de vida?". Trata-se de uma busca por um arcabouço conceitual e jurídico que permita enfrentar as disputas relativas ao ciberespaço, e, entre as grandes questões figuram: roubo de identidade, liberdade de expressão, privacidade, neutralidade da rede, direitos autorais, votação eletrônica, e segurança nacional. No âmbito do Centro de Informática da UFPE está sendo consolidado um forum permanente sobre o tema da cibersegurança e o domínio público, a contar com a participação da academia, da indústria, de legisladores e gestores públicos, e de entidades representativas da sociedade civil organizada. Há questões relevantes ao cidadão contemporâneo que demandam respostas tecnológicas, políticas, e jurídicas: O que constitui um compartilhamento ilegal de arquivos? O que pode ser caracterizado como "uso honesto" de uma obra protegida por direitos autorais? Quando é que uma música, imagem, ou filme pertence ao "domínio público"? Qual o impacto que a tecnologia tem tido (ou deverá ter) na proteção ao consumidor e à sua privacidade? Qual o impacto que a lei de proteção à propriedade intelectual digital tem (ou deve ter) sobre a inovação tecnológica? O que acontece (ou deveria acontecer) num processo jurídico envolvendo interesses e valores de grande monta no qual as questões sejam de natureza essencialmente tecnológica? Como classificar uma determinada distribuição de mensagens não-solicitadas como criminosa? Quem, como, e em que grau deve-se responsabilizar pelo vazamento de informações sensíveis? Como deve ser avaliada uma denúncia de quebra da neutralidade da rede por parte de um provedor de acesso?

Os desafios são de toda ordem, e clamam por um diálogo mais intenso entre Lei e Tecnologia.

Diário de Pernambuco, 09/10/2008, http://www.diariodepernambuco.com.br/2008/10/09/opiniao.asp

Nenhum comentário: