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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O Compartilhamento de Arquivos e a Produção de Conteúdo de Mídia

ARTIGOS ESPECIAIS

24/08 - 13:20

O Compartilhamento de Arquivos e a Produção de Conteúdo de Mídia

24 de agosto de 2009 - Um estudo recente publicado pela Harvard Business School, “File-Sharing and Copyright” (“Compartilhamento de Arquivos e Copyright”, por Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf, 15/05/2009) conclui que compartilhamento de arquivos e proteções mais brandas de direitos autorais redundaram, de um modo geral, em mais benefícios do que prejuízos à sociedade. Entre outras coisas, Oberholzer-Gee e Strumpf argumentam que o compartilhamento de arquivos nada fez para deter a produção de livros, música e filmes. A conclusão dos autores, economistas de Harvard e Kansas respectivamente, é a de que a proteção mais branda de direitos autorais é desejável, desde que “não diminua os incentivos aos artistas e às empresas de entretenimento para produzir novos trabalhos.”

O estudo começa lembrando que o advento da tecnologia de compartilhamento de arquivos tem permitido que os consumidores copiem música, livros, vídeo-games e outras obras protegidas por direitos autorais numa escala sem precedentes e a um custo mínimo. Nas palavras dos autores: “O copyright existe para incentivar a inovação e a criação de novos trabalhos; em outras palavras, para promover o bem-estar social. A pergunta a se fazer é portanto se a nova tecnologia tem enfraquecido os incentivos para criar, comercializar, e distribuir entretenimento. O deslocamento de vendas é uma condição necessária mas não suficiente para que danos ocorram. Precisamos saber se a receita dos produtos complementares superam o declínio na receita dos trabalhos protegidos por direitos autorais. E mesmo se a receita cai, o benefício social pode não sofrer se os artistas não responderem a incentivos monetários mais fracos.”

Com efeito, embora que a evidência empírica do efeito do compartilhamento de arquivos sobre as vendas seja diversa, há elementos suficientes para que se conclua que a pirataria de música na internet pode talvez explicar cerca de um quinto da queda recente nas vendas da indústria. No entanto, somente o declínio nas vendas não basta para concluir que os autores têm menos incentivos à criação, pois o compartilhamento de arquivos, por outro lado, influencia os mercados para concertos, e para a infraestrutura eletrônica e de comunicações. Por exemplo, a tecnologia fez aumentar os preços de concertos, levando os artistas a realizar tournées mais frequentemente, e, no final das contas, a aumentar suas receitas no total.

Referindo-se a um artigo seminal na análise econômica do copyright (“An Economic Analysis of Copyright Law”, por William Landes e Richard A. Posner, publicado no “Journal of Legal Studies”, 1989), Oberholzer-Gee e Strumpf recordam que, ao estabelecer os termos da proteção aos direitos autorais, legisladores procuram um equilíbrio entre aumentar os incentivos à criação de obras protegidas e permitir o aumento dos preços com os quais os consumidores se deparam quando livros, filmes, e gravações não podem ser copiados. Isso significa que a tarefa do legislador é um verdadeiro desafio, pois estabelecer os termos do copyright de uma maneira que beneficie a sociedade requer uma resposta a duas questões fundamentais: por um lado, é preciso saber quão mais fracos seriam os incentivos para a criação de novos trabalhos num regime com menores proteções, e, por outro lado, como os produtores responderiam a um enfraquecimento dos incentivos. O fato é que a música, a cultura, a ciência, assim como o próprio bem-estar econômico dependem de um equilíbrio delicado entre as idéias que são de acesso controlado e aquelas que são de livre acesso, conforme analisa James Boyle em seu mais recente livro “The Public Domain: Enclosing the Commons of the Mind” (“O Domínio Público: Delimitando os Comuns da Mente”, Yale University Press, Dezembro 2008). O domínio público é o universo de material—idéias, imagens, sons, descobertas, fatos, textos—que está desprotegido por direitos de propriedade intelectual e livre para todos usarem e construírem a partir dele. Tanto os incentivos fornecidos pela propriedade intelectual quanto a liberdade propiciada pelo domínio público são cruciais ao equilíbrio. Porém, atualmente a maior parte da atenção tem sido voltada para o universo protegido.

Nos Estados Unidos, assim como no resto do mundo, o grau de proteção de direitos autorais tem consistentemente aumentado, desde o modesto “Copyright Act” de 1790, que ofereceu 14 anos de proteção com um período de renovação de 14 anos, até a legislação aprovada em 1831 (28 anos), 1909 (renovação estendida a 28 anos), 1976 (50 anos após a morte do autor), 1992 (renovação automática), e 1998 (70 anos). Na União Européia, o termo de copyright para peças de música gravada tem 50 anos de duração, ao contrário dos 95 anos nos EUA. Uma proposta de extensão desse período para 70 anos foi aprovada pelo Parlamento Europeu em 23/04/09. Poucos meses antes em seu artigo “Book-burning, legal style” (“Queima de livros, estilo legal”, 08/12/09) no Financial Times, James Boyle já manifestava seu descontentamento com a proposta que havia sido submetida pela Comissão Européia. Segundo Boyle, o copyright fez sua tarefa e encorajou a criação, mas agora age como uma cerca, e, ainda pior, a marcha da extensão retroativa continua, cada extensão tão destrutiva de acesso quanto uma chacina de nossa herança cultural como se tivéssemos literalmente jogado tudo uma fogueira. Antes de ser uma política cultural, isso seria uma política anti-cultural, conclui Boyle.

Numa carta de apoio (“amici curiae”) aos réus no célebre processo que a MGM Studio Inc. (representando um consórcio de 28 empresas de entretenimento) moveu contra as empresas de compartilhamento de arquivos entre pares Grokster (uma outra marca do Kazaa) e Streamcast (fabricante do Morpheus) em 2005, Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf argumentavam que um dos pilares do argumento da MGM era que os downloads em redes de compartilhamento de arquivos tinham tido um impacto significativo e negativo em suas vendas de música gravada. Contudo, diziam os amici, não havia análise rigorosa dando suporte a tais alegações. O propósito da carta era dar ciência à corte da pesquisa empírica conduzida pelos amici quantificando as conseqüências econômicas do compartilhamento de arquivos. Baseados em extensa análise estatística de um grande número de downloads do último trimestre de 2002, os amici concluíam que o compartilhamento de arquivos tinha tido um impacto apenas modesto nas vendas de música. “Com alto nível de confiança, os amici podem rejeitar a alegação de que o compartilhamento de arquivos foi responsável pela maioria da redução em vendas durante o período de estudo. Ao mesmo tempo, os amici não podem rejeitar a hipótese de que o compartilhamento de arquivos não teve nenhum impacto sobre a venda de álbuns de música.”

Já no estudo divulgado em Maio último, Oberholzer-Gee e Strumpf declaram que, apesar de não haver dúvida de que o compartilhamento de arquivos enfraqueceu substancialmente a proteção de obras cobertas por copyright, o resultado do experimento está longe de nos dar uma certeza. Três condições precisam se verificar para que direitos menos-certos venham a minar os incentivos à produção artística: (1) as obras originais e as cópias em redes de compartilhamento de arquivos têm que ser substitutos razoavelmente próximos; (2) os artistas e a indústria do entretenimento não podem ser capazes de se deslocar de fontes anteriores de renda para a venda (igualmente rentável) de complementos; e, finalmente, (3) receitas em declínio têm que ser um motivador suficientemente importante para que os artistas reduzam a produção. Somente se todas as três condições se verificarem, o compartilhamento de arquivos estará causando reais danos ao bem-estar social.

Sobre o impacto do compartilhamento de arquivos na redução de vendas de material protegido por copyright, parece não haver dados suficientemente coerentes para que se chegue a conclusões inquestionáveis. Daí, em razão do fato de que os resultados teóricos se mostram inconclusivos, o efeito do compartilhamento de arquivos na rentabilidade da indústria se caracteriza, em grande medida, como uma questão essencialmente empírica. E para entender as razões desse caráter diverso, Oberholzer-Gee e Strumpf levam em consideração uma lista de desafios na literatura empírica: (i) escolha da amostra; (ii) medidas da pirataria; (iii) heterogeneidade não-observada. Apesar de seu foco não ser exatamente sobre se a indústria fonográfica está ou não perdendo dinheiro devido ao compartilhamento de arquivos, mas sim sobre se o compartilhamento de arquivos tem freado a produção de música, o fato é que o artigo encara de forma responsável mitos de longa data sobre os efeitos econômicos do compartilhamento de arquivos. Os autores argumentam com base em números, e de forma um tanto convincente, que muitos downloads não representam uma venda perdida, alegação utilizada por muitos representantes de gravadoras, inclusive no célebre caso recente do processo movido pela Capitol Records contra Jammie Thomas-Rasselt que acabou condenada a pagar exorbitantes 1,92 milhões de dólares em danos por ter baixado ilegalmente 24 músicas (80 mil dólares por música).

(Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE)

Investimentos e Notícias (São Paulo), 24/08/2009, 13:20hs, http://investimentosenoticias.com.br/IN_News.aspx?Parms=2611547,408,100,1

Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online, Recife), 24/08/2009, 08:00hs, http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/artigos/2009/08/24/o_compartilhamento_de_arquivos_e_a_producao_de_conteudo_de_midia_52751.php


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